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    Após morte de bebê, guaranis de SP cobram medidas contra Covid-19

    Terra indígena no extremo sul de São Paulo já teve 19 casos confirmados da doença

    Imagem da aldeia de Tenondé-Porã
    Imagem da aldeia de Tenondé-Porã Foto: Divulgação/Acervo do site tenondepora.org.br

    José Brito, da CNN, em São Paulo

    A morte de um bebê indígena de um ano e a internação hospitalar de mais quatro crianças de sua família, todas com menos de seis anos de idade e confirmadas para a Covid-19, deixaram o povo guarani em luto, na terra indígena Tenondé Porã, em Parelheiros, no extremo sul de São Paulo.

    O caso ocorreu, no dia 24 de março, mas foi necessário um mês e 13 dias para os pais receberem o resultado do teste do bebê como positivo para o novo coronavírus. O povo guarani contabiliza, pelo menos, 21 indígenas confirmados para a doença nas duas aldeias da capital paulista e denuncia que há poucos testes rápidos disponíveis para conseguirem ter uma ideia real do número de infectados. 

    “Muita preocupação e medo. Estava fazendo remédio para minha sobrinha de 14 anos que deu positivo do Covid-19. As pessoas precisam saber que precisam lutar por esses que lutam há mais de 500 anos pela vida de todos”, diz a liderança indígena Jera Guarani, 38 anos, em entrevista à CNN. Ela tem mais duas sobrinhas que foram infectadas pela doença.

    A população de cerca de dois mil indígenas de Tenondé Porã, no momento, possui 19 confirmados para a doença e quatro casos suspeitos em análise. Os centros de culturas da aldeia foram isolados e transformados em 35 leitos para atender os 11 doentes no momento. Os casos mais graves são encaminhados para o Hospital Geral de Pedreira, a 35 km dali. “Temos observado que a Covid-19 tem chegado muito agressiva nas crianças. Todas que apresentaram sintomas de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) foram testadas e deram positivo para o novo coronavírus. E o quadro grave delas já induziu direto para internação no hospital.” explica a advogada Gabriela Pires, da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), uma organização indígena que reúne coletivos do povo Guarani das regiões sul e sudeste do Brasil.  

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    Segundo a bióloga Nayara Scalco, doutora especialista em saúde indígena pela Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora do Instituto de Saúde da secretaria estadual paulista, as doenças respiratórias são uma das principais causas de internações de indígenas e a realidade dessas duas aldeias é devastadora. “Estamos com um número muito alto considerando que a gente está falando de uma população circunscrita com muitos moradores por casa, muitas crianças, o que pode ter uma alta taxa de transmissão desse vírus, já que é complexo manter o isolamento”.

    Nayara alerta que é urgente investigar o comportamento da Covid-19 na população infantil das terras indígenas, porque não é comum internação e nem mortes de crianças durante a pandemia. “Quando isso começa a acontecer na aldeia, mostra um padrão de comportamento diferente da doença e isso precisa ser investigado, porque até agora a nossa atenção maior é voltada para os idosos e esse óbito tem que acender um alarme muito grande para os gestores e profissionais de saúde..

    Para a advogada do CGY, não houve uma atuação relacionada à prevenção de contágio por parte do poder público. “O que existe hoje é relacionado a contenção. Desde de o óbito desse bebê, não havia testes, máscaras e demais equipamentos de proteção individual na UBS (Unidade Básica de Saúde) que há dentro da comunidade, sendo que havia o reconhecimento do governo federal por meio de decreto de que havia uma realidade de pandemia”, disse. 

    São Paulo é a única cidade do país em que os profissionais da equipe multidisciplinar da saúde indígena são contratados pela Prefeitura e não pelo Ministério da Saúde, órgão gestor do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, e isso traz uma especificidade que torna essas aldeias diferentes das outras. “O Ministério da Saúde, na prática, não atua diretamente nas aldeias de São Paulo, por serem atendidas pelo município. Enquanto, o município faz a sua assistência sem a diferenciação necessária prevista na Lei. Fica a cargo dos indígenas pressionarem município para garantir a assistência com atenção diferenciada, como as pressões que já tiveram que ocorrer para manter a Unidade Básica de Saúde aberta na terra indígena do Jaraguá, com a equipe multidisciplinar de saúde lá”, explica Nayara.
     
    No outro extremo da capital paulista, na zona norte, a terra indígena do Jaraguá possui 180 famílias. Até a contagem feita, na última terça-feira (12), eram dois infectados confirmados e 12 casos suspeitos do novo coronavírus. Segundo a advogada, foi necessária uma representação no Ministério Público Federal, no final de abril, e uma ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União para que a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo fornecesse testes, uma equipe médica e uma ambulância à disposição por 24 horas na aldeia.   

    Ela explica que o modo de vida e as condições de infraestrutura das terras indígenas guaranis e suas aldeias é coletivo e se baseia no compartilhamento de espaços e objetos. Por isso, se faz urgente que o poder público pense e articule um plano específico para as populações indígenas e execute um. “As casas com poucos cômodos, os banheiros são coletivos, o espaço de alimentação é coletivo, a cosmologia guarani entende o mundo de forma coletiva, e isso se intensifica com a falta de saneamento básico, de água potável e de alimentos.”

    A Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) registrou nesta quarta-feira (13) 277 casos confirmados e 19 mortes pela Covid-19 nas aldeias e comunidades indígenas do país. Há um mês, eram 16 episódios e três vítimas fatais.

    A Secretaria Municipal da Saúde foi procurada pela CNN e enviou uma nota. Confira abaixo:

    A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) informa que presta assistência à saúde da população indígena aldeada da capital por meio das Unidades Básicas de Saúde Aldeia Vera Poty e Anexo Krukutu e aldeia Jaragua. As Unidades dispõem de equipes multidisciplinares, exclusivas, para o atendimento às aldeias. No dia 21 de março uma criança da Terra Indígena Tenondê-Porã, em Parelheiros,  foi internada, com suspeita do novo Coronavírus. A pasta lamenta a perda da criança no dia 24 março, com o resultado do exame liberado no dia 1 de maio pelo Instituto Adolfo Lutz, testando positivo para a Covid-19.

    Os profissionais das UBS indígenas  desenvolvem ações em parceria com as lideranças indígenas para a conscientização sobre a doença. Realizam buscas ativas de pessoas com os sintomas da Covid-19 e contribuem na redução do risco de disseminação, detecção precoce dos sintomáticos e o monitoramento dos casos suspeitos ou confirmados. Para os casos sintomáticos respiratórios, as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI) realizam durante 14 dias, o monitoramento diário dos sintomas,  fornecem máscaras descartáveis, e orientam sobre o uso e o descarte adequado e sobre a importância de limpar sempre as mãos com água e sabão.

    Atualmente, temos 24 indígenas com teste positivo para Covid-19 nas aldeias (20 da região Sul e 4 da região Norte). A Prefeitura de São Paulo implantou espaços para isolamento domiciliar temporário nos Centros de Educação CECI  na  aldeia  Jaragua, e na Aldeia Kujrutu e Tenonde em  Parelheiros  para os indígenas com suspeita de COVID 19 com sintomas leves e contam com acompanhamento médico e de enfermagem durante 24 horas.

    A Secretaria iniciou a realização do exame para COVID-19 em todos os indígenas aldeados, já foram realizados 252 exames na Aldeia de Parelheiros e todos foram vacinados contra a gripe. Da mesma forma, acontecerá na aldeia do Jaraguá.