Startups estreiam com brilho na bolsa; desafio é continuar encantando investidor
As jovens companhias estão se arriscando mais na busca por investimentos, e os investidores têm sido receptivos, mas desde que elas continuem crescendo
Se dissessem cinco anos atrás que a startup mineira de cashback (e agora de pagamentos) Méliuz abriria capital e suas ações subiriam mais de 200% em apenas três meses, muita gente — ou todo o mercado — duvidaria. Pois foi exatamente isso que aconteceu. E não se trata de um movimento isolado.
Apenas quatro dias depois da oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da Méliuz, foi a vez do marketplace de produtos usados Enjoei estrear na bolsa e, de lá para cá, os seus papéis vêm esbanjando valorização. Na mesma toada, a loja de móveis Mobly abriu capital no último dia 5 e, em seu primeiro pregão, avançou 25%.
A entrada de companhias jovens na bolsa mostra, por um lado, que elas estão buscando alternativas para se capitalizar e crescer e, por outro, que os investidores têm recebido bem as ofertas — até porque o número de empresas de tecnologia ainda é pequeno na B3 em comparação com o mercado americano, por exemplo. Mas ainda há desafios para que startups façam IPO com mais frequência.
Tanto é que a Wine, clube de assinatura de vinhos, e a Housi, de aluguel de imóveis, protocolaram o pedido de abertura de capital junto à CVM em 2020, mas decidiram adiar a operação.
Apesar do cenário difícil na economia, 2020 promoveu uma série de oportunidades no mercado financeiro. Com liquidez altíssima e taxas de juros em patamares historicamente baixos, investidores migraram para modalidades de investimento que não a renda fixa.
“O mercado local está começando a entender melhor essas empresas”, diz Manoel Lemos, sócio da Redpoint eventures. “Não necessariamente estão dando lucro, mas agregam muito valor. Méliuz, Enjoei e até Locaweb são exemplos disso. Há três anos atrás elas não teriam feito IPO.”
Bolsa tech
Antes de abrir capital, qualquer empresa precisa arrumar a casa. Isso significa implementar governança corporativa e ter uma área de relação com os investidores estruturada.
A vantagem das startups é que a preparação para a listagem na bolsa começa muitos anos antes, quando recebem os primeiros aportes de investidores e fundos de investimento.
“Os fundos de venture capital [que investem em startups] querem que o negócio escale rapidamente”, diz Fernando Escobar, sócio da Peers Consulting, especializada em IPOs e M&As. “Algumas empresas precisam criar este evento de liquidez para que os seus investidores iniciais consigam realizar lucros e diminuir riscos. Um fundo que investiu em uma companhia lá atrás, há oito, dez anos, pode apoiar o movimento para colher resultados ou diminuir prejuízos.”
A etapa seguinte no processo de IPO — depois dos trâmites regulatórios — são os encontros com bancos e investidores institucionais. Durante as visitas, a empresa apresenta números, indica as expectativas para o setor e detalha em que deve usar o dinheiro que pretende captar.
“Foi um grande processo de aprendizagem, porque fomos construindo esse caminho sem grandes referências”, disse Tiê Lima, CEO do enjoei, em entrevista ao CNN Brasil Business. “Até poderíamos fazer novas rodadas privadas de captação, mas queremos que o investidor aposte no futuro da companhia e ganhe prêmios com o nosso crescimento.”
Israel Salmen, CEO da Méliuz, conta que ficou positivamente surpreso com as interações e diz que os analistas também haviam se preparado para entender mais profundamente os negócios das companhias. “Foi um sentimento incrível”, resume.
“Para outras empresas com planos parecidos, é bom porque mostra que é possível, que estamos conseguindo quebrar paradigmas. Sabemos que há muitos projetos com times alinhados e cultura forte, por isso acreditamos que o movimento vai crescer muito nos próximos 10 anos.”
Crescimento e concorrência
Mas, se entrar na bolsa não é fácil, crescer, gerar lucro e ainda dar retorno para os acionistas é ainda mais complexo. Twitter, Uber, Spotify e DoorDash são apenas alguns exemplos de companhias que vivenciam esse desafio trimestre após trimestre.
A vantagem é que, em muitos casos, os investidores são pacientes. Eles entendem que na fase de crescimento a empresa precisa “queimar caixa” para conseguir escalar o negócio como um todo. Foi assim com a Amazon durante os seus primeiros 10 anos na bolsa americana.
No caso do Méliuz, que já possui lucros operacionais, a expansão tem vindo através do mercado de pagamentos. Em parceria com o Banco PAN, a marca oferece um cartão de crédito sem anuidade e com até 1,8% de cashback em cada compra feita online (até 0,8% em compras regulares e mais 1% em lojas parceiras da marca). Já foram solicitados mais de 3 milhões de cartões desde o lançamento do produto, no final de 2019.
O Enjoei também vem trabalhando uma outra fonte de receita: sua carteira digital. O enjuBANK, como é chamado, permite que o usuário receba pagamentos e mantenha dinheiro em conta para ser utilizado em compras no site ou para ser sacado. Uma taxa de R$ 1,50 é cobrada para cada saque abaixo de R$ 200; a manutenção da conta custa R$ 9,99 mensais.
“O nosso motor é flex. O que buscamos inicialmente é aumentar nosso inventário e, consequentemente, nossa liquidez”, diz Lima. “Mas, hoje em dia, todo mundo tem sua wallet, e nós também temos nossa moeda própria. Se conseguirmos incluir isso no nosso business, envolvendo também as empresas parceiras, ótimo.”
Escobar, da Peers, diz que no pós-IPO o nível de exigência do mercado é muito maior. E isso pode, em alguns casos, engessar a sua capacidade de inovar e experimentar — que foi exatamente o que levou a startup à bolsa em um primeiro momento — se os resultados ficarem aquém das expectativas.
Ter que mostrar fôlego para crescer desde o primeiro ano é a maior barreira. Afinal, a empresa crescia dois dígitos, e o mercado espera que isso continue acontecendo. Se esse não for o caso, qualquer grande empresa como Petrobras poderá pagar dividendos muito maiores ao investidor.
Escobar, da Peers