Quarentena não deve acabar até que seja encontrada uma vacina, alerta estudo
Especialistas apontam o risco de uma segunda onda de infecções
O distanciamento social não deve ser completamente descartado até que se descubra um medicamento eficaz para a sua imunização, de acordo com um estudo baseado na crise que a China viveu e publicado pela revista científica The Lancet.
As duras restrições da China parecem ter interrompido a primeira onda de COVID-19 em grande parte do país, mas pesquisadores usaram um modelo matemático para mostrar que medidas prematuras de flexibilização da quarentena podem resultar em um segundo pico da infecção.
Autoridades acabaram com os 76 dias de “lockdown” na província de Hubei, em Wuhan, nesta quarta-feira (8), lembrando o local foi o epicentro do coronavírus (COVID-19) atingindo o maior número de mortos – que agora já tem sido ultrapassado em todo o mundo. Algumas restrições continuarão a valer, embora com as autoridades estejam cientes dos riscos e passagens de trens e pacotes turísticos estejam sendo comprados por todo país.
Enquanto essas medidas de controle parecem reduzir o número de infecções para valores baixíssimos, sem imunidade contra a COVID-19, mais casos podem facilmente reaparecer à medida que empresas, fábricas e escolas retomem gradualmente suas atividades, devido principalmente aos casos importados do exterior”, afirma o professor Joseph T Wu, da Universidade de Hong Kong, quem coliderou a pesquisa, em um comunicado nesta quarta-feira (8).
Ele alertou sobre a velocidade com que a doença pode avançar se os governos não garantirem que as restrições sejam suspensas parcialmente e a transmissão não for cuidadosamente monitorada.
“Ainda que políticas de controle como o distanciamento físico e a mudança de comportamento provavelmente sejam mantidas por algum tempo, encontrar um equilíbrio proativo entre retomar as atividades econômicas e manter o número reprodutivo abaixo de um é, provavelmente, a melhor estratégia até que vacinas efetivas se tornem amplamente disponíveis”.
A pesquisa pode ser criticada, já que países em todo o mundo – alguns que só mantiveram bloqueios durante semanas – consideram qual a melhor maneira de aliviar as restrições para colocar as suas economias de volta em movimento. Caso contrário, podem levar a novos surtos e novas restrições, além de trazer resultados catastróficos para a economia e para a saúde, segundo o estudo.
A Áustria disse nessa segunda-feira (6) que pode começar a abrir gradualmente suas lojas depois da Páscoa, sendo um dos países europeus a se prepararem para diminuir as restrições. Na Alemanha, um grupo de cientistas, economistas e médicos recomendam que o crescente reaquecimento da maior economia da Europa deve admitir que empresas e trabalhadores específicos retomem suas atividades enquanto são tomadas medidas para evitar o ressurgimento do vírus.
Doze pesquisadores escreveram um artigo publicado na semana passada pelo Institute for Economic Research (IFO), dizendo que eles não esperam que uma vacina ou um tratamento eficaz sejam encontrados antes de 2021.
O governo inglês já está revendo seu bloqueio, quase três semanas após seu início. Mas o prefeito de Londres, Sadiq Khan, afirmou ontem que “não está nem perto” de aliviar as restrições com o pico esperado a mais de uma semana de distância.
Economistas britânicos sugeriram que os 4,2 milhões de jovens de 20 a 30 anos que não moram com os pais devam voltar ao trabalho primeiro.
Andrew J. Oswald e Nattavudh Powdthavee, da Universidade de Warwick, no Reino Unido, concordam que a ideia ajudaria a aliviar os “danos graves” que estão sendo causados à economia do país.
“A menos que uma vacina seja descoberta rapidamente, é improvável que exista algum curso de ação indolor ou sem riscos”, afirmam.
“As trocas econômicas e epidemiológicas terão que ser enfrentadas. As escolhas dentro da atual conjuntura provavelmente serão difíceis para políticos e cidadãos.”
Também disseram que a ideia “ajudaria a reiniciar a prosperidade antes de uma recessão extraordinária; levaria a outros benefícios sociais; assim como criaria um risco razoavelmente pequeno, mas infelizmente não desprezível à saúde no país”.
Os efeitos da prematura suspensão do bloqueio podem atingir algumas áreas mais que outras. Análises mais aprofundadas no relatório da Lancet mostraram que o risco de morte daqueles que testaram positivo para a COVID-19 variou substancialmente em diferentes partes da China, de acordo com o desenvolvimento econômico e da disponibilidade de recursos médicos.
A taxa de mortalidade em Hubei foi de 5,91%, quase seis vezes maior do que fora da província, onde, segundo o estudo, foi de 0,98%.
“Mesmo mais prósperas e cheias de recursos, em megacidades, como Pequim e Xangai, os equipamentos de saúde são limitados e os serviços sofrerão com um aumento repentino na demanda”, comenta o experiente professor Gabriel M Leung, da Universidade de Hong Kong, que acompanha o relatório da Lancet. “Nossas descobertas destacam a importância de garantir que os sistemas locais de assistência médica tenham pessoas e artifícios adequados para minimizar as mortes relacionadas ao coronavírus (COVID-19)”.
Restrições rigorosas à circulação de pessoas e mercadorias foram introduzidas na China em 23 de janeiro, após o surgimento do novo coronavírus em Wuhan, em dezembro, afetando drasticamente a economia e as liberdades pessoais. Desde então, estas foram progressivamente relaxadas em algumas províncias chinesas, com fábricas e escritórios reabrindo gradualmente.
A análise de quatro cidades e dez províncias fora dos estados de Hubei afirma que as medidas devem ser descartadas gradualmente ou o número de casos aumentará progressivamente ao longo do período de relaxamento.
As estimativas também sugerem que, uma vez que houver uma alta de casos crescente, o simples decreto de novas intervenções não reduziria a volta ao seu nível original. Isso exigiria um esforço extra, provavelmente resultando em maiores danos à saúde e à economia.
“Estamos cientes de que, à medida que a atividade econômica aumente em toda a China nas próximas semanas, a infecção local ou importada pode levar ao ressurgimento da transmissão”, acrescentou a co-autora do estudo, Dra. Kathy Leung, da Universidade de Hong Kong. “O monitoramento em tempo real do efeito do aumento da mobilidade e do convívio social na transmissibilidade da COVID-19 pode permitir que as autoridades ajustem as medidas de controle para interromper a transmissão e minimizar o impacto de uma possível segunda onda de infecções”.
Simon Cullen, da CNN, contribuiu com esta reportagem.