Tolerância à violência policial é face do racismo estrutural, diz defensor
O defensor ainda pontuou que o caso de João Pedro, que brincava com primos na casa de familiares quando foi morto durante uma ação policial, não é isolado
O defensor público Daniel Lozoya, subcoordenador de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio, avaliou a tolerância de parte da sociedade quanto à violência policial. Em entrevista à CNN, nesta quarta-feira (3), Lozoya disse que essa aceitação reflete o racismo estrutural que, caso não seja combatido, causará mais mortes de crianças, jovens e adultos negros.
“Em primeiro lugar, a gente precisa mudar nossas posições. Não haverá mudanças se não mudarmos nossas atitudes. De certa forma, existe uma tolerância por parte da sociedade e mesmo das autoridades com relação ao uso excessivo da força policial. Isso, muitas vezes, é camuflado com base em um discurso de que a polícia está sendo dura com o crime, quando, na verdade, isso representa a face mais brutal desse racismo estrutural e institucional”, avaliou ele.
Lozoya ainda reforçou que “a polícia deve agir de acordo com a lei e os protocolos” e não decidir quem deve morrer. “Três dias antes da morte do menino João Pedro, houve uma chacina no Complexo do Alemão em que a ação da polícia resultou na morte de 12 pessoas. As autoridades policiais vieram a público dizer que não morreram inocentes, como se fosse lícito a polícia matar quem ela não considera inocente”, afirmou.
“Não podemos admitir ou tolerar esse tipo de tensão tão violenta, pois isso, inevitavelmente, ocasionará a morte de mais João Pedros, Ágathas, Marcos Vinícius e tantas outras pessoas que são violentadas”, acrescentou.
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O defensor ainda pontuou que o caso de João Pedro, que brincava com primos na casa de familiares quando foi morto durante uma ação policial, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, não é isolado. “Ano passado tivemos casos de crianças mortas durante ações da polícia. Mesmo que o tiro não tenha partido da arma de um policial, o fato é que uma operação policial desencadeou o tiroteio, e isso culminou no risco e na morte de crianças”, avaliou.
Para o subcoordenador de Direitos Humanos, uma ação que pode promover mudanças estruturais nesse campo é a aprovação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 635), que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e postula uma série de providências com objetivo de reduzir a letalidade policial e controlar a violação de direitos.
“Tais como a implementação de um plano de redução de letalidade, [é necessário fazer] a elaboração de protocolos públicos sobre o uso da força – para que seja proporcional e legítima –, o controle do uso dos helicópteros, que é uma situação bizarra no Rio de Janeiro quando são usados com plataforma de tiros em favelas, e a revogação de um decreto que retirou a gratificação remuneratória pela redução da letalidade policial”, detalhou.
Direitos humanos
Questionado sobre as interpretações equivocadas a respeito da definição de direitos humanos, Lozoya ainda explicou o conceito básico e destacou o uso político dessa fala.
“Direitos humanos são os mais elementares, básicos e fundamentais da pessoa humana. Na verdade, ninguém é contra os direitos humanos, mas contra determinados grupos”, analisou. “Isso procura, na verdade, ocultar um discurso de discriminação e negação de direitos, mas infelizmente traz muitos votos e interesses eleitorais por trás dele”, acrescentou.
O defensor público ainda classificou que trata-se de uma “visão pejorativa dos direitos humanos”. “Como se fosse somente proteção a criminosos ou pessoas que estão agindo errado, e isso não é verdade. Os direitos humanos são para todas as pessoas”, lembrou.
“O fato de ele ser garantido a pessoas acusadas de crimes significa que eles são tão importantes e fundamentais que não podem ser negados a qualquer pessoa. Eles não são entraves à atuação da justiça, mas parâmetros de legitimidade dessas atuações”, concluiu Lozoya.
(Edição: Bernardo Barbosa e Sinara Peixoto)