Embratur e Câmara Árabe-Brasileira negociam parceria para impulsionar turismo halal no Brasil
Negócios no segmento podem movimentar US$ 189 bilhões até 2025
De olho em tornar o Brasil mais atrativo ao potencial mercado de turistas árabes, a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB) firmaram um acordo com foco em impulsionar o turismo halal — que atende princípios da religião islâmica — no país.
Segundo a pesquisa State of Global Islamic Economy (Estado da Economia Islâmica Global, em tradução livre) realizada em 2022, o mercado de turismo halal movimentou US$ 102 bilhões (cerca de R$ 530,4 bilhões na cotação da época) em 2021.
Estima-se que esse setor possa movimentar até US$ 189 bilhões (R$ 956,91 bilhões) em 2025.
Apesar de em 2021 (último ano em que o Ministério do Turismo forneceu dados de viajantes por país) o Brasil ter sido destino de apenas 19 mil turistas muçulmanos (número que representa pouco mais de 3% do total de viajantes daquele ano), os governos brasileiro e saudita reconhecem o potencial deste setor no país.
O debate será intensificado no 2º Global Halal Brazil Business Forum – GHB, um evento voltado à divulgação e atualização sobre as tendências mundiais do comércio halal, que conta com autoridades, agentes e demais representantes do mercado islâmico. O fórum ocorre nos dias 23 e 24 de outubro, em São Paulo.
Em entrevista à CNN, o presidente da Embratur, Marcelo Freixo reforçou que, além de enfatizar a diversidade e a boa convivência no Brasil, o investimento no turismo halal impactaria positivamente o mercado brasileiro.
“Atender às exigências halal ainda permite o acesso a um mercado com forte potencial, com alto poder aquisitivo e capaz de atrair significativos fluxos de visitantes”, defendeu o presidente da Embratur.
“É nosso desafio preparar o país para receber cada vez mais esse turista, garantir que venha e volte feliz, recomendando para amigos e familiares”.
Freixo indica que a atual gestão da Embratur vê o turismo como uma forma para reaproximar o Brasil do mundo. “Estamos na atual gestão retomando relações institucionais com diversos países e entidades”, disse o presidente da estatal.
Já Tamer Mansour, CEO e secretário-geral da Câmara Árabe, avalia que o Brasil possui grande potencial para ser um expoente do turismo halal, mas que ainda é necessário desenvolver o setor no país.
“Ainda é necessário um grande trabalho de posicionamento no exterior, principalmente no mundo islâmico, para que o país seja um destino. Potencial há, certamente”, pontuou.
“O viajante muçulmano gosta muito de turismo de natureza, o que vai encontrar fartamente no Brasil”, conclui.
O que é turismo halal?
No islamismo, o termo halal define os hábitos — sejam eles ligados a formas de vestir, falar ou alimentos consumidos — que são permitidos pela religião. Ou seja, atitudes que estão de acordo com a Shariah, a Lei Islâmica.
Quando se fala em turismo halal, o foco é estruturar a indústria de maneira que acolha os hábitos da população muçulmana.
A modalidade implica em um turismo pensado para incluir esse viajante, dando atenção a aspectos importantes da cultura, tradições e individualidade islâmica.
Em primeiro lugar, é importante pontuar os principais cuidados com os quais o setor de serviços deve se atentar em relação àquilo que é permitido ou não na tradição do Islã.
Por exemplo, entre os alimentos cujo consumo é proibido pela religião, estão:
- Carne de porco;
- Sangue dos animais;
- Peixes de couro (sem escamas);
- Moluscos;
- Bebidas alcoólicas.
A Lei Islâmica também define que o abate de animais deve ser feito de uma maneira que faça o sangue escorrer por completo antes de preparar os cortes da carne. Segundo a tradição, isso removeria as impurezas do animal.
Halal no Brasil
Ao ter em mente as restrições e tradições muçulmanas, assim promovendo a inclusão e acolhimento dos seguidores do islamismo, o turismo halal faz o destino se tornar mais atrativo para essa comunidade.
“É importante estarmos atentos às demandas deste mercado, pois isso ratifica a imagem do Brasil perante o mundo como um país tolerante e inclusivo, que respeita a diversidade cultural e religiosa de diferentes povos e nações”, reitera Freixo.
Apesar de o fluxo de turistas muçulmanos no Brasil ainda não ser tão expressivo, o presidente da Embratur defende o potencial desse mercado com base na expressividade da população muçulmana, estimada em 1,9 bilhão, correspondendo a cerca de 24,5% da população mundial.
Para Tamer Mansour, “ampliar as opções de hotelaria halal e desenvolver atrações nos destinos pensadas para incluir também o viajante muçulmano são os primeiros passos”.
O CEO e secretário-geral da Câmara Árabe avalia que o Brasil pode ser convertido em um destino halal, já que há muitos atrativos para os turistas muçulmanos no país.
“Existem bons receptivos no país, capazes de receber turistas extremamente exigentes, como os sauditas, que buscam turismo de luxo na Europa e na Ásia, mas ainda não consideram o Brasil entre suas opções de viagem”, explica o executivo.
Além disso, a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira chama atenção para outros tópicos importantes para os quais o setor de turismo — especialmente o hoteleiro — deve se atentar para acolher os muçulmanos:
- Hotéis devem preparar quartos familiares espaçosos para receber famílias possivelmente numerosas;
- Banheiros devem ter louças adaptadas para as abluções rituais de pés e braços, além de estarem adaptados para garantir total privacidade do turista;
- Oferecer refeições em horários noturnos durante o Ramadã, respeitando o jejum antes do sol se pôr;
- Presença de um Alcorão, tapetes de oração e setas apontando para Meca nos quartos;
- Treinamento dos funcionários em particularidades da cultura islâmica.
Para assegurar práticas halal como essas, a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras) — que atua há 40 anos como um organismo de Certificação Halal — criou um protocolo de certificação para hotéis e os auxilia a aplicar boas práticas inspiradas em redes hoteleiras renomadas de países muçulmano.
Marcelo Freixo indica que 90% dos frigoríficos brasileiros já estão no caminho da certificação da Fambras. O presidente da Embratur reforça que a qualificação desses serviços ligados ao turismo é fundamental para atender a demanda desse mercado.
“A difusão, em nossa cadeia de serviços turísticos, do conceito halal e das bases dessa prática são importantes para os que não conhecem ou não fazem parte dessa cultura”, pontua Freixo.
O que já está sendo feito?
Foz do Iguaçu (PR) detém a segunda maior comunidade árabe do Brasil, com quase 10% da população possuindo descendência.
Desde 2021, hotéis, restaurantes e outros estabelecimentos do setor de serviços ligados ao turismo local recebem capacitação em serviços halal.
Tamer Mansour informou à CNN que a Câmara Árabe tem voltado seus investimentos para os pontos turísticos mais visitados pelos muçulmanos, como a cidade paranaense.
“Foz do Iguaçu [está] claramente na rota de viajantes muçulmanos pelo atrativo das Cataratas e pela comunidade islâmica da tríplice-fronteira”, observa Mansour.
“Mas também São Paulo, que recebe anualmente um contingente expressivo de viajantes muçulmanos a negócios na cidade”, complementa o executivo.
Tendo em vista o amplo poder de compra do turista muçulmano e o potencial de investimento nos serviços locais, Mansour explica que há um esforço pelo desenvolvimento do turismo halal no Brasil por meio da difusão de ideias e políticas públicas.
“Por hora, temos em curso ações institucionais que permitem a troca de conhecimento e experiências entre os agentes desse mercado”, diz o secretário-geral da CCAB.
“Temos [também] com a Embratur um memorando de entendimento por meio do qual estamos colaborando com a empresa pública no desenvolvimento de estratégias de desenvolvimento do turismo halal no Brasil”, conta.
De acordo com a pesquisa Global Muslim Travel Index (Índice de Turismo Muçulmano Global, em tradução livre) realizada em 2019, turistas muçulmanos gastaram cerca de US$ 194 bilhões em viagens feitas no ano de 2018 (cerca de R$ 700 bilhões na cotação da época).
A pesquisa ainda estima que os gastos desse grupo durante visitas internacionais podem chegar a US$ 300 bilhões (R$ 1,519 trilhão) até 2026.
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*Sob supervisão de Ana Carolina Nunes e Gabriel Bosa