Anitta cometeu assédio moral? O que a série ‘Made in Honório’ ensina a gestores
'Anitta precisa aprender com Beyonce', propôs estagiária de Gente e Gestão da Ambev Julia Santos em seu Linkedin
Desde que foi lançada pela Netflix, a série “Anitta, Made in Honório” tem dado o que falar. Entre os assuntos que permeiam o documentário, um debate sobre abuso moral no trabalho, gestão de equipe e estilo de liderança surgiu nas redes sociais depois que alguns trechos em que a cantora grita ao telefone, profere palavras de baixo calão e se irrita com membros da equipe começaram a circular.
A um fã, que perguntou pelo Instagram se a cena era ‘fake’, Anitta respondeu: “Infelizmente é real. Eu falei que na série eu mostraria qualidades e defeitos. Mas nessa cena não são funcionários meus, são meus sócios. São as únicas pessoas que eu tenho para sair de mim, para extravasar. São meus sócios há mais de sete anos.”
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Seja com sócios ou funcionários, a postura da artista na cena em questão pode, sim, configurar assédio moral, explica Luciana Slosbergas, advogada trabalhista do escritório Filhorini Advogados Associados. O ponto chave está na recorrência.
“O assédio moral se configura quando há atitudes reiteradas de pessoas em uma posição hierárquica superior de humilhação e pressão. É um comportamento repetitivo de uso de palavras impróprias e tom agressivo. Às vezes, a pessoa ‘explodir’ em uma reunião, com um grupo de pessoas, não caracteriza assédio moral. É preciso que seja reincidente”, diz.
Ela também explica que, nos casos mais comuns de assédio moral no local de trabalho, a vítima desenvolve algum tipo de distúrbio, síndrome e, frequentemente, depressão. O quadro psíquico das vítimas pode, inclusive, ser usado como prova num processo judicial.
“Fica claro que não é um mero aborrecimento. Geralmente, a pessoa começa a desenvolver sintomas de pânico, perde a vontade de trabalhar, fica apática”, conta a advogada. Mas, então, o que um funcionário que passa por uma situação tão grave quanto essa pode fazer?
No caso de grandes empresas, a advogada recomenda procurar canais como ouvidoria, compliance e o próprio RH. E se isso não resolver, acionar a questão judicialmente. Na opinião dela, o ideal, financeiramente e praticamente falando, é que o assunto se resolva dentro da própria companhia.
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Mas num caso como o de Anitta, que se dá no meio artístico — em que as relações de poder não são tão bem estabelecidas, como frisa a advogada — e quem comete o excesso está no topo da pirâmide, fica mais difícil resolver o problema, explica Paulo Sardinha, presidente da ABRH Brasil.
“O assédio ganha um vulto personalíssimo no caso de Anitta ou como era famoso o Steve Jobs, por ser temido entre seus funcionários. Nestes casos, estamos falando do dono do empreendimento, o empregado não tem um escalão mais alto pra recorrer”, diz Sardinha. “Aí, entra a figura jurídica.”
O presidente lembra que nem sempre é fácil o funcionário sair de uma condição como essa. “Muitas pessoas se submetem àquilo por algum motivo: precisam do emprego, encaram como uma oportunidade, estão construindo um grande currículo. Até motivos de ambição pessoal”, conta.
‘Anitta precisa aprender com Beyoncé’
Assédio moral ou não, a cena em que Anitta perde a paciência levantou a discussão sobre modelos de gestão. Sardinha explica que, assim como a cantora, muitos líderes corporativos insistem em manter controle sobre os processos produtivos, de forma centralizadora.
“Tanto Steve Jobs, quanto Anitta, inegavelmente atingiram um sucesso completamente fora da curva. Isso mostra a capacidade de empreender, de forma centralizada. Mas a grande questão é: qual o custo humano disso? Não seria possível atingir o mesmo resultado ou até melhores, com outra postura?”
Foi isso que questionou a estudante de RH e estagiária de Gente e Gestão na Ambev Julia Santos, que conseguiu engajar cerca de 10 mil pessoas, entre likes e comentários, com seu post mais recente no Linkedin. “Anitta precisa aprender com Beyoncé” foi o título que deu para sua análise de dois modelos de gestão.
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Em entrevista ao CNN Brasil Business, ela deixa claro que não está fazendo um juízo de valor das duas artistas — das quais é uma fã —, mas, sim, usando dois exemplos do mundo artístico para explicar conceitos de Idalberto Chiavenato, pesquisador de recursos humanos e leitura obrigatória em cursos superiores da área.
No artigo, ela compara as duas divas do pop: “Anitta é o que chamamos de líder autocrática: completamente centralizadora, ela entende que as decisões devem ser tomadas somente por ela, para que tenha sucesso. Não demanda e não confia, o que a faz ficar sobrecarregada. E claro, não reconhece os esforços de sua equipe”, escreve.
Depois, a estudante carioca cita um trecho do documentário “Homecoming”, sobre a trajetória artística de Beyoncé, em que a cantora diz à sua equipe que “ainda não está bom, mas vamos construir juntos.”
“Esse é um exemplo de liderança democrática. Cada membro tinha sua função, o objetivo do show era claro, toda a equipe entendia a importância de dar certo. Eram movidos pelo propósito e não por berros”, conclui Santos em seu Linkedin.
Modelos como este último, adotado por Beyonce, e descrito pelo presidente da ABRH como gestores que “buscam o respeito”, têm obtido mais sucesso e economizado dinheiro para as empresas—porque processos de abuso moral não são baratos, bem lembra a advogada Luciana Slosbergas.
O CNN Brasil Business tentou contato com a assessoria de imprensa de Anitta, mas não obteve retorno até a data desta publicação.