Eficácia da vacina da Covid-19 é igual à de outros imunizantes?
Os resultados são promissores, mas faltam dados para cientistas analisarem as informações dadas pelas farmacêuticas, diz imunologista
Ao longo do mês de novembro, algumas das desenvolvedoras de potenciais vacinas contra a Covid-19 lançaram resultados dos testes relacionados à eficácia de seus produtos. As notícias iniciais foram boas, dando mais esperança de que, em breve, a pandemia pode perder força.
A eficácia dos imunizantes divulgada pelas produtoras giram em torno de 70 a 95%, o que, segundo o imunologista Gustavo Cabral, que realizou pesquisas na Universidade de Oxford e atualmente trabalha em estudos para o desenvolvimento de uma possível vacina brasileira contra a Covid-19 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), é extremamente positivo e até mesmo acima do esperado.
A Pfizer, por exemplo, lançou um comunicado que anuncia o fim da terceira fase de testes, a última exigida pelos principais órgãos reguladores de medicamentos no mundo, e que a vacina tinha alcançado níveis de 95% de eficácia.
A empresa de biotecnologia Moderna também apresentou os resultados mais recentes da terceira fase dos testes. A vacina utiliza uma tecnologia com o RNA mensageiro presente nas células do vírus SARS-CoV-2 e demonstrou 94,5% de eficácia.
A chinesa Coronavac, que será produzida em São Paulo pelo Instituto Butantan, apresentou resultados preliminares de cerca de 90% de proteção. A russa Sputnik V apontou proteção inicial de 91,4%.
O resultado lançado pela parceria entre a farmacêutica AstraZeneca e pesquisadores da Universidade de Oxford, entretanto, surpreendeu algumas pessoas. Enquanto as outras candidatas apontaram níveis que giravam em torno dos 90% de eficácia, a publicação dos estudiosos britânicos aponta uma eficiência que variou de 70% a 90% dependendo da dose para a vacina que utiliza adenovírus de chimpanzés para neutralizar a doença.
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O imunologista afirma que o resultado da pesquisa inglesa, apesar de parecer decepcionante frente aos outros, também são promissores.
“Um resultado de 70% de eficácia é espetacular. Na realidade, é bastante raro que uma vacina consiga alcançar os 90% de eficácia, como as outras farmacêuticas publicaram”, explicou.
A Organização Mundial na Saúde (OMS) havia anunciado no início da pandemia que a eficácia mínima para que uma vacina contra a Covid-19 fosse licenciada deveria ser de 70%, e posteriormente, diminuiu o número para 50%.
Comparação com outras vacinas
Em contraste com os números altos registrados pelos potenciais imunizantes contra a Covid-19, vacinas amplamente utilizadas têm porcentagens de eficiência menores.
A vacina da gripe, por exemplo, possui uma eficácia que gira em torno de 40% a 60%, de acordo com o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), importante órgão de saúde dos Estados Unidos.
O NHS, ou National Health Service, sistema de saúde pública do Reino Unido, explica que a vacina BCG (contra a tuberculose), que é alvo de estudos pela Fiocruz para diminuir o impacto do novo coronavírus, possui uma eficácia de 70 a 80%.
A vacina utilizada na prevenção do vírus HPV, e também do câncer de colo de útero, possui 98% de eficácia de acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, aproximando-se da totalidade. Já a famosa ‘vacina da gotinha’, contra a poliomielite, possui uma eficácia que beira os 99%, se aplicadas todas as doses corretamente.
Gustavo Cabral explica que, cientificamente, não é esperado que uma vacina termine a existência de uma enfermidade, e portanto, não é exigido que tenha uma eficiência de 100%. “O fato de existir uma vacina da gripe, não significa que não existirá mais gripe, e sim que a maior parte da população estará protegida – se houver uma vacinação ampla”.
Com uma população em grande parte protegida, o espalhamento da doença é reduzido, e também torna possível que o sistema de saúde possa atender os pacientes que sejam acometidos por ela sem sobrecarga. Com menos pessoas doentes e um tratamento mais efetivo, os riscos de uma epidemia grave caem drasticamente.
As variáveis do cálculo de eficácia
Para calcular a eficácia de uma vacina, uma série de elementos são levados em consideração. É preciso testar o imunizante nos mais diversos grupos.
Em seu comunicado, a Pfizer, por exemplo, destaca que realizou testes em pessoas de diferentes “idades, condições de saúde, gênero, raça e etnia”. Os institutos que lançaram suas porcentagens de eficácia não detalharam o que se enquadra em cada uma dessas categorias, o que torna a análise dos resultados mais difícil.
Cabral reitera que, para tirar conclusões sobre os estudos, é necessário analisar os dados da pesquisa efetivamente, os quais não foram disponibilizados pelas farmacêuticas ainda.
“O que as farmacêuticas têm lançado são apenas releases, não dossiês com todos os dados. Para nós, cientistas, é difícil avaliar qualquer coisa sem dados como: o cálculo que foi feito para chegar a esse número, como foi realizada a análise estatística, entre outros fatores”, disse.
Esses dados não foram lançados publicamente, mas foram enviados aos órgãos responsáveis pela regulamentação da possível vacina em diferentes países. O especialista lembra que, apesar de que existam dúvidas do grande público acerca do assunto, estes órgãos, como o FDA e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não aprovariam o uso de imunizantes sem uma análise criteriosa desses dados e um consenso sobre segurança da vacina.
(*Sob supervisão de André Rigue)