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    Brasileiro lidera projeto de produção de aço com ‘emissão zero’ de CO2

    Startup chamou atenção de Bill Gates e foi elogiada por secretário dos EUA; processo substitui altos-fornos por eletricidade na indústria siderúrgica

    Roberto Lameirinhas, colaboração para a CNN

     É altamente improvável que alguém reinvente a roda. Mas isso não impediu que trens que se deslocam levitando sobre trilhos já sejam uma realidade. De forma análoga, há mais de 3.000 anos a Humanidade descobriu como utilizar o fogo para converter em metal substâncias que compõem a rocha – um processo que parecia imutável em termos de desenvolvimento técnico. Parecia.

    Um brasileiro radicado nos EUA está à frente de um projeto que pretende substituir o uso de fornos para a produção de aço por eletricidade. Engenheiro metalúrgico formado pela Universidade de São Paulo e ex-CEO da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), Tadeu Carneiro, 61 anos e 40 de profissão, decidiu adiar a aposentadoria para assumir a presidência da Boston Metal – uma startup dedicada a promover a fabricação do “aço verde”, reduzindo o potencial poluidor de uma atividade responsável, sozinha, por 8% da emissão global de gás carbônico na atmosfera.

    O processo é conhecido como MOE – Molten Oxide Electrolysis, ou eletrólise de óxido fundido –, que consiste no uso da eletricidade para a transformação de metais. O conceito já existe há tempos e é a base da fabricação do alumínio. E, a partir dessa técnica, desenvolve-se a tecnologia para a produção de outros metais, como o aço, um dos principais insumos da indústria em todo o mundo.  

     “Uma startup de Massachusetts chamada Boston Metal (…) tem sido pioneira em um novo processo que pode produzir aço e outros metais de forma mais eficiente e com custos mais baixos, ao mesmo tempo que produz menos poluição”, declarou, sobre o projeto conduzido por Carneiro, o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, durante a Cúpula do Clima, que contou com a participação de 40 líderes mundiais em abril. 

    “O CEO da empresa, um imigrante brasileiro, viu um mercado inexplorado, no qual a Boston Metal está fazendo parcerias com a indústria para substituir formas antigas e sujas de fazer aço. Esta empresa está criando empregos de qualidade e com bons salários nos EUA. O aço é uma indústria global de US$ 2,5 trilhões e muitos dos produtores mundiais precisarão dar um salto semelhante. Os EUA precisam ajudá-los a fazer isso”, completou o secretário de Estado.

    Carneiro afirma que o elogio público feito por Blinken foi o reconhecimento dos esforços de sua equipe para reduzir a emissão de CO2. “Em 2017, éramos apenas oito  pessoas com o objetivo de tornar viável o projeto de produzir aço de um modo menos prejudicial em termos ambientais”, explica o CEO da empresa. “Graças ao anseio da economia global de desenvolver processos de produção mais sustentáveis, atraímos a atenção de investidores e temos hoje a parceria de dez grandes sócios, entre os quais o Breakthrough Energy Ventures, de Bill Gates, o Oil and Gas Climate Initiative (OGCI), o Fidelity, gestor de fundos de investimentos, a Vale-BHP, a BMW, e a Piva, fundo criado pela companhia saudita Petronas”, afirma.

    “A ideia por trás desse volume de investimento é a de que, sim, o empreendimento precisa dar retorno financeiro, mas não de forma imediatista, antes de se consolidar como solução de produção econômica e ambientalmente segura”, declara Carneiro.

    O processo de fabricação de “aço verde” ganhou corpo nos laboratórios do Massachusetts Institute of Technology, o MIT, um dos principais centros de excelência tecnológica do planeta, do qual Carneiro é professor convidado. “Meus colegas dos MIT já desenvolviam o processo de produção em escala de laboratório desde 2012”, explica. 

    Tadeu Carneiro
    Tadeu Carneiro, CEO da Boston Metal
    Foto: Divulgação

     

    “Quando deixei a presidência da CBMM, em 2016, estava pronto para me aposentar, mas o desafio de tirar o projeto do aço verde do laboratório para a produção comercial me pareceu irrecusável. Eu não queria que o projeto repetisse o destino de muitas ideias sustentáveis que surgem nos meios acadêmicos, mas não chegam a ser consideradas viáveis antes de várias décadas”, lembra Carneiro. No caso da Boston Metal, a meta é começar a instalar a primeira célula industrial em 2023 e operar em escala comercial já em 2025, ele acrescenta.

    Gargalos e desafios

    Mas, se o processo tradicional de produção de aço tem seu principal vilão na liberação do carbono, o método desenvolvido pelo grupo do MIT encontra um gargalo na brutal quantidade de energia elétrica necessária para a transformação do minério em aço. 

    De acordo com Carneiro, para uma produção energeticamente eficiente, são necessários hoje 5.500 quilowatts/hora para a fabricação de uma tonelada de aço. A meta é desenvolver o sistema para que esse consumo chegue a 4 mil quilowatts/hora.

    Para que o aço resultante do processo seja efetivamente “verde”, é necessário que a energia venha de fonte “limpa”– hidrelétrica, solar ou eólica. Hoje, a energia proveniente de hidrelétricas já é usada em escala industrial. Mas Carneiro ambiciona que a solar seja a principal modalidade de energia usada no processo que desenvolve.

    “O trabalho (da Boston Metal) é desafiador e envolve muita pesquisa e engenharia”, afirma o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Cyro Takano – titular sênior do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais. “Mas considero que há pontos críticos. Por exemplo: será mantida a temperatura de processo acima de 1.600° C? E qual o efeito da ganga (impurezas do minério) no processo e na contaminação do ferro?”, questiona o professor.

    Ex-aluno de Takano, Carneiro diz que as dúvidas técnicas são pertinentes, mas que as soluções já foram contempladas pelo projeto e a equipe de desenvolvimento segue trabalhando para aprimorar os resultados. “De uma forma simplificada, a temperatura do processo é mantida pela própria passagem da corrente elétrica na célula eletrolítica.”

    “Os elétrons (da eletricidade usada no processo) servem a dois propósitos”, prossegue Carneiro. “O primeiro é o de quebrar as ligações químicas do óxido de ferro – que é o óxido menos estável da mistura. O outro propósito é o de aquecer toda a mistura acima de 1.600° C. Da mesma maneira que você aquece um fio com a passagem de corrente elétrica para obter luz, ou calor, no caso de um chuveiro elétrico. A passagem da eletricidade na célula faz com que todo o sistema se aqueça”, explica o engenheiro. “Sobre a ganga contaminar o ferro obtido, vai depender de cada minério e das impurezas contidas nele. Mas a maior parte da ganga é composta de óxidos mais estáveis do que o óxido de ferro. Portanto, não haverá contaminação”, afirma.   

    Carneiro aponta que o método de produção por eletrólise traz ainda duas vantagens significativas para a indústria da siderurgia. A primeira é que ela permite a fabricação de um produto de qualidade superior, mesmo com a utilização de um minério considerado naturalmente menos rico – uma vez que o processo mostra mais eficiência na eliminação de impurezas. A segunda vantagem diz respeito à customização do volume de produção: para que seja industrial e economicamente viável, a fabricação de aço em altos-fornos envolve enormes quantidades de matéria-prima, ao passo que o beneficiamento por eletrólise pode ser submetido à adequação da demanda.

    “O ‘aço verde’ desenvolvido pela equipe do MIT é tudo o que os ambientalistas clássicos e não radicais têm lutado para conseguir nas últimas décadas”, afirma o editor da revista especializada “Ecológico” e ex-secretário de meio ambiente da prefeitura de Belo Horizonte, Hiram Firmino. “Do mesmo modo que a tecnologia humana causou a degradação ambiental, ela mesma será fundamental na recuperação do ambiente pela simples razão de que o próprio capitalismo descobriu que esta é uma atividade lucrativa.”

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