Pirataria digital: Só as TVs por assinatura perdem mais de R$ 15 bilhões por ano
Estimativa é de que 33 milhões de internautas brasileiros com mais de 16 anos têm hábitos de consumo Ilegal, o que representa 27,2% desses internautas
Enquanto os DVDs, que já estiveram entre os produtos mais falsificados no Brasil, viraram raridade, a pirataria digital cresce a passos largos e afeta, de forma grave, o mercado audiovisual no país. Só as TVs por assinatura representam um prejuízo de R$ 15,5 bilhões por ano.
A estimativa é de que 33 milhões de internautas brasileiros com mais de 16 anos têm hábitos de consumo Ilegal, o que representa 27,2% desses internautas, segundo o diretor jurídico regulatório da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) Jonas Antunes Couto. “É um número muito grande que denota um componente cultural importante desse tipo de acesso no país”, diz.
Em 2020, a ABTA denunciou mais de 27 mil páginas na internet que davam acesso a sinais desviados de TVs por assinatura. Cerca de 24 mil foram retirados do ar. De acordo com a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o Brasil está entre os países que mais consomem pirataria digital no mundo. Atrás apenas da Rússia e dos Estados Unidos.
Nesse cenário, a pandemia do coronavírus trouxe ainda mais incentivos para esse tipo de consumo, segundo Alessandro Barreto, da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça (SEOPI). “Cada vez mais o criminoso vai estar presente nesse ambiente cibernético. A pandemia acelerou essa migração e é um caminho sem volta”, diz.
Os sinais abertos ilegais de TVs por assinatura e de streamings são oferecidos de diversas formas. Além dos links diretos, conhecidos como lista IPTV, normalmente comercializados por redes sociais, também existem sites com programação desviada, aplicativos de celular disponibilizados inclusive em lojas oficiais, e as caixinhas, conhecidas como TV Box, que recebem os programas pirateados por satélite ou por sinal de internet.
“São produtos que facilitam o consumo do produto que vem do crime. Ao acessar um produto, uma programação sem autorização daquele que a produziu, daquele que a distribui, você está pervertendo todo o ciclo de distribuição de audiovisual e isso é extremamente nefasto. Você não incentiva a indústria criativa, porque você diminuiu o espaço dessa indústria no mercado e, ao mesmo tempo, você está viabilizando o acesso a esses produtos ilegais e facilitando a quem é criminoso”, diz Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP).
Efeitos colaterais
Os efeitos colaterais desse tipo de prática são diversos. Hoje, os acessos ilegais à TV por assinatura representam um prejuízo de R$ 15,5 bilhões por ano, R$ 2 bilhões somente em impostos que deixam de ser arrecadados. Quem assiste a um material pirateado pode não saber, mas está ajudando a diminuir a oferta de trabalho. A estimativa é de que, sem o mercado ilegal, seriam pelo menos 150 mil novos empregos gerados no país.
“Contratação de produtores de conteúdo, de atores, de cinegrafistas: há toda uma cadeia que está sendo afetada pelo mercado paralelo. E, mais uma vez, que está financiando atividades criminosas”, diz Wilson Wellisch, superintendente de fiscalização da Anatel.
O prejuízo é bilionário, mas não é só o governo e as empresas que perdem. Segundo as autoridades, todas as formas usadas para disponibilizar os canais por meio de pirataria digital funcionam também como porta de entrada de hackers.
Por trás desses produtos, há diversas atividades maliciosas. Ele coloca falhas de segurança cibernética na sua casa, então ele abre um back door na sua rede e, a partir daí, pode haver roubo de dados pessoais, informações bancárias, fotos de todos os equipamentos que compartilham aquela rede. E isso pode afetar não só quem está utilizando aquele equipamento, mas todo mundo que está conectado naquela rede da casa”, diz Wellisch.
A ABTA estima que existem hoje mais de 160 modelos diferentes de caixinhas que desbloqueiam sinais de TV por assinatura. Algumas vendidas libremente na internet.
“Cada vez mais a gente sabe que existem importações de TV boxes relacionadas a operações criminosas a gente sabe que esses equipamentos são frutos de contrabando, então existe uma certeza de que a pirataria só faz mal para a sociedade brasileira”, diz Couto, da ABTA.
Como as grandes se protegem
Para tentar combater a benda desses e de outros produtos falsificados pela internet, grandes marketplaces passaram a fazer uma espécie de triagem. A Amazon, por exemplo, tem um programa chamado Project Zero, que além de filtrar o que é oferecido no site, permite que as próprias marcas oficiais retirem do ar os anúncios de produtos piratas.
Já no Magazine Luiza, o vendedor passa por uma análise prévia para receber autorização para fazer parte do e-commerce do grupo. Cerca de 20% dos possíveis anunciantes são reprovados ainda nessa etapa.
“(Desses bloqueios) a grande maioria é porque o código de atividade dele é diferente do código de atividade dos produtos que ele está vendendo. Por exemplo, se é uma floricultura vendendo um videogame, chances são de que esse videogame não é de uma procedência correta na cadeia nacional”, diz Leandro Soares, diretor de marketplace do Magalu.
O grupo também tem um sistema que só permite cadastrar mercadorias com nota fiscal. E faz uma ronda constante para garantir que os produtos são originais. Quando um item falso é flagrado, o responsável pela venda é imediatamente banido.
“A gente quer digitalizar o Brasil, mas sem gol de mão, então a gente quer vender produtos que são corretos, porque os produtos que são ilegais são prejudiciais não só para a nossa plataforma, mas para o país como um todo”, diz Soares.
Na outra ponta, a ABTA, que recentemente lançou uma campanha contra a pirataria digital, acredita que os esforços só vão ter efeito quando a população entender que o prejuízo é muito maior que as vantagens que quem consome o material ilegal acha que está tendo.
Em alguns casos, a pirataria pode ser uma ameaça à vida. Em plena pandemia, álcool em gel, máscaras, luvas e até vacinas contra a Covid-19 foram falsificadas. “A gente tem visto que o crime nunca entrou em quarentena, o crime nunca parou e encontrou também nesse contexto uma seara para aferir mais lucros”, diz Barreto, da SEOPI.
Mais detalhes, você confere no próximo e último episódio da série Pirataria: O Extrato do Prejuízo, no Prime Time, a partir das 18h, na CNN.