Pedido de proibição, “caça às bruxas”: os principais pontos do 1º dia de julgamento de Trump por fraude
Ex-presidente afirma que processo tem como objetivo prejudicar a campanha eleitoral para a Presidência dos EUA
O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump compareceu nesta segunda-feira (2) a um tribunal de Manhattan para o primeiro dia de julgamento do processo civil contra ele e as Organizações Trump por possível fraude fiscal. O empresário atacou o juiz do caso e a procuradora-geral de Nova York em todos os momentos possíveis.
A ida de Trump transformou o tribunal em uma extensão de sua campanha eleitoral, sendo que criticou as quatro acusações criminais existentes contra ele, e, agora, o processo civil em questão.
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Na semana passada, o juiz Arthur Engoron decidiu que Donald Trump e os outros réus são responsáveis por fraude.
Dentro do tribunal, os advogados do ex-presidente também discutiram com o juiz quando as declarações iniciais começaram, um sinal de que provavelmente adotarão uma abordagem combativa. A estimativa de Engoron é que o julgamento dure até dezembro.
Aqui está o que você deve saber do primeiro dia do julgamento de Trump.
Trump transforma ida ao tribunal em parte da campanha
A chegada de Donald Trump ao tribunal no centro de Manhattan na manhã desta segunda-feira transformou o evento em um espetáculo criado por ele mesmo.
Mesmo não sendo obrigado a comparecer, o ex-presidente aproveitou a oportunidade para reforçar sua campanha presidencial.
O caso da procuradora-geral de Nova York é civil, não criminal, mas ameaça os seus negócios na cidade. A ida à corte indica que Trump vê a ação com tanta urgência como os outros casos contra ele tem em outros tribunais estaduais e federais.
Diante das câmeras e em sua rede social, o ex-presidente atacou a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, por abrir o processo contra ele. Ele também atacou o juiz pela decisão na semana passada, e procurou vinculá-los às acusações criminais feitas pelo procurador especial Jack Smith, embora os casos não tenham ligação.
“Isso tem a ver com interferência eleitoral, pura e simplesmente. Eles estão tentando me prejudicar, para não me saia tão bem quanto estou nas eleições”, disse o empresário antes de entrar no tribunal.
Quando saiu da sala do tribunal para o intervalo do almoço, Trump se voltou às câmeras no corredor duas vezes para protestar contra o que tinha ouvido. Ele atacou o juiz, chamando-o de “agente”, e afirmou que ele deveria ser expulso por decidir contra ele.
Questionado sobre por que compareceu à corte, Trump voltou a repetir um refrão familiar: “Porque eu mesmo quero assistir essa caça às bruxas”.
A aparição também o colocou cara a cara com James, que estava sentada no tribunal. Quando entrou pela primeira vez no local, Trump evitou contato visual com a procuradora-geral de Nova York, embora tenha olhado na direção dela ao sair para almoçar.
No final do dia, o ex-presidente dos EUA queixou-se de ter sido afastado da campanha nesta segunda-feira – apesar de ter ido para lá voluntariamente e, claro, ter recebido cobertura da imprensa.
“Passei o dia todo sentado em tribunal, em vez de estar em Iowa, New Hampshire, Carolina do Sul ou em muitos outros lugares onde poderia estar”, reclamou.
Procuradoria-geral pede proibição de negócios de Trump em Nova York
A procuradoria-geral deixou claro nesta segunda-feira que planeja ir até as últimas consequências.
Kevin Wallace, advogado da procuradoria, pediu ao juiz durante sua declaração inicial que proíba Trump – que ascendeu à fama e ao poder ao longo de 50 anos com um império imobiliário – de fazer negócios em Nova York.
Wallace alegou que o empresário e os outros réus conspiraram para cometer fraudes persistentes e repetidas e que os relatórios contábeis de Trump convenceram os bancos a assumir riscos ocultos “no valor de centenas de milhões de dólares”.
“Embora possa ser algo mascarar números para a revista Forbes, você não pode fazer isso enquanto conduz negócios no estado de Nova York”, disse Wallace.
A declaração inicial indicou o risco que o caso representa para Trump e para a Organização Trump, o negócio do ex-presidente na cidade, onde ele construiu seu nome e imagem antes de lançar a campanha política que o levou à Casa Branca em 2016.
Letitia James abriu o processo de US$ 250 milhões em setembro passado, alegando que Trump e os outros réus cometeram fraude ao inflacionar ativos nos relatórios contábeis para obter melhores condições em empréstimos imobiliários comerciais e apólices de seguro.
Na semana passada, Engoron decidiu que os envolvidos são responsáveis por fraude “persistente e repetida”.
Assim, Trump e as suas empresas poderão ser forçados a pagar valores altos em indenizações pelos lucros que supostamente obtiveram através das suas práticas comerciais fraudulentas.
No julgamento iniciado nesta segunda (2), Engoron irá considerar quanto os Trump e as suas empresas terão de pagar, e se poderão ser proibidos de se envolverem em transações imobiliárias comerciais em Nova York ou de contraírem empréstimos junto de bancos nova-iorquinos.
O gabinete da procuradora-geral pretende provar no julgamento seis alegações adicionais, incluindo falsificação de registos comerciais, emissão de relatórios contábeis falsos e fraude em seguros.
Advogados de Trump alegam que “isso é o que acontece todos os dias nesta cidade”
Com o ex-presidente observando, os advogados de Trump argumentaram que o caso era falho, destacando que as diferenças nas avaliações eram apenas parte do negócio imobiliário comercial.
Christopher Kise, um dos representantes do ex-presidente, argumentou que não houve intenção de fraudar e “não houve vítimas” no caso.
Kise falou sobre documentos do Deutsche Bank que mostram que o banco avaliou o patrimônio líquido de Trump em US$ 2 bilhões menos do que ele – mas ainda assim aceitaram o empréstimo para Trump.
“Eles estavam ansiosos. Isso é o que acontece todos os dias nesta cidade”, destacou.
Ourtra advogada de Trump, Alina Habba, também falou durante os argumentos iniciais, atacando a decisão do juiz da semana passada que avaliou a residência Mar-a-Lago em US$ 18 milhões. A propriesdade valeria ao menos US$ 1 bilhão, afirmou Habba.
“O valor é o que alguém está disposto a pagar. As propriedades de Trump são propriedades da Mona Lisa”, acrescentou ela. “Isso não é fraude, isso é o mercado imobiliário”, pontuou.
O juiz disse nesta segunda-feira (2) que sua decisão não avaliou especificamente Mar-a-Lago em US$ 18 milhões, mas estava citando registros fiscais de Palm Beach.
Juiz discute com advogados de Trump
Depois que Alina Habba terminou sua declaração inicial, em que atacou a procuradora-geral Letitia James por fazer campanha para “pegar Trump”, o juiz Arthur Engoron reagiu contra a advogado de Trump.
O magistrado destacou que a equipe de defesa já havia tentado encerrar o caso alegando que James o teria apresentado como uma “caça às bruxas” contra Trump.
Entretanto, o recurso já havia sido negado, disse Engoron, e sua decisão foi confirmada por um tribunal de apelação de Nova York.
“Então as motivações da Sra. James não estão mais em questão neste caso, não é?”, questionou Engoron.
O juiz também discutiu com Habba sobre isenção de responsabilidade contábil para a Mazars, a antiga firma de contabilidade de Trump. Segundo Engoron, a isenção de responsabilidade dizia essencialmente: “Estamos acreditando na Organização Trump.
“É assim que eu li”, apontou o juiz.
Habba negou, argumentando que a Organização Trump dependia da Mazars e que “eles são os contadores”. Trump observou atentamente as idas e vindas entre Habba e Engoron.
Mais tarde, Kise argumentou que o problema com o juiz que emite o julgamento sumário é que “você não ouviu as provas.
“Você deve aos réus ouvir as evidências. Temos que pelo menos dar a essas testemunhas a oportunidade de depor”, ressaltou.
Kise e Engoron debateram se o depoimento de um especialista em avaliações no julgamento seria considerado prova.
“Pretendo ser muito paciente e liberal ao ouvir as coisas”, ponderou o juz ao advogado.
As discussões indicaram a forma como o próximo julgamento será contestado, especialmente sendo um caso em que um juiz, e não um júri, decidirá o resultado.
Prazo de prescrição de provas será um debate contínuo
Perto do final desta segunda, Engoron questionou se os longos depoimentos de testemunhas sobre documentos financeiros de 2011 eram uma “perda de tempo”, devido ao prazo de prescrição aplicável ao caso limitar os fatos a 2014.
A questão é algo a ser observado no futuro, já que Trump e seus advogados dizem que podem descartar a maior parte do caso por prescrição.
O juiz estava respondendo ao depoimento do ex-contador da Mazars, Donald Bender, sobre os documentos financeiros de 2011, reconhecendo que um tribunal de apelação de Nova York decidiu que o estatuto de limitações só permitia que alegações de 2014 em diante fossem aplicadas ao caso.
“Acredito que vocês possam relacionar os documentos de 2011 com algo que aconteceu depois, ou tudo isso foi uma perda de tempo”, resssaltou Engoron aos advogados da procuradoria-geral.
A defesa concordou com a afirmação de Engoron – o que levou Trump a dar um sinal positivo.
O comentário do juiz marcou uma pequena vitória para Trump, porque o magistrado reconheceu o prazo de prescrição que havia sido decidido pelo tribunal de apelações, embora o juiz também tenha reconhecido a limitação de tempo em sua ordem da semana passada.
Ao mesmo tempo, ele permitiu o depoimento de testemunhas sobre os documentos financeiros de 2011 nesta segunda-feira, apesar da objeção dos advogados de Trump, já que o gabinete da procuradora-geral indicou que ligaria o depoimento a alegações que se enquadram no prazo de prescrição – embora isso não tenha acontecido neste primeiro dia de julgamento.
Bender retornará para um segundo dia de depoimento nesta terça-feira (3).
Ainda assim, os comentários do juiz levaram Trump a elogiar Engoron depois que ele o atacou no início do dia.
“Os últimos cinco minutos foram excelentes, porque o juiz essencialmente admitiu que o estatuto de limitações, que ganhamos no tribunal de apelações, está em vigor. Portanto, cerca de 80% do caso acabou”, disse Trump.
A maior parte da suposta fraude diz respeito a transações anteriores a 2014, mas Engoron decidiu na semana passada que os relatórios contábeis apresentadas após 2014 ainda são relevantes, independentemente de quando o empréstimo original foi transacionado.
Os comentários feitos nesta segunda-feira sobre evidências admissíveis não indicam que ele mudará essa decisão.
Julgamento vai durar muito tempo – e vai atrapalhar financeiramente
Dando início ao julgamento na manhã desta segunda-feira, Engoron confirmou que espera que o julgamento dure mais de dois meses – até 22 de dezembro, sexta-feira antes do Natal.
Essa análise também irá abordar questões financeiras, à medida que o gabinete da procuradora-geral de Nova York e os advogados de Trump debatem relatórios contábeis, práticas contabilísticas e avaliações de propriedades.
A declaração incial de Kevin Wallace para a procuradora-geral fazia referência a declarações de situação financeira e reproduzia clipes de depoimentos dos filhos de Trump, Eric Trump e Donald Trump Jr., enquanto abordava os “GAAP”, os Princípios Contábeis Geralmente Aceitos — padrão aceito por empresas com sede nos EUA.
Embora se espere que Donald Trump e seus filhos sejam chamados como testemunhas no julgamento, grande parte da análise se concentrará nos detalhes da contabilidade que está no cerne do caso da procuradora-geral que agora ameaça os negócios de Trump.
*Lauren del Valle e Aaron Cooper da CNN contribuíram para esta reportagem