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    Mercado teme manobra fiscal do governo com tentativa de derrubar teto de pagamento dos precatórios

    Governo propõe segregação de juros que incide sobre essas dívidas, para que sejam pagos como despesa financeira, ou seja, sem impactar o resultado primário

    Danilo Moliternoda CNN , São Paulo

    Especialistas e atores do mercado financeiro consultados pela CNN indicam que há temor entre investidores de que o governo utilize sua contestação à PEC dos Precatórios para abrir espaço fiscal no Orçamento e elevar gastos.

    O governo pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que seja considerada inconstitucional a regra que estabelece teto para o pagamento de precatórios. Solicitou ainda autorização para abrir crédito extraordinário e quitar imediatamente o passivo — que hoje soma cerca de R$ 95 bilhões e deve chegar a R$ 300 bilhões até 2027 se a situação não for resolvida.

    Por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), o governo também propõe uma segregação dos juros que incidem sobre essas dívidas, para que sejam pagos como despesa financeira, ou seja, sem impactar o resultado primário. Neste ponto é que está o temor do mercado.

    Thaís Zara, economista-sênior da LCA Consultores, indica que este procedimento de cálculo difere do adotado internacionalmente. Para a especialista, esse é o “calcanhar de Aquiles da proposta” e traz receio de manobras fiscais.

    “Possivelmente, por se tratar de norma permanente, eventualmente poderia afetar a apuração dos gastos para cumprimento das limitações impostas pelo novo arcabouço fiscal ao longo do tempo, evitando a compressão de outros gastos quando há valores de precatórios mais elevados”, opina.

    Em entrevista à CNN, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, negou que a tentativa do governo de derrubar o teto de pagamento de precatórios tenha como objetivo abrir espaço fiscal.

    “Não há, de fato, pegadinha. Estamos tentando resolver um problema sério, encontrar um caminho que permita a gente sair dessa e não voltar a discutir pagamento em dia ou não das nossas obrigações”, disse.

    Economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel de Barros diz que tal interpretação para os precatórios agride axiomas da contabilidade pública e da legislação brasileira. Ele reitera a percepção de que a medida está na contramão da experiência internacional e o temor de uma manobra fiscal.

    “O temor é de que se utilize o tema para abrir espaço fiscal à frente, deteriorando o equilíbrio fiscal. É importante ter em mente o filme e não a foto, essa proposta se soma ao desconto dos investimentos das estatais da meta de primário, maiores transferências federais para os municípios e orçamento pouco realista para 2024”,aponta.

    Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor do Banco Central, vê “oportunismo” por parte do governo. Ele reforça a ideia de que a mudança pode “abrir espaço para que no futuro haja reinterpretações criativas de despesas”.

    “Vimos várias vezes no passado alterações de regras contábeis para adequar números àquilo que o governo quer mostrar, sem que isso reflita a realidade das contas públicas”, diz.

    No mais, medida é positiva

    Rogério Ceron indica que a interpretação sobre juros é termo “acessório” do pedido do governo ao Supremo. Para o secretário, é necessário que o governo volte a cumprir com suas obrigações.

    “Com essa Emenda Constitucional foi estabelecido um limite [de pagamento], o que passa deste limite, é acumulado [como dívida]. O grande problema é que se isso permanecer, vamos chegar em 2027 com R$ 300 bilhões para serem pagos de uma vez”, disse.

    “O que estamos colocando é que somos contrários ao governo federal não pagar em dia essas obrigações. Como país sério, o governo federal precisa pagar suas obrigações em dia. Não tem cabimento não pagarmos nossas dívidas em dia”, completou.

    Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional
    Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional / Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

    Os especialistas consultados pela CNN indicam que a tentativa do governo de pagar suas obrigações, por meio da derrubada dos efeitos da emenda, é positiva.

    “A ideia de antecipar este problema, reduzindo o tamanho da bola de neve, tem mérito – ainda que parte deste pagamento seja feito através de crédito extraordinário, que não entra na conta do limite de gastos primários. Na prática, é algo benéfico para a dinâmica da dívida pública”, diz Zara.

    Para Schwartsman, é necessário “reconhecer que a PEC dos Precatórios foi uma monstruosidade, que basicamente institucionalizou o calote”. Apesar de concordar com o movimento de reverter os efeitos da PEC, o economista indica que o melhor caminho para tal seria via o Legislativo.

    “Acho que o ideal seria não fazer isso via Judiciário. Se você quer fazer algo a respeito, faz via Congresso. Não sei se teria uma grande oposição por lá. Está chamando o Judiciário para outra inferência, o que é complicado”, indica.

    Os especialistas veem chances reais de a medida prosperar no Judiciário — seja total ou parcialmente.

    Questionado pela CNN sobre se a retirada de parte dos gastos com precatórios da base de cálculo das metas fiscais seria uma solução, Ceron indicou que essa é uma solução possível, mas destacou que poderia acarretar temores ainda maiores ao mercado.

    “Nenhuma solução é completamente perfeita, há vantagens e desvantagens”, disse.

    “Se tivéssemos de partida optado por esta [solução] provavelmente estaremos debatendo aqui se nossa intenção não era criar um precedente para depois tirar outras coisas do limite de gasto. Sempre há essa desconfiança sobre qual a intenção do governo ao propor uma solução” afirmou.

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