Fintech que visa descentralizar rede de pagamentos, Marvin tem aporte de ex-BC
Empresa surgiu, no âmbito da Circular 3.952, para ser ponte entre a indústria e o varejo, utilizando recebíveis para facilitar a execução de negócios
A fintech Marvin anunciou, nesta terça-feira (18), que recebeu, no seu primeiro mês de vida, uma rodada de investimentos liderada pelo ex-diretor do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, e pela Mauá Capital. Sem revelar o tamanho do aporte, a startup afirma que chegou a um valuation de R$ 65 milhões.
O negócio começa a funcionar, de fato, no dia 7 de junho, quando entra em vigor a Circular 3.952 do BC. Este texto, elaborado inicialmente em 2019, dá diretrizes para que ocorra uma descentralização no mercado de arranjo de pagamentos, buscando beneficiar pequenas e médias empresas.
Mas antes de chegar ao core business da empresa, é preciso contextualizar a história da indústria. Quando Figueiredo ainda era diretor do BC, no início dos anos 2000, foi criado o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), que compreendia os processos relacionados com o processamento e a liquidação de operações de transferência de fundos.
Dentro desse arcabouço, também foi desenvolvida a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), responsável pelo processamento das milhões de transações que ocorrem no país. Órgão que, com o passar dos anos, também passou a levantar operações realizadas com cartões de crédito.
Inicialmente, este processo era muito mais fechado, já que o Brasil tinha um duopólio de operadoras de cartão e havia uma trava bancária que impedia que outras empresas, além das credenciadoras e subcredenciadoras, agissem no arranjo de pagamentos entre indústria e varejo.
E o que isso quer dizer? Vamos supor que o João abasteceu seu carro no posto de gasolina do Pedro e pagou com cartão de crédito. A empresa que fornece a maquininha tem um prazo para processar aquele pagamento, normalmente entre 30 e 40 dias. Caso Pedro necessitasse antecipar esse recebimento, precisaria negociar com essa mesma empresa, pagando as taxas ofertadas.
Isso mudou. “Muitas vezes, se um estabelecimento não antecipa seus recebimentos, precisa pedir um empréstimo para continuar rodando sua operação. Agora começamos a ver um empoderamento, desde a gestão do Ilan Goldfajn e ampliada com Roberto Campos Neto, do detentor do recebível”, diz Bernardo Vale, co-fundador da Marvin.
Nessa linha, surgiram novas registadoras certificadas pelo BC, CERC e TAG, que trabalharão em interoperabilidade com a já existente CIP e, do lado da posse do recebível em si, o BC retira a trava bancária existente e permite que aquele “crédito” se torne um ativo financeiro.
Que é onde entra a Marvin. A empresa surgiu com o objetivo de ser uma ponte entre a indústria e o varejo, utilizando os recebíveis disponíveis para facilitar a negociação de produtos entre os negócios.
Novo exemplo: Pedro, do posto, tem R$ 1 milhão para receber de uma credenciadora, mas ainda não antecipou o valor. Ao mesmo tempo, precisa comprar a mesma quantia de combustível junto à distribuidora. O objetivo da Marvin é conectar os dois lados e utilizar os recebíveis disponíveis de Pedro para fechar a operação.
“É quase um escambo. Com isso, tiro o posto de gasolina do custo de antecipação e, para a distribuidora, geramos valor de crédito, sem assumir o risco de crédito do seu cliente”, diz Henrique Echenique, co-fundador da Marvin. “Nossa interface, nesse caso, é com a própria distribuidora, que passará a dar essa opção para os seus clientes.”
Resumindo, a empresa acessa a base de dados das registradoras, que passam a ser “grandes cartórios digitais”, e colhe as informações necessárias sobre recebíveis. Depois, através de sua interface própria, promove a troca destes recebíveis, pelo varejista, por insumos ou serviços das companhias que fornecem para aquele estabelecimento.
Os custos da intermediação ficarão com as grandes companhias que, segundo Vale, já entenderam a importância do avanço. “Nossa cobrança será abaixo do CDI, mas, para as empresas grandes, isso vai depender muito mais de volume. Temos um mercado endereçável muito grande e esperamos transacionar R$ 500 milhões ainda em 2021.”
Em termos de setores, os executivos entendem que, “onde há venda por cartão, existe oportunidade”. No entanto, a empresa já conta com clientes de distribuição de combustíveis, varejo de materiais de construção, aviação e indústrias de linhas branca e marrom.
“Investi na Marvin porque ela está muito ligada a este tema de pagamentos, tem a ver com a história da Mauá e com a minha. É uma oportunidade fantástica, com uma nova modalidade de negócios, tendo uma nova proposta dos clientes terem acesso ao crédito de forma simples e barata”, diz Figueiredo.
“O crédito no Brasil sempre foi uma questão difícil. De alguns anos para cá, várias modalidades foram aparecendo, barateando-o e tornando disponível. A Circular 3.952 é mais um passo nessa direção. Com essa evolução, teremos processo competitivo e com acesso, principalmente das pequenas e médias empresas, além de pessoas físicas.”