Fechar ou não as escolas: qual o momento ideal e de quem é essa decisão?
Especialistas concordam que, diante de um colapso na saúde, crianças devem ficar em casa. Mas só isso não basta
Começaram nesta segunda-feira (15), no estado de São Paulo, as restrições mais rígidas à circulação de pessoas. Escolas estaduais foram fechadas e, na quarta-feira (17), por determinação da Prefeitura da capital, as aulas presenciais da rede municipal serão suspensas. Em todo o mundo, discussões sobre instituições de ensino abertas permeiam a sociedade desde o início da pandemia. Afinal, há o momento certo de abrir e fechar as portas das escolas? Se a resposta for sim, quando fazê-lo?
No Brasil, especialistas concordam que, enquanto serviço essencial para a infância, a escola deve ser a última atividade a fechar e a primeira a reabrir. Mas, com a explosão no número de casos de Covid-19, novas variantes e maior risco de contágio, associados ao iminente colapso do sistema de saúde, caminha-se para um consenso de que é hora mesmo de fechar.
O que se sabe até aqui, com base em estudos científicos e na experiência de outros países, é que as escolas não são consideradas um ambiente potencialmente perigoso na transmissão do vírus, especialmente entre as crianças – desde que respeitados os protocolos de higiene, uso de máscara e distanciamento.
O problema é que agora, com alta circulação do vírus e alta taxa de transmissão na comunidade, isso naturalmente vai se refletir em mais contaminações nas escolas. Como manter as escolas abertas com segurança em um cenário com mais de 2.000 mortes e média de 70 mil casos novos por dia?
“Quando as escolas deviam estar abertas, elas ficaram fechadas. Hoje, o cenário é catastrófico e exige medidas extremas. Recomendamos o fechamento das escolas não porque elas sejam um local perigoso, mas porque é preciso reduzir a circulação e a exposição de pessoas”, afirma Marco Aurelio Safadi, professor da Santa Casa de São Paulo e presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
De quem é a decisão?
A falta de uma diretriz do governo federal sobre o tema causa mais confusão. Para Safadi, o cenário de caos é nacional porque não há nenhum Estado com a pandemia controlada e com situação confortável.
O Ministério da Educação (MEC) informou, em nota, que criou o Comitê Operativo Emergencial (COE) para discutir e coordenar as medidas de combate aos efeitos da pandemia na educação. O grupo é composto por todas as secretarias vinculadas do MEC, além de representações das universidades, institutos federais e das secretarias estaduais e municipais de educação.
A pasta ressalta, porém, que o retorno ao ensino presencial “obedecerá aos critérios e decisões que respeitem o pacto federativo, a autonomia dos entes federados na gestão de suas redes escolares e as diferentes condições sanitárias dos Estados e municípios”.
Assim, há diferentes decisões em cada região do país. No Distrito Federal, na Bahia e no Amazonas, por exemplo, as aulas presenciais estão suspensas e o ano letivo já começou de forma remota. Em Santa Catarina, o governo estadual publicou um decreto considerando a educação serviço essencial e as aulas presenciais nas escolas estaduais foram retomadas no dia 18 de fevereiro – elas podem seguir o modelo 100% presencial, misto ou remoto. No Rio, as aulas da rede estadual estão sendo oferecidas em todas as escolas, exceto nas unidades de municípios que suspenderam as aulas presenciais por decreto.
Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) antecipou o recesso escolar e anunciou a suspensão das aulas presenciais em todas as escolas estaduais até o dia 28 de março. As unidades permanecerão abertas apenas para entrega de merenda e de chips para acesso à internet. Para as escolas municipais e particulares, o governo estadual apenas fez uma “recomendação” de que respeitassem o limite de 35% dos alunos por dia, priorizando os filhos de profissionais que atuem em áreas essenciais.
Na última sexta-feira, o prefeito Bruno Covas (PSDB) suspendeu as aulas na rede municipal e particular a partir desta quarta-feira (17). A Prefeitura também antecipou o recesso, e as crianças deverão voltar para a escola apenas no dia 5 de abril, após o feriado da Semana Santa.
A rede privada não poderá dar aulas presenciais nesse período, mas poderá optar por manter o ensino remoto em vez de antecipar o recesso. O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (Sieeesp) informou que irá avaliar o decreto antes de decidir como prosseguir.
O pediatra e sanitarista Daniel Becker, um dos coordenadores do movimento Lugar de Criança é na Escola, que reúne cerca de 400 pediatras e a sociedade civil em apoio à reabertura das escolas, reconhece a gravidade do cenário atual e concorda que, em casos excepcionais, faz sentido que as escolas sejam provisoriamente fechadas. Para ele, no entanto, as decisões precisam ser pontuais e levar em consideração a realidade de cada local.
“Se as autoridades sanitárias avaliam que estamos numa fase de altíssima transmissão e alto risco de contaminação, faz sentido fecharmos as escolas. Nada é maior do que o valor da vida. Mas elas só devem fechar quando todo o resto for fechado. Fechar escola antes de fechar igreja e bares, por exemplo, é inadmissível como política de combate à pandemia, porque você comete um crime contra a infância”, afirmou o pediatra.
Muito além das salas de aula
Também defensor das escolas abertas, o médico epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP, admite que o atual momento exige decisões mais rígidas e que desestimulem as pessoas a saírem de casa. Na avaliação de Lotufo, além de fechar comércio, igrejas e escolas, o governo deveria limitar a circulação em rodovias para evitar que as pessoas viagem para o litoral ou para o interior na Páscoa.
“Se tivéssemos tomado medidas mais restritivas há algumas semanas, talvez não precisássemos fechar as escolas hoje. Se com essa medida a gente conseguir não aumentar o número de casos novos já será um ganho e tanto”, afirmou Lotufo.
O Observatório Covid-19 BR, formado por 85 pesquisadores ligados a 28 instituições nacionais e internacionais, entre elas USP, Unesp, Unicamp, Fiocruz, Universidade de Berkeley e Universidade da Califórnia, monitora a evolução da pandemia no Brasil e no mundo. No último dia 9, o grupo emitiu uma nota técnica em que defende a interrupção das aulas presenciais nas escolas nesse momento em razão do alto risco de contágio.
Segundo Lorena Barberia, professora do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisadora do Observatório, os governos não podem isolar a situação da escola do contexto local. “Num cenário em que a transmissão entre a comunidade é alta, alunos, professores e funcionários têm maior probabilidade de irem para a escola contaminados”, diz a pesquisadora, destacando que o problema do ambiente escolar é que as pessoas permanecem muito tempo juntas em locais nem sempre muito arejados. Para Lorena, a única maneira de reduzir esse efeito seria por meio de protocolos rígidos de testagem, rastreamento de contatos e isolamento de casos suspeitos.