A dura missão dos helicópteros usados para conter a radiação em Chernobyl
Pilotos da antiga URSS realizaram a perigosa tarefa; foram necessários mais de 4.000 sobrevoos até o incêndio ser controlado
Há 35 anos, na madrugada do dia 26 de abril de 1986, o reator número 4 da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, explodiu após um teste de segurança que saiu do controle, iniciando um incêndio feroz e um vazamento de radiação sem precedentes. Era preciso controlar a situação rapidamente, caso contrário os outros três reatores da central também poderiam ter o mesmo fim.
Momentos após a explosão, todos os bombeiros da região foram chamados para atender a ocorrência. Sem trajes adequados, esses trabalhadores iniciaram o combate ao incêndio sem saber que estavam expostos a níveis altíssimos de radiação. Os que tinham conhecimento do perigo eram ordenados a permanecerem em silêncio ou omitir dados. Nessa época, a Ucrânia era uma das repúblicas socialistas da antiga União Soviética, que governava seus territórios com mão de ferro.
A despeito de todo trabalho dos bombeiros, nenhum esforço parecia ser efetivo. Cerca de 36 horas após a explosão, tomou-se a decisão de empregar helicópteros no combate ao incêndio, opção sugerida por Valery Legasov, vice-diretor do Instituto de Energia Nuclear de Kurchatov. As aeronaves deveriam sobrevoar o reator exposto e despejar uma mistura de areia, argila, boro e chumbo, a fim de apagar o fogo e neutralizar a radiação.
Ao mesmo tempo em que centenas de helicópteros eram deslocados para a região contaminada, milhares de habitantes de Chernobyl e outras cidades ao redor eram totalmente evacuados. Estava criada a “zona de exclusão”, onde só era permitida a entrada dos “liquidadores”, como ficariam conhecidos os mais de 600 mil soviéticos que trabalharam nas ações de contenção na usina nuclear.
Para os pilotos dos helicópteros, entre eles civis e oficiais das Forças Armadas da URSS, começava uma das operações mais arriscadas e esforçadas da história da aviação.
Tapando o buraco a conta-gotas
Durante a crise em Chernobyl, os soviéticos empregaram diversos tipos de helicópteros. Os mais utilizados foram os modelos Mi-8 e Mi-26, este o maior helicóptero do mundo e que teve uma importância fundamental na ação.
A missão desses gigantes com asas rotativas era extremamente arriscada. Os pilotos conduziam as aeronaves em meio ao ar contaminado para derramar o material de contenção sobre o reator que ainda pegava fogo.
As camadas de boro absorviam os nêutrons do vazamento nuclear, e o chumbo continha o fluxo radioativo, enquanto a areia e a argila serviam para extinguir as chamas e preencher as rachaduras no reator. Auxiliados por controladores em terra, os pilotos deveriam voar a poucos metros do núcleo exposto do reator e lançar os materiais de contenção.
Como se não bastasse o risco de voar em meio à radiação, o trabalho dos helicópteros era muito lento, realizado a “conta-gotas”. Cada helicóptero Mi-26 podia despejar somente 3.000 kg do material sobre o reator a cada sobrevoo. Esses aparelhos podiam transportar quantidades maiores (até 20 toneladas), mas lançá-las de uma vez poderia fazer a usina inteira ceder com o impacto e afetar os outros reatores da usina.
Nos primeiros dias, as ações eram realizadas da seguinte forma: os helicópteros se aproximavam do vazamento, abriam as portas laterais (deixando todos os tripulantes ainda mais expostos) e lançavam manualmente sacos com o material de contenção. Mais adiante, devido ao alto risco de contaminação, as aeronaves passaram a carregar a carga em suportes externos.
O Mi-8 não podia lançar as cargas parado, pois não tinha potência suficiente para pairar com tanto peso. Por isso, tinha de fazê-lo em movimento, o que reduzia drasticamente a precisão dos lançamentos. O Mi-26, por outro lado, conseguia pairar sobre o vazamento e lançar o material com maior precisão, mas isso aumentava o tempo em que os tripulantes ficavam expostos à radiação.
Foram necessários mais de 4.000 sobrevoos até o incêndio ser controlado, o que aconteceu somente em 10 de maio de 1986. Nesse período, os helicópteros lançaram mais de 5.000 toneladas métricas da mistura química sobre o reator.
Sem proteção suficiente
Imagens da época são, no mínimo, pertubadoras. Pilotos voavam pela área radioativa vestindo apenas máscaras no rosto e nenhum traje específico para proteção contra a radiação. O calor era tanto que alguns aviadores comandavam as aeronaves vestindo apenas calças. Soluções foram pensadas somente mais adiante, quando alguns helicópteros receberam chapas de chumbo protetoras.
Esses mesmos helicópteros também foram utilizados para despejar agentes de contenção ao redor de toda a cidade, criando uma espécie de “escudo” para impedir o avanço da radiação pelo solo.
Segundo relatos da época, essas aeronaves ficavam tão contaminadas que, quando pousavam em campos abertos, a grama ao redor amarelava em poucas horas. As tripulações tinham permissão para voar sobre Chernobyl somente por três dias, caso contrário poderiam adoecer rapidamente.
Ao retornar de cada voo, os helicópteros eram lavados. Mas isso não era o suficiente. Grandes quantidades de detritos radioativos eram sugados pelos motores, e tentar limpá-los era ainda mais perigoso. Por isso, todas as aeronaves utilizadas nesses operações foram abandonadas na região, junto com centenas de outros veículos.
Durante a ação, um Mi-8 foi perdido. O helicóptero colidiu com os cabos de aço de um guindaste próximo à usina e caiu ao lado do reator danificado, matando os quatro tripulantes.
No fim de maio daquele ano, o nível de radiação atingiu um patamar mais seguro (embora ainda fosse perigoso), o que permitiu aos soviéticos iniciarem ações mais intensivas por terra. Não fosse pela coragem e o sacrifícios desses pilotos de helicópteros, a radiação lançada da usina nuclear de Chernobyl poderia ter se espalhado por toda a Europa e parte da Ásia.