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    França manteve salas de aula abertas ‘a qualquer custo’ e houve consequências

    Em uma escola em Paris, cerca de 20 alunos perderam parentes para a Covid-19; nenhuma das mortes é comprovadamente ligada às aulas

    Cartaz na escola Eugene Delacroix que diz "Campus = Vírus"
    Cartaz na escola Eugene Delacroix que diz "Campus = Vírus" Foto: Saskya Vandoorne/CNN

    Saskya Vandoorne, da CNN, em Paris

    Grace estava cheia de esperança ao entrar na reta final do ensino médio. A jovem de 16 anos estava a dois anos de se formar e queria deixar seus pais orgulhosos – especialmente seu pai.

    “Eu disse a ele que o amava e que sempre daria meu melhor”, contou Grace.

    Esta seria a última promessa que ela faria ao pai, intubado em uma UTI para pacientes com Covid-19. Ele morreu no dia seguinte da conversa dos dois, 9 de abril do ano passado, no auge da primeira onda na França.

    O mundo de Grace caiu. Ela disse à CNN que tinha medo de voltar a estudar em Seine-Saint-Denis, bairro na região nordeste de Paris que foi duramente atingido pela pandemia em setembro de 2020.

    Quando ela voltou, a escola ainda estava como ela lembrava. Mas para Grace (que não quis que seu sobrenome fosse publicado para proteger sua família) nada era como antes.

    A estudante estava preocupada que os colegas iriam tratá-la de maneira diferente, e ficou surpresa quando uma de suas colegas lhe confidenciou que ela também tinha perdido o pai para a Covid-19.

    Ao todo, pelo menos 20 alunos de seu colégio, o Eugene Delacroix, nas proximidades de Drancy, perderam um parente para o vírus em 2020, de acordo com a prefeitura.

    Nada sugere que as mortes foram causadas por infecções ocorridas na escola. Mas a CNN conversou com alunos da Eugene Delacroix, que afirmam compartilhar um peso em comum: o medo de levar a Covid-19 para casa e infectar um ente querido.

    A escola Eugene Delacroix em Drancy, um subúrbio em Paris
    A escola Eugene Delacroix em Drancy, um subúrbio em Paris
    Foto: Saskya Vandoorne/CNN

    Política de escolas abertas

    Fora uma curta suspensão das aulas logo no início da pandemia, a França fez de sua política de escolas abertas um motivo de orgulho em nome da reabertura da economia e da prestação de um serviço social, com alguns pais e mães contando com a merenda escolar para alimentar seus filhos.

    A convicção declarada do governo é que os benefícios da abertura de escolas superam em muito o custo.

    “Não vamos nos esquecer do que nos dá orgulho. Nenhum outro país da União Europeia deixou suas escolas abertas tanto quanto a França”, tuitou o ministro francês encarregado dos Assuntos Europeus, Clement Beaune, em março passado, um dia antes da Itália fechar suas escolas novamente devido ao aumento das infecções.

    A França fechou suas escolas por um total de 10 semanas desde o início da pandemia – uma das taxas mais baixas da Europa, segundo dados da UNESCO, em comparação com 35 semanas na Itália, 28 na Alemanha e 27 semanas no Reino Unido.

    Durante a primeira onda da pandemia em 2020, o governo fechou escolas em março, antes de reabri-las gradualmente em maio e junho.

    “Precisamos que as crianças voltem às aulas porque há o perigo de ficarem para trás, surgirão lacunas no aprendizado e as desigualdades educacionais serão exacerbadas”, afirmou o presidente francês Emmanuel Macron a jornalistas durante uma visita a uma escola em um bairro a noroeste de Paris, em maio do ano passado.

    Em setembro, o retorno às aulas tornou-se obrigatório para os mais de 12 milhões de alunos na França. Os maiores de 11 anos deveriam usar máscara, as salas de aula deveriam ser ventiladas e o distanciamento social era praticado nos corredores e cantinas.

    Colleen Brown
    Colleen Brown leciona inglês na Eugene Delacroix. Ela diz que as salas de aula francesas ficaram abertas ‘a qualquer custo’ durante a maior parte da pandemia.
    Foto: Saskya Vandoorne/CNN

    Nem todas as escolas foram capazes de respeitar os protocolos de segurança, especialmente aquelas em bairros mais pobres.

    Colleen Brown, que dá aulas de inglês na Eugene Delacroix para salas com 30 crianças, disse que as restrições eram impossíveis de serem implementadas no início do ano letivo. As janelas não abriam, algumas crianças tiravam as máscaras, faltava pessoal de limpeza e quase não havia testes para o vírus.

    “A França pode ter sido excepcional porque manteve as escolas abertas a qualquer custo, mas não foi nada disso no financiamento das escolas para que pudessem fazer isso com segurança”, disse Brown.

    Apesar dos apelos de Brown e do medo de entrar no prédio todos os dias, ela disse que pouco foi feito em termos de medidas de proteção: as queixas que ela e outros professores fizeram aos responsáveis pela escola em janeiro não surtiram efeito nenhum.

    A CNN entrou em contato com o conselho escolar de Creteil, que supervisiona a escola Eugene Delacroix, mas não recebeu uma resposta.

    O ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer, disse à CNN que reconhecia que as políticas colocadas em prática não foram perfeitas.

    Pedidos de fechamento

    Enquanto isso, no Reino Unido, a maioria das crianças estava tendo aulas em casa após o governo impor um lockdown nacional e as escolas serem fechadas, enquanto a B.1.1.7, uma variante mais contagiosa identificada pela primeira vez naquele país, se disseminava.

    Quando a variante chegou à França e suas escolas, o movimento popular “Stylos Rouge” (Canetas Vermelhas), composto de 72 mil profissionais da educação, processou Blanquer. Em março, eles o acusaram de não proteger os professores em contato próximo com crianças “que espalham o vírus”.

    Em nenhum outro lugar essa disseminação foi mais sentida do que em Seine-Saint Denis, então a região mais atingida na França, de acordo com o Ministério da Saúde do país.

    No auge da terceira onda, conforme os casos começaram a aumentar em Eugene Delacroix, um total de 22 salas tiveram de ser fechadas após alunos e professores testarem positivo para a Covid-19, segundo o sindicato dos professores. A política anterior do governo era que três alunos precisavam apresentar um teste positivo para que uma classe fosse colocada em quarentena. Isso foi reduzido para um aluno em março de 2021.

    O sindicato dos professores enviou uma carta aberta a Macron e Blanquer criticando a situação atual e pedindo o “fechamento imediato e temporário do colégio”. A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que está de olho em uma candidatura à presidência em 2022, reverberou o apelo e pediu que as escolas da capital fossem fechadas para controlar a propagação do vírus, mas nenhuma ação foi tomada.

    Sala de aula fechada no subúrbio de La Courneuve
    Sala de aula fechada no subúrbio de La Courneuve, em Paris
    Foto: Martin Bureau/AFP/Getty Images

    Blanquer defendeu sua política de escolas abertas para a CNN, dizendo ainda que fez uma escolha a favor das crianças e de seu futuro.

    “Era necessário que as crianças frequentassem as escolas, não só por causa da educação e do aprendizado, mas também pela interação com outras pessoas e por motivos psicológicos e de saúde”, disse Blanquer. “É em momentos de crise que mostramos nossos verdadeiros valores, e o que realmente importa para nós é a escola. Por isso, esta crise pode ser um enorme desafio para todos nós, pois há muitos obstáculos para o futuro, mas também é uma oportunidade para termos mais consciência do que realmente importa”.

    Essa estratégia se refletiu na decisão da Macron de adiar um lockdown mais rígido no início de 2021. Ele disse que o país precisava considerar o impacto sobre a saúde mental e a economia ao implantar uma resposta equilibrada à terceira onda.

    Contudo, entre janeiro e março, o medo de pegar a Covid-19 passou a fazer parte da vida escolar dos 2,4 mil alunos da Eugene Delacroix, disseram alguns alunos. Depois de perder o pai, Grace tinha medo de levar o vírus para casa.

    “Não estava preocupada em pegar o vírus, mas e se eu pegasse e levasse para casa, e passasse para um primo ou sobrinho? Eu ficaria péssima, mesmo sabendo que a culpa não era minha”, disse Grace.

    Maëlle Benzimera, 17, que frequenta o colégio Eugene Delacroix e mora com seus pais, irmão e irmã, disse que também estava preocupada em contaminar seus entes queridos.

    “Sei que se eu pegar o vírus, vou ficar um pouco doente, mas não vou ficar tão doente para ir para o hospital. Agora, se meus pais ou avós pegarem o vírus, sei que eles podem ser internados ou morrer”, disse Benzimera. “Tenho tido muito medo desde setembro.”

    Vacinas para professores

    Somente em abril, após ser confrontado por um aumento nas infecções, pela disseminação desenfreada da variante detectada no Reino Unido, e por alertas de hospitais de que poderiam ter de fazer triagem de pacientes, é que Macron anunciou um lockdown parcial em toda a França.

    O presidente também ordenou que escolas fechassem por três a quatro semanas, basicamente prolongando o feriado da Páscoa. Nas semanas seguintes, as taxas de infecção entre crianças e jovens abaixo de 20 anos caíram em todo o país, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

    As autoridades afirmaram que estão fazendo tudo a seu alcance para que as escolas possam reabrir com segurança, incluindo testes de saliva e vacinas para professores com mais de 55 anos – o que representa apenas 16% de todos os professores, segundo dados do Ministério da Saúde. Os jardins de infância e escolas de ensino fundamental 1 reabriram no dia 26 de abril, e as de ensino fundamental 2 e médio, em 3 de maio.

    De acordo com o Ministério da Saúde, mais de 15 milhões de pessoas receberam pelo menos uma dose da vacina, o que corresponde a cerca de 29% da população adulta da França. Macron prometeu que “uma estratégia específica” seria implementada para os professores serem vacinados em abril, mas os abaixo de 55 anos não terão prioridade até junho.

    Alguns epidemiologistas e cientistas questionaram a política do governo de manter as escolas abertas mesmo com o aumento das taxas de transmissão.

    Eles destacaram o fato de que as crianças são claramente um vetor de transmissão, e que fechar salas quando houvesse um caso positivo não era suficiente. Para impedir a propagação, a escola como um todo precisava ser fechada.

    A epidemiologista Catherine Hill argumenta que, sem testes em grande escala, não há como saber o nível de transmissão da Covid-19 nas escolas.

    “É como tentar esvaziar uma banheira com uma peneira. Não funciona. Isso não é uma solução de jeito nenhum”, explicou Hill. “Mesmo fechando classes onde há uma criança positiva, outras crianças podem se tornar positivas a qualquer momento e você tem de fazer isso de novo. Mesmo se fizer isso com 250 mil crianças por semana, com uma população de 6,6 milhões nas escolas de ensino fundamental não se chega a lugar nenhum”.

    Com cerca de 5 mil pessoas sendo tratadas atualmente em UTIs para Covid-19 em todo o país, os professores acreditam que um retorno às aulas significa apenas uma coisa: que as taxas de infecção irão aumentar, e que eles ainda não estão protegidos.

    Blanquer admite que a situação nas escolas “não tem sido perfeita”, mas disse que, em última análise, fornecer educação às crianças é uma meta de longo prazo que o governo não estava pronto para abrir mão.

    Antonella Francini contribuiu para esta reportagem.

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês aqui.)