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    Reserva de 30% de vagas em Câmaras para mulheres traria ganho de quase R$ 298 bi para o país, diz estudo

    Valor seria alcançado em 2077, de acordo com levantamento da Conecta -- Aceleradora de Mulheres na Política

    Douglas Portoda CNN , em São Paulo

    A partir da proposta de reserva de 30% das vagas em Câmaras municipais para mulheres, a economia teria um ganho acumulado de R$ 297,94 bilhões até 2077, segundo mostra um estudo da Conecta — Aceleradora de Mulheres na Política, realizado pelo pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE).

    Para o levantamento, foram utilizados dados sobre os votos dos candidatos para vereador, sua condição de eleitos ou não para o cargo nas eleições de 2012 e se foram eleitos para o Congresso Nacional dois e seis anos depois (2014 e 2018).

    Foram incluídas informações de todos os municípios e de todos os partidos políticos/coligações que conseguiram pelo menos uma cadeira na Câmara Municipal.

    Para se chegar ao número, foram utilizadas estimativas encontradas no Brasil e na Índia a partir de artigos que trouxeram os seguintes impactos:

    A partir disso, para calcular o efeito econômico, foram usados os seguintes parâmetros brasileiros:

    1. O Brasil perde, em valores de 2022, cerca de R$ 262 bilhões anuais devido à corrupção;
    2. Há cerca de 724 mil empregados temporários nas prefeituras (salário médio estimado é de cerca de R$ 15 mil mensais);
    3. Cada indivíduo, ao longo da vida, gera, em média R$ 197 mil, ao longo da vida a partir dos cinco anos de idade em valor presente, assumindo uma taxa real de juros de 5%;
    4. 42,6 milhões de mulheres têm um salário mensal mediano de R$ 1.358, em valores de 2022;

    Para se chegar ao valor, foram adicionados ajustes para estimar o impacto de mais uma deputada federal ou mais uma vereadora.

    “O poder municipal, com 5.517 prefeitos, é responsável por cerca de R$ 740 bilhões anuais de orçamento (cerca de 7,4% do PIB), enquanto o poder legislativo federal, com 513 deputados, é responsável por R$ 36,5 bilhões anuais. Sendo assim, o ganho que se tem com uma deputada federal eleita, é de cerca de R$ 1 milhão anual”, cita o estudo.

    O gráfico a seguir agrega os efeitos sobre a economia com a reserva de 30% das vagas nas câmaras municipais para mulheres.

    Os efeitos são estaticamente diferentes de zero, em um nível de confiança acima de 95%:

    Ganho Econômico Acumulado da Reserva de Vagas (R$ bilhões) / Reprodução/Conecta

    Em entrevista à CNN, Daniel Duque explica que, ao realizar o estudo, encontrou um efeito crescente.

    “Dado que você se elegeu como vereadora, a probabilidade de se eleger nos outros cargos vai aumentando ao longo do tempo. E, com isso, eu crio uma função de expectativa de aumento de eleições de mulheres ao longo do tempo”, diz Duque. “A partir dessa tendência esperada de aumento de mulheres perfeitas e deputadas, eu recorro à literatura e recalibro os efeitos acumulados do impacto das cotas municipais e, com isso, eu chego a esse número”, continua.

    Também foram calculados os efeitos sobre a economia com a proposta de reserva de 15% das vagas nas câmaras municipais e federal. Até 2054, o ganho seria de R$ 207,75 bilhões. Veja abaixo:

    Ganho Econômico Acumulado (R$ bilhões) / Reprodução/Conecta

     

    Cotas de 30% na Câmara Municipal

    Para entender o efeito das cotas na distribuição de assentos na Câmara Municipal, foi utilizada a tendência atual de vereadoras eleitas, que cresceu de 13,1% para 16% entre 2012 e 2020.

    Com isso, a participação feminina no legislativo municipal cresceria para 20,6% e 27,3% em 2024 e 2028, respectivamente, se a tendência fosse seguida.

    Com a introdução das cotas de 30% nos respectivos anos, o número de vereadoras aumentaria significativamente, como visto abaixo:

    Percentual de Vereadoras Eleitas (sobre o total de cadeiras nas Câmaras Municipais) / Reprodução/Conecta

    Considerando que são eleitos cerca de 58 mil vereadores nas eleições municipais, sem as cotas, o número de mulheres eleitas cresceria da seguinte forma:

    • 2024: de 9,3 mil para 12 mil
    • 2028: de 12 mil para 15,9 mil

    Com as cotas, por sua vez, o número em 2024 seria de 17,5 mil, se repetindo na eleição seguinte.

    “O efeito, então, de eleger mulheres para vereadoras sobre a probabilidade de estas integrarem o Congresso Nacional dois e seis anos depois será aplicado sobre essas diferenças em cada ano – 5,5 mil em 2024 e 1,6 mil em 2028”, explica o estudo.

    Paridade de gênero na Câmara dos Deputados

    Ao aplicar o estudo nas eleições municipais de 2012, o efeito de se eleger vereadora aumentou em 0,8 pontos percentuais a probabilidade de ser eleita deputada federal em 2014, e subiu 1,7 pontos percentuais para vencer em 2018.

    “Isso significa mais quatro e dez mulheres eleitas na Câmara Federal em cada ano, respectivamente”, cita o levantamento.

    “Vale notar que a probabilidade de um candidato a vereador se eleger deputado federal ou senador dois anos depois é extremamente baixa. Em 2012, apenas 4 mil dos 460 mil (menos de 1%) candidatos a vereador se candidataram a deputado em 2014. Desses 4 mil, apenas 29 se elegeram”, prossegue.

    A partir das cotas municipais, a paridade de gênero seria atingida na Câmara dos Deputados em 2074. Sem a política, a igualdade entre homens e mulheres só chegaria em 2106, 32 anos depois. Veja o exemplo a seguir:

    Efeito das reservas de cadeira municipais na Câmara dos Deputados / Reprodução/Conecta

    VÍDEO – Câmara discute mudanças nas verbas para candidaturas de mulheres e negros

    Eleições de prefeitas

    Usando os dados das eleições municipais de 2012, o efeito de se eleger vereadora aumentou em 0,2 pontos percentuais a probabilidade de ser eleita prefeita em 2016, e elevou em 0,4 pontos percentuais em 2020.

    Ou seja, isso significa mais 10 e 22 mulheres eleitas prefeitas, respectivamente, em cada ano.

    Com as cotas municipais, se chegaria à marca de 1.000 prefeitas em 2064. Sem a medida, a meta só seria atingida em 2108, 44 anos depois. Confira o exemplo abaixo:

    Número de prefeitas / Reprodução/Conecta

    Segundo análise de Daniel Duque, é mais provável que uma vereadora se torne prefeita do que deputada federal.

    “Tem muita mulher que se elege vereadora em cidade pequena e elas acabam se tornando uma referência local, mas como a cidade é pequena em comparação ao todo, acaba que o impacto para se eleger deputada acaba reduzido, porque é uma eleição ao nível estadual”.

    Passos para implementação das cotas

    O Senado Federal aprovou, em 2021, um projeto que determina a reserva de 30% de cadeiras para mulheres na Câmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas dos estados, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas Câmaras de vereadores.

    Segundo o texto, o sistema seria escalonado, sendo dividido da seguinte forma:

    • 18% nas eleições de 2022 e 2024;
    • 20% nas eleições de 2026 e 2028;
    • 22% nas eleições de 2030 e 2032;
    • 26% nas eleições de 2034 e de 2036;
    • 30% nas eleições de 2038 e 2040.

    Entretanto, a questão ainda não foi apreciada pela Câmara dos Deputados.

    PEC da Anistia

    Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que anistia partidos políticos por irregularidades nas prestações de contas feitas em eleições passadas pode alterar as regras para a participação das mulheres na política.

    O texto, relatado pelo deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), retira a obrigatoriedade de preenchimento de 30% das cotas de candidatas mulheres. A lei atual prevê que três em cada 10 candidatos de uma legenda sejam mulheres.

    Apesar de retirar a obrigatoriedade do número mínimo de candidaturas, o texto prevê uma reserva das cadeiras na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas câmaras de vereadores. Seriam 15% já no ano que vem e 20% a partir de 2026.

    No Congresso Nacional, a bancada feminina reclama da mudança. O argumento é que sem um mínimo obrigatório de mulheres candidatas, será quase impossível eleger 20% do Legislativo brasileiro.

    O professor de Direito Eleitoral e Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alphaville Savio Chalita explica à CNN que a participação feminina na política, embora dissonante com o fato de ser maioria no corpo eleitoral, é crescente.

    “As mulheres tiveram a sua ‘emancipação política’ marcada pelo Código Eleitoral (1932) e, posteriormente, pela Constituição de 1934, que ratificou a possibilidade de participação. Ou seja, pouco mais de 90 anos de participação. Até este fato, o Brasil vivia o chamado sufrágio restrito de gênero. Somente homens (além de outras exigências a eles) é que poderiam participar das decisões do estado (votar, ser votado, etc.)”, diz Chalita.

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