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    PEC do Plasma prevê venda de parte do sangue humano; projeto divide o Senado

    Proposta seria analisada na CCJ na quarta-feira mas teve votação adiada em busca de texto consensual

    Flávio Ismerimda CNN , São Paulo

    Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apresentada pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS), que prevê a autorização da coleta remunerada e comercialização de plasma sanguíneo, tramita no Senado Federal.

    A PEC 10/2022 está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da casa alta do Congresso Nacional e tem dividido a opinião dos senadores por propor a alteração do trecho da Constituição Federal que veda “todo tipo de comercialização” de “órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante” ou na “coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados”.

    Na justificativa apresentada aos colegas senadores, Trad cita o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público (MP) para justificar a tese de que milhares de bolsas de plasma são desperdiçadas no Brasil.

    “De fato, desde 2017, segundo o TCU e o MP, foram perdidos 597.975 litros de plasma no país, o que equivale ao material coletado em 2.718.067 doações de sangue”, afirma o senador.

    Proposta divide o Senado

    Daniella Ribeiro (PSD-PB), relatora do projeto, acolheu emendas na PEC que autorizam a comercialização do plasma humano para uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias, produção nacional e internacional de medicamentos hemoderivados.

    A senadora quer que o projeto atenda à demanda do setor de biotecnologia e diminua a dependência da importação de medicamentos que atendem pacientes hemofílicos e com outras doenças relacionada à coagulação sanguínea.

    Segundo Daniella, a Hemobrás, estatal responsável pelo processamento e distribuição de hemoderivados e única empresa autorizada a fazer isso no país, não consegue suprir a demanda da população. 

    “Não há motivos para que o país não abra o mercado para a iniciativa privada, desde que o SUS seja preferencialmente o primeiro atendido”, afirmou a senadora.

    A proposta divide opiniões no Senado e teve sua apreciação na CCJ, que estava marcada para quarta-feira (13), adiada. Daniella e também parlamentares contrários ao texto pediram mais tempo para a análise do mérito e falaram em buscar um texto consensual.

    “Especialistas têm alertado que essa PEC representa uma séria ameaça a toda a política nacional do sangue, pois cria um precedente perigoso ao permitir a comercialização de um hemocomponente vital. Isso nos faria regredir para tempos sombrios, como a década de 70, quando os mais pobres e vulneráveis vendiam sangue, uma prática indigna e desumana”, declarou o senador Paulo Paim (PT-RS).

    Ministério da Saúde: Iniciativa privada deve se submeter à regulação pública

    A CNN ouviu o Ministério da Saúde sobre a PEC que polarizou a CCJ. A pasta vê com cautela a proposta e se coloca contrária “à remuneração, compensação ou comercialização na coleta de sangue, ou de plasma”.

    “Isso desestruturaria a política nacional de sangue, referência mundial pela sua excelência e capacidade de atender a todos os brasileiros”, afirma o Ministério em nota.

    O trecho da PEC que falava em remunerar a coleta já foi descartado do texto que será recomendado no parecer da relatora. No relatório, Daniella sinalizou a apresentação de um outro projeto que regulamente a questão.

    A pasta chefiada por Nísia Trindade não se opõe à entrada da iniciativa privada no processamento e comercialização de plasma humano, mas impõe a ressalva de que sua atuação deveria priorizar o atendimento ao SUS, ser submetida à regulação do Poder Público, e se limitar ao transporte, armazenamento e processamento do plasma.

    “Ao atuarem nas etapas de logística e produção, junto à Hemobrás, as empresas podem contribuir para aumentar a capacidade e promover o desenvolvimento do setor no Brasil, com geração de emprego e renda, sem ferir o interesse público e a autonomia nacional.”

    Quem corrobora com esse ponto de vista é Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH). Procurada pela CNN, a entidade afirmou em nota que aprova a mudança que inclui a iniciativa privada na comercialização de fracionamento industrial do plasma humano excedente, mas faz ressalvas à coleta remunerada.

    “Entendemos que o excedente atual de plasma proveniente de doação voluntária de sangue não é devidamente aproveitado, corroborando para a não liberação desta
    prática no Brasil”, diz a nota.

    Posicionamento da Hemobrás

    A Hemobrás, acusada de ser incapaz de suprir à demanda nacional pela relatora da PEC, emitiu uma nota sintetizando seu posicionamento sobre a proposta. A empresa defende a ampliação de sua atuação e uma maior integração dos bancos de sangues públicos e privados para que a demanda do SUS seja atendida com mais efetividade.

    Para ela, não há garantia de que a entrada da iniciativa privada vá, de fato, resultar em ganhos para o mercado nacional ou em maior efetividade no abastecimento do sangue. A Hemobrás afirma que os preços do plasma seriam regulados pelo mercado internacional, que hoje é pautado pela escassez do material — o que elevaria os preços praticados pela iniciativa privada.

    A estatal defende, ainda, a destinação de R$ 795 milhões em investimentos do PAC-Saúde para sua fábrica de hemoderivados com o objetivo de ampliar sua capacidade de produção e abastecimento do SUS.

    Rebatendo o autor do texto, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), a Hemobrás diz que “nunca desperdiçou plasma” e acusou o setor privado de oferecer resistência na disponibilização do item excedente.

    “Não há plasma sobrando no Brasil e no mundo, o que existem são hemocentros públicos que precisam ser fortalecidos e os serviços de hemoterapia privados precisam repassar o plasma conforme a lei”, afirma a nota.

    Em nota, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) reforçou seu posicionamento contra a aprovação da PEC do Plasma.

    O texto afirma que a CNS já enviou à CCJ do Senado um documento em que o Conselho se manifesta contrariamente à atividade privada na coleta e processamento de plasma humano e também a mercantilização do sangue.

    A recomendação, segundo a CNS, ainda ressalta a importância da promoção e do fortalecimento da Coordenação Nacional de Sangue e de Hemoderivados (CNSH), órgão do Ministério da Saúde encarregado da execução da política de atenção hemoterápica e hematológica, conforme a Lei nº 10.205/2001 (Lei do Sangue).

    “Vale ressaltar que a Constituição Federal proíbe todo o tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas. A PEC altera o artigo 199 da Constituição, que dispõe sobre as condições e os requisitos para coleta e processamento de plasma para permitir que isso seja feito pela iniciativa privada. Atualmente a coleta e processamento de conteúdo sanguíneo fica a cargo da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás)”, reforça o texto.

    *Com informações da Agência Senado

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