Cloroquina doada pelos EUA pode se tornar gasto extra para estados
Ministério da Saúde quer que governadores arquem com custo do fracionamento dos comprimidos
Doados pelos Estados Unidos e pela empresa Novartis ao Brasil para combate à Covid-19, cerca de 3 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina podem virar gasto extra para os estados em meio à pandemia.
A droga precisa ser fracionada e o Ministério da Saúde quer que governadores assumam a despesa — ou seja, o “agrado” do presidente Donald Trump a Jair Bolsonaro acabou por se tornar, na visão de gestores locais, um “presente de grego”.
Como as drogas entraram no país em frascos com 100 comprimidos, será preciso separar a dose exata indicada para pacientes do novo coronavírus — e, além disso, embalar o produto em caixa específica. O medicamento não pode ter contato com o meio externo e o processo precisa ser supervisionado por farmacêuticos.
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A sugestão para os estados assumirem custos do fracionamento foi feita em reunião na última sexta-feira (17) pela equipe do ministro interino, Eduardo Pazuello. A ideia desagradou aos secretários estaduais.
Reservadamente, os gestores dos estados lembram que a Saúde sequer deu destino para cerca de 1,2 milhão de comprimidos estocados no Laboratório do Exército. O órgão turbinou a produção da cloroquina, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, e elaborou 3 milhões de comprimidos — o último lote, de 2016, foi de 265 mil unidades.
Também incomoda os secretários estaduais a insistência do Ministério da Saúde no tratamento com a hidroxicloroquina. Na mesma data em que informou aos gestores do SUS sobre a necessidade de fracionar o produto, a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) reforçou que a droga é ineficaz para a prevenção e cura da Covid-19. “A hidroxicloroquina deve ser abandonada em qualquer fase do tratamento da Covid-19”, afirmou a entidade.
Procurado, o ministério confirmou que o medicamento terá de ser fracionado. Com base em orientação divulgada em maio pela Saúde, após Pazuello assumir a pasta interinamente, a ideia é separar caixas de seis comprimidos de hidroxicloroquina de 400 mg ou, então com 12 comprimidos de 200 mg. Trata-se da dose indicada pelo ministério para o tratamento da Covid-19. A Saúde afirma que a doação servirá para tratar 250 mil pacientes.
Questionado, o ministério não disse quanto deve custar aos estados o fracionamento da cloroquina. Segundo pessoas presentes a uma reunião sobre o tema, nem a equipe de Pazuello nem secretários estaduais sabem qual será o valor exato desse gasto.
“O ministério continua insistindo em orientações de dose e posologia do medicamento sem nenhuma comprovação e base científica. Cada vez mais vão se acumulando estudos mostrando a falta de eficácia”, afirma o médico, advogado sanitarista e pesquisador da USP Daniel Dourado. Para ele, criar uma “bula paralela” do medicamento, registrado no Brasil apenas contra doenças como malária, é uma infração sanitária.
Em nota, o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) disse que “não há racionalidade em defender o uso desses produtos dentro de uma política pública de medicamentos, muito menos para uso de forma precoce”.
A Anvisa deve aprovar nesta terça-feira (21), em reunião da diretoria colegiada, uma orientação sobre o fracionamento e a distribuição da droga.
Os 3 milhões de comprimidos foram fabricados pela Novartis, sendo que 2 milhões foram doados pelo governo de Donald Trump, em 31 de maio, e 1 milhão pela própria farmacêutica. O medicamento elaborado por essa empresa não tem registro no Brasil.
A Novartis disse que “não endossa” o uso de nenhum dos seus produtos fora das especificações, e reforça que “qualquer início e interrupção de uso de medicamentos deve ser avaliado em conjunto com um profissional de saúde”.