Aulas online com o mesmo valor da presencial incomodam universitários
Ministério da Educação autoriza aulas a distância enquanto durar a pandemia
Sai a sala de aula, entra a sala de casa. Sai a interação com o colega de mesa ao lado, fica a solidão do computador. É assim que muitos estudantes de faculdades particulares estão tendo aulas durante a quarentena que governos estaduais e municipais decretaram para conter a disseminação do novo coronavírus.
Mas não ter aula presencial não é o que mais incomoda os universitários, mas sim o preço das mensalidades, já que a maior parte das instituições que implantaram o ensino a distância continuam cobrando o mesmo valor de antes.
A estudante de educação física da Universidade Paulista (Unip) Nathalie Diniz Serra Kato diz não achar justo pagar o valor integral da mensalidade. “A faculdade está cobrando o valor da mensalidade integral, de aula presencial, que é muito mais cara que as aulas EAD [a distância], mas só estamos tendo aulas online. Vários alunos do meu curso são autônomos, assim como eu, e não temos condições de pagar esse valor de mensalidade”, disse.
A estudante de jornalismo Ana Claudia Sandoval, da faculdade Anhembi Morumbi, também reclama da postura da instituição de ensino. “É uma falta de compreensão muito grande cobrar o valor da mensalidade presencial enquanto estamos tendo aulas a distância. Especialmente porque a maioria dos alunos está tendo problemas financeiros para arcar com os custos do curso, como é o meu caso, que tive meu salário reduzido, e o do meus pais que me ajudam. Se nada mudar, a única opção é trancar a faculdade”, contou.
De acordo com Celso Niskier, presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), que representa cerca de 1.500 instituições de ensino superior em todo o Brasil, as faculdades não tiveram redução de custos sem as aulas presenciais.
“As instituições têm feito mais investimentos tecnológicos para dar conta deste momento atípico pelo qual passa o mundo em função do novo coronavírus. O que está sendo adotado no momento por boa parte das faculdades, em caráter emergencial, são aulas remotas ministradas, em sua maioria, no mesmo horário convencional da aula presencial, por professores e não por tutores, usando recursos tecnológicos”, disse.
“Dessa forma, as instituições arcam não somente com a manutenção do quadro acadêmico, como também com investimentos para a ampliação tecnológica, de modo a possibilitar a continuidade do conteúdo e para que não haja perda de aprendizagem para o estudante”, explicou.
Para o Procon, que seguiu a orientação da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, durante a quarentena as faculdades têm duas opções: oferecer aulas presenciais em período posterior (com a consequente modificação do calendário de aulas e de férias), ou oferecer a prestação das aulas na modalidade a distância, garantindo o cumprimento nos termos da legislação vigente do Ministério da Educação, que prevê carga horária mínima e cumprimento do conteúdo estabelecido.
Procurado pela reportagem da CNN, o Ministério da Educação informou que
editou as portarias 343/2020 e 345/2020 que autorizam, em caráter excepcional e temporária, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação enquanto durar a situação de pandemia. A pasta reforçou que não está sendo proposto alterar de maneira definitiva a modalidade de ensino presencial para a modalidade a distância.
O Ministério da Educação disse que o aluno que se sentir prejudicado pode buscar auxílio junto aos órgãos de defesa do consumidor. Já no caso dos universitários de cursos como de Medicina e os que têm disciplinas em laboratório, a pasta diz que cada instituição de ensino superior deverá definir, com base em sua autonomia, como serão realizadas as eventuais reposições de aulas, desde que respeitadas as diretrizes curriculares nacionais.
Desconto
Especialista em defesa do consumidor, o advogado Marco Antônio Araújo Junior disse
que não há na lei nenhum percentual previsto de desconto. “A negociação deve levar em consideração os prejuízos do aluno com a falta de conteúdo e a economia da instituição de ensino. Tem que se verificar qual alternativa a faculdade ofereceu ao aluno para substituir a aula presencial. Se a faculdade não ofereceu alternativa nenhuma, o aluno não pode ser obrigado a pagar a mensalidade na integra”, afirmou.
Para o advogado, o valor da mensalidade de cursos a distância não deve ser, necessariamente, o parâmetro para o valor que as faculdades estão cobrando por aulas online.
“Os valores menores de mensalidades levam em consideração o curso todo. No caso da COVID-19, estamos falando de uma hipótese de exceção, em razão da pandemia, que deve perdurar por um, dois ou, no máximo, três meses”, explicou.
Posicionamento das universidades
Questionada sobre a possibilidade de negociar o pagamento das mensalidades, a Anhembi Morumbi enviou uma nota para a reportagem.
“Esclarecemos que não haverá alteração no valor das mensalidades em função das aulas serem ministradas temporariamente de forma remota (ao vivo). É importante explicar que as aulas presenciais não foram substituídas por aulas online/EaD, mas, sim, por aulas remotas (ao vivo), a partir de meios e tecnologias de informação e comunicação que ocorrem por vídeo conferência, por meio do recurso Collaborate da plataforma Blackboard. Ressaltamos que são dois formatos diferentes de ministração de aulas: uma das principais diferenças é que, nas aulas online/EaD, os estudantes interagem de forma assíncrona com professores/tutores para o esclarecimento de dúvidas”, diz a universidade.
“Já as aulas remotas ocorrem ao vivo, no mesmo dia e horário das aulas presenciais e com o mesmo professor que ministra a disciplina presencialmente. Neste modelo, a interação do estudante com o professor acontece por meio do Collaborate, plataforma para aulas ao vivo, exatamente como acontece nas aulas presenciais. Vale lembrar que a adoção das aulas remotas aconteceu em função da pandemia mundial de COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus. Além de seguir as recomendações do Ministério da Saúde e de todos os demais órgãos governamentais, essa decisão foi tomada tendo como base o nosso comprometimento com a saúde, a segurança e o bem-estar da nossa comunidade acadêmica”, complementa o comunicado.
Procurada, a UNIP ainda não se pronunciou.