Morrem 40% mais negros que brancos por coronavírus no Brasil
Pretos e pardos representam 57% dos mortos pela doença, enquanto brancos são 41%; chance de um negro morrer por coronavírus é 38% maior do que a de um branco
A cada dez brancos que morrem vítimas da Covid-19 no Brasil, morrem 14 pretos e pardos, que em sua soma, representam os brasileiros negros. Os dados são resultados de uma análise da reportagem da CNN com base nos boletins epidemioógicos do Ministério da Saúde.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a proporção dessas populações no Brasil é de 10 brancos para 13 pretos ou pardos. No caso das internações pela doença, há um equilíbrio: negros representam 49,1% dos internados por Covid-19, enquanto brancos representam 49%. Mas na análise das mortes, o descompasso aparece, pretos e pardos representam 57% dos mortos pela doença enquanto brancos são 41% dos mortos.
Denize Ornelas é médica de família e faz parte de um coletivo de estudantes de medicina e médicos negros. Ela explica que a posição social do brasileiro negro dificulta o acesso aos cuidados mais adequados no combate ao coronavírus. “As pessoas negras são mais colocadas no mercado de trabalho informal, tendo muito mais dificuldade de procurar o serviço de saúde no tempo adequado, já chegando em condições piores. São pessoas que também têm uma localização geográfica que não favorece a busca por hospitais, ficando geralmente em pronto-socorros e serviços de saúde periféricos, que vão ter o maior tempo de espera para a transferência pra uma vaga de UTI, por exemplo, além desses serviços serem serviços de qualidade inferior”, defende ela.
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Negros na linha de frente
Outro fator que os especialistas afirmam poder explicar esse número é o perfil de quem está na linha de frente e tem contato direto com os infectados pela doença. “Dentre a equipe de saúde, profissionais de saúde, os auxiliares de enfermagem e técnicos de enfermagem também são pessoas negras e isso também os coloca em maior risco de contaminação, adoecimento e óbito”, diz Alexandre da Silva, professor da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
De fato, isso se traduz nos números: entre os profissionais de enfermagem brasileiros, 42,3% são brancos e 53% pretos e pardos, de acordo com a Pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil, de 2013, feita pela Fiocruz em parceria com o Conselho Federal de Enfermagem. O levantamento inclui técnicos de enfermagem, auxiliares e enfermeiros.
Falta de dados
Os levantamentos feitos pelos órgãos de controle na área da saúde em governos e municípios ainda apresentam inconsistências. Faltam dados importantes para esclarecer ainda melhor a localização geográfica dos negros vítimas do coronavírus, por exemplo. Pra se ter uma ideia, pelo menos 6.245 pessoas que morreram por Covid-19 no Brasil não tiveram a variável raça/cor registradas ou isso não foi incluído na análise do Ministério da Saúde.
Brancos se recuperam mais
O Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS), grupo de estudos formado por pesquisadores da PUC-Rio, Fiocruz e Grupo DOR, passou a analisar mais de perto essa desproporção. No último dia 21 de maio eles identificaram uma proporção maior entre recuperados brancos. Basicamente, entre os negros, foram 8.963 casos e 4.910 acabaram não resistindo à doença. Já entre os brancos, as mortes foram menores, 3.788, mas com um maior número de casos: 9.998. A chance de recuperação entre brancos é de 62% e entre negros de 45%. Ou seja, a chance de um negro morrer por coronavírus é 38% maior do que a de um branco com a doença.
SP: maior desigualdade
A alta-comissária da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, afirmou que, no Estado de São Paulo, as pessoas negras têm 62% mais chances de morrer de Covid-19 do que as brancas.
Especialistas em saúde ouvidos pela CNN alegam que o impacto da doença na comunidade negra já estava previsto justamente pela desigualdade do Estado. Epicentro da doença, a capital paulista é a cidade com maior número de mortos por Covid-19 na América Latina. A ONU alertou no começo da semana que o impacto da doença será desproporcional sobre minorias raciais e étnicas.
Na última quarta-feira (3), o prefeito Bruno Covas (PSDB) também ressaltou essa diferença. “A população preta tem 37,5% mais chances de óbito do que a população branca na cidade de São Paulo. Isso acontece por duas razões básicas: eles vivem na periferia, onde a letalidade do vírus é maior, e pela prevalência na comunidade negra de comorbidades importantes como a hipertensão e a diabetes”, disse.