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    O abono salarial do PIS deveria ser extinto para ampliar o Bolsa Família?

    Benefício pago a trabalhadores de baixa renda com registro em carteira pode ser revisto para permitir criação do "Renda Brasil", para famílias mais pobres

    Cartão de benefícios do Bolsa Família (1.out.2014)
    Cartão de benefícios do Bolsa Família (1.out.2014) Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

    Juliana Elias, do CNN Brasil Business, em São Paulo

    A cada vez que é aberta no governo uma discussão de redução de gastos e busca por espaço no orçamento para investir em outras coisas, há um item que sempre ressurge na mesa: o abono salarial, conhecido também como o abono do PIS/Pasep. 

    O abono é um benefício de um salário mínimo extra pago anualmente a todos os trabalhadores com carteira assinada que ganham até dois salários mínimos, ou máximo de R$ 2.090 em 2020. Não à toa, é chamado também de “14º salário” da baixa renda. 

    O governo já tentou colocá-lo na mira durante os debates da reforma da Previdência, sem sucesso, e, mais recentemente, na proposta da PEC Emergencial, que reformula regras dos gastos públicos. O benefício também chegou a ser ajustado durante a gestão Dilma Rousseff, que, em 2015, tornou o benefício pago proporcional ao tempo trabalhado, e não mais integral para todos. 

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    Agora, com a intenção do governo Jair Bolsonaro de criar um novo programa de renda mínima para a baixa renda no país, o “Renda Brasil”, o abono salarial volta a figurar na lista de possíveis alvos de revisão

    Ainda no plano das intenções, o Renda Brasil seria uma espécie de Bolsa Família ampliado de maneira a atingir trabalhadores pobres informais que não estão hoje amparados pelos programas sociais existentes. O problema é que chegar a mais pessoas o torna caríssimo, e em um momento em que o governo já não tem de onde tirar mais dinheiro.

    Com um orçamento gordo, de cerca de R$ 20 bilhões ao ano, o abono é uma conta bastante cobiçada para ajudar a pagar outras, mas mexer nele não é uma discussão de resposta fácil.

    “O abono salarial tem um orçamento relevante e não vai necessariamente para os que mais precisam”, diz o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. “Por outro lado, mudá-lo implica em prejuízos para famílias que dependem dele, e é importante que se discuta maneiras de o andar de cima também pagar essa fatura. Não é possível criar um benefício necessário como a renda mínima e tirar dos próprios pobres.”

    A renda média mensal do brasileiro é hoje de R$ 2.400, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – ou seja, todo o grupo dos beneficiários do abono está abaixo desse recorte.

    O orçamento para o abono do PIS/Pasep de 2020 é de R$ 19,9 bilhões e deve atingir cerca de 24 milhões de trabalhadores. Para se ter uma ideia, o Bolsa Família atende quase o dobro (14 milhões de famílias, ou 44 milhões de pessoas), ao custo de R$ 30 bilhões por ano. Têm direito ao benefício famílias com renda de até R$ 178 por pessoa da casa, o que, em uma família de cinco pessoas, significaria uma renda total de R$ 890 por mês. O salário mínimo em 2020 é de R$ 1.045.

    O auxílio emergencial de R$ 600, de acordo com os dados mais recentes da Caixa Econômica Federal, chegou a 64 milhões de pessoas e, em quase três meses, já custou R$ 100 bilhões. Se fosse um programa anual, seu orçamento poderia se aproximar dos R$ 600 bilhões, nas contas do IFI, ou 20 vezes o Bolsa Família. 

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    Entre os principais questionamentos ao abono salarial está o fato de que ele é pago a pessoas empregadas e com registro em carteira. É uma condição que já lhes dá benefícios como férias, licenças remuneradas e 13º salário, além de colchões como o FGTS e o seguro-desemprego. Isto em um Brasil onde o crescimento do desemprego e da informalidade se tornou uma das piores mazelas sociais dos últimos anos. 

    Além disso, o cenário atual é bem diferente de quando o abono foi criado, em 1970, quando não existia no país uma rede estabelecida de programas sociais para os mais frágeis e o salário mínimo tinha um poder de compra bem menor do que o de hoje. 

    “A única justificativa para o abono existir é o fato de sempre ter existido”, diz Fabio Giambiagi, economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) especializado em Previdência. “Ele não é como as outras despesas sociais, que combatem a miséria, o desemprego ou evitam que pessoas idosas fiquem à míngua, e que são inteiramente justificadas”, disse.

    Entre os auxílios que Giambiagi menciona, e que hoje formam a rede de proteção à base da pirâmide, estão o Bolsa Família, que reuniu ações dos anos 90 como o Bolsa Escola e o Vale Gás; o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e deficientes, e a aposentadoria especial rural, destinada a produtores e pescadores de economia familiar.

    Giambiagi já fazia coro à corrente que defende a revisão do abono para que sua verba possa ser usada em investimentos, uma rubrica que está quase desaparecendo dos gastos públicos conforme despesas fixas e obrigatórias, como a Previdência Social, crescem e tomam praticamente todo o orçamento. Com a ampliação da assistência social por meio do Renda Brasil, não seria diferente. “Pode haver justificativa para manter [o abono salarial], mas é preciso ter bem claro que, provavelmente, isso vai redundar em aumento da carga tributária.”

    Trabalhadores de baixa renda e tributos sobre a riqueza

    Do outro lado da discussão, estão os que reforçam que receber um salário de no máximo R$ 2.090 não é exatamente o que se possa chamar de privilégio. É menos da metade do que seria o mínimo necessário para pagar as despesas básicas – um piso de R$ 4.700, nas contas do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

    A solução, neste caso, passaria por mexer em outras despesas e receitas antes de partir direto para o abono, como as desonerações dadas a empresas e a possibilidade de aumentar impostos sobre os mais ricos.

    “O abono salarial é um programa de distribuição de renda; não é quem tem altos ganhos que recebe”, diz o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Anfip), Décio Bruno Lopes. “Acabar com ele é criar mais uma dificuldade para famílias que ganham pouco e que aguardam esse valor para satisfazer despesas que não cabem em seu orçamento normal.”

    A Anfip e outras entidades ligadas ao Fisco apresentaram em abril ao governo federal e ao Congresso Nacional um documento sugerindo 10 medidas tributárias para levantar recursos para o combate aos impactos da pandemia do coronavírus. A criação de um imposto sobre grandes fortunas, que é previsto na Constituição e segue até hoje não regulamentado e nem cobrado, está entre as propostas.

    Nas contas das entidades, seria possível levantar até R$ 40 bilhões – o dobro do orçamento do abono – cobrando uma taxa de até 3% daqueles que têm mais de R$ 20 milhões em patrimônio. É um grupo que representa 0,1% dos contribuintes brasileiros. 

    Felipe Salto, do IFI, menciona também a possibilidade de taxação de dividendos, que são hoje isentos de imposto, e a revisão de alguns benefícios tributários. É o caso das deduções do Imposto de Renda, que permitem aos declarantes abater parte de seu imposto com despesas realizadas com saúde e educação particulares, por exemplo. Elas tiram anualmente uma arrecadação de R$ 20 bilhões para os cofres públicos – ou o mesmo que o abono salarial inteiro –, e são um benefício que vai para famílias de classe média e alta.

    “Não teria dúvida de abrir mão se chegasse a quem precisa”

    Entre os que também não têm uma resposta pronta para o dilema do abono salarial está a técnica em recursos humanos Maria Aparecida Honório, moradora do bairro da Brasilândia, na periferia de São Paulo, e um dos 24 milhões de trabalhadores que recebem o benefício. “A pessoa teria que ganhar bem mais do que um salário mínimo para manter suas contas, então o trabalhador conta com os extras, como o 13º, o abono”, diz ela. “Imagina o governo vem e tira esse valor sem consultar a população?”  

    Maria Aparecida Onório
    Maria Aparecida Honório ; moradora da Brasilândia, na periferia de São Paulo, e beneficiária do abono salarial; junto a dois de seus netos
    Foto: Acervo pessoal

    Aos 50 anos, Cida trabalha em um call center e recebe um salário de R$ 1.800. A renda da casa, onde mora com os três netos, é completada pelo salário de uma das filhas e chega a pouco mais de R$ 3.000. Atualmente, a técnica em RH também cursa licenciatura em sociologia e ajuda no movimento “A Brasilândia pede socorro”, criado pela comunidade em meio ao avanço da pandemia na região. 

    Os R$ 1.045 que Cida recebe anualmente do abono costumam ir para complementar contas da casa, como o conserto de alguma coisa ou o pagamento de dívidas em atraso. “No ano passado mandei arrumar a geladeira, que estava quebrada há mais de um mês”, conta, “e neste ano quero ver se compro roupa e sapato para a gente ir trabalhar; no resto do ano não sobra dinheiro”. 

    Perguntada, entretanto, o que acharia de perder esse extra para que ele fosse para pessoas sem trabalho fixo ou famílias que ganham menos, a resposta é rápida: “Eu aceitaria, sim. Eu aceitaria muita coisa, se esse valor realmente chegasse às pessoas que mais precisam. O problema é que não vai chegar; não chega nunca”, disse. “Se fosse repassado para que as pessoas tivessem mais qualidade de vida, imagina! Eu não teria dúvidas.”

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