Análise: Rupert Murdoch, um fazedor de reis na política dos Republicanos, enriqueceu ao envenenar a América
Após mais de 40 anos no poder da Fox Corporation e da News Corporation, Murdoch deixa um legado de desinformação, teorias da conspiração e propaganda para a extrema direita
Rupert Murdoch, o magnata da mídia de direita norte-americana, de 92 anos, anunciou na quinta-feira (21) que deixará o cargo de presidente da Fox Corporation e da News Corporation.
Após mais de 40 anos no poder, Murdoch deixa um legado de desinformação, teorias da conspiração e propaganda para a extrema direita, após construir um império da mídia global que lucrou com o medo e a divisão, não se preocupando em distorcer o discurso público, desfigurar a política americana e pôr em perigo a democracia ocidental.
O criador de reis da política republicana, com seu olhar inabalável para infundir notícias e hipérboles antes encontradas apenas em programas de rádio, conseguiu explorar os medos e fantasias de um público que buscava ouvir seus próprios pensamentos sendo transmitidos a si próprios e agora permanecem desligados da realidade.
Murdoch deixa para trás uma sociedade profundamente polarizada, que discute sobre guerras culturais e vive atormentada pela desconfiança e pela disfunção.
São pessoas que foram puxadas ainda mais para a direita pelos porta-vozes da mídia de Murdoch, que usaram suas plataformas para distorcer e manipular a verdade, destruindo o sentimento de confiança do público e até de líderes políticos.
Na sua carta aos funcionários, em que anunciou sua saída na quinta-feira, Murdoch tentou se colocar como um “gladiador” que travou “a batalha pela liberdade de expressão e, principalmente, pela liberdade de pensamento”.
Soando como um dos analistas da Fox News de sua folha de pagamento, Murdoch criticou as “elites” que segundo ele possuem “desprezo aberto por aqueles que não são membros da sua classe rarefeita”.
“A maior parte dos meios de comunicação social está em conluio com essas elites, vendendo narrativas políticas em vez de perseguir a verdade”, escreveu Murdoch, sem qualquer sentido de ironia.
Murdoch, ele próprio um bilionário que passou a vida convivendo com os membros da elite da sociedade, devia saber que, no fundo, ele estava oferecendo uma descrição adequada de si mesmo – um homem cujas empresas fizeram dinheiro através do tráfico de narrativas destinadas a satisfazer a sede de seu público.
O magnata da mídia, que pessoalmente tomou grandes precauções durante a pandemia e mais tarde foi um dos primeiros a receber a vacina Covid-19 no mundo, ficou em silêncio enquanto pagava generosamente à sua lista de comentaristass de direita que promoviam mentiras sobre o vírus e costuravam teorias da conspiração sobre a imunização.
O custo dessas mentiras, que foi pago com vidas humanas que confiaram suas decisões sobre saúde nesses comentaristas, pode nunca ser totalmente conhecido, mas foi inquestionavelmente alto.
Contudo, o custo das mentiras sobre a eleição difundidas pela Fox News de Murdoch para proteger Donald Trump são mais fáceis de se identificar, cortesia dos processos de difamação movidos pelas empresas de tecnologia eleitoral Dominion Voting Systems e Smartmatic.
Murdoch, que nos bastidores rejeitou a retórica descontrolada que foi transmitida pela emissora, pagou à Dominion um valor histórico de US$ 787,5 milhões (R$ 3,869 bilhões) para resolver o processo e evitar um julgamento com júri no início de 2023.
A Fox News ainda enfrenta um processo de US$ 2,7 bilhões (R$ 13,27 bilhões) da Smartmatic.
A questão que circula nos círculos midiáticos após o anúncio de Murdoch é: por que agora? Por que ele decidiu que quinta-feira, 21 de setembro de 2023, seria o dia para anunciar que renunciaria e desocuparia o trono?
Murdoch é um pensador estratégico e um empresário implacável, que teria pensado muito no momento de sua saída.
Seria o anúncio uma indicação de que Murdoch está buscando consolidar seu filho, Lachlan, como seu sucessor? Ele acredita que nomear Lachlan como presidente de ambas suas empresas tornará mais difícil para seus outros filhos tentarem derrubá-lo caso morresse antes de passar o bastão? Talvez Murdoch acredite que se colocar Lachlan no trono e colocar a coroa no topo da sua cabeça, isso eliminará – ou pelo menos diminuirá – o vácuo de poder que a sua morte certamente irá gerar.
Ou talvez haja algo mais em jogo. Murdoch disse em sua nota que está com “saúde robusta”. Mas ele tem 92 anos e desacelerou nos últimos anos.
A outra questão é: como é que esta transição irá impactar a organização das empresas de Murdoch? Murdoch enfatizou que Lachlan compartilha sua visão de mundo ideológica. Mas as fileiras executivas da Fox e da News Corporations são compostas pelos próprios tenentes leais e de longa data de Murdoch. Lachlan fará algumas mudanças? Ele capacitará uma nova geração?
E a maior questão de todas: Murdoch ainda tem algumas surpresas adicionais na manga? Há mais sapatos para largar? Vamos ver.