Na linha de frente, médicos relatam desafios: ‘Medo de contaminar minha família’
Pelo menos 1,2 mil médicos e enfermeiros já morreram em decorrência da Covid-19 desde março do ano passado
Apesar de experientes no exercício da medicina, profissionais que trabalham no atendimento a pessoas com Covid-19 admitem a tristeza e a sensação de impotência quando um paciente não resiste à doença.
O medo de levar o vírus para casa é uma das preocupações de Helena Brígido. Infectologista há 32 anos, ela se divide entre dois hospitais em Belém, no Pará, onde atende pacientes com Covid-19, e os cuidados com os filhos. “Tenho dois filhos e desde o início da pandemia decidimos nos afastar. A gente faz o distanciamento dentro de casa com dois metros. No trabalho, a gente sai e não sabe se vai voltar com o vírus para casa,” relata Brígido.
Ela faz refeições antes de chegar ao trabalho e admitiu que fica até seis horas sem comer, para não ter que usar o banheiro e desinfetar toda a vestimenta: “Para beber água ou para comer, temos que tirar a máscara, e o risco de contaminação existe. Eu não como e não bebo nada no plantão. Com isso, temos tido alterações de pele, infecção urinária e outras complicações.”
Assim como Helena, Marcio Gagini também é pai e infectologista experiente. Ele mora e trabalha em Fernandópolis, no interior de São Paulo. Foi ele quem coordenou o plano de contingência na cidade. Apesar de todos os todos os cuidados, o que ele mais temia, aconteceu.
“Eu me contaminei no final do mês de julho e me internei no lugar que eu ajudei a construir, passando da situação de médico para paciente. Aquilo me causou uma angústia e uma tristeza enorme porque eu não sabia como seria meu quadro. O dia parecia que tinha mais do que 24 horas, eu tinha medo de contaminar minha família,” relata Gagini.
O infectologista acabou contaminando a esposa e uma das filhas. Elas, diferentemente dele, não precisaram de internação. “Fui para o hospital, sofri muito com o isolamento. Eu percebi como é difícil ficar longe da família e dos amigos. Por outro lado, essa experiência me ajudou a lidar com meus pacientes. Hoje entendo o que eles passam,” relata o médico, hoje curado do coronavírus.
Carolina Ponzi também é infectologista. Solteira e sem filhos, mora e trabalha em Chapecó, oeste de Santa Catarina. A médica conta que levou a mãe idosa e doente, da cidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, para morar perto dela, em uma casa de repouso. Com mais de vinte anos de profissão e acostumada com a rotina de hospitais, Carolina não esperava ver a própria mãe dar entrada no hospital em que trabalha.
“Em agosto de 2020 a minha mãe pegou? Covid-19. Ela era idosa, 71 anos, e com saúde comprometida. Eu estava desde março sem tocar nela. Minha mãe estava no décimo dia da doença quando piorou muito. Trouxe ela para a enfermaria onde trabalho. Depois de nove dias de internação, minha mãe acabou falecendo por Covid-19. Por ser médica, eu tive o privilégio de ter ficado ao lado. Até hoje quando entro no quarto 3008 e tem paciente mulher e idosa… é difícil,” conta Ponzi, emocionada.
Pelo menos 1,2 mil médicos e enfermeiros já morreram em decorrência da Covid-19 desde março do ano passado, de acordo com entidades de classe. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) mantém um observatório online atualizado diariamente. Desde março do ano passado, até 15 de março de 2021, 662 profissionais de enfermagem morreram de Covid-19.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) criou um memorial na internet para homenagear os 551 médicos vítimas do coronavírus entre março de 2020 e fevereiro de 2021. O número ainda não contempla os casos mais recentes, do período que tem sido o mais mortal desde o início da pandemia.