Mercado ilegal promove festas clandestinas com requintes profissionais em SP
Um mercado ilegal tem se aproveitado da proibição de eventos imposta na quarentena para lucrar em plena pandemia do novo coronavírus. Os eventos têm modo de divulgação próprio, esquema clandestino de venda de ingressos e estratégias para despistar a fiscalização. Os ingressos chegam a R$ 500.
Ao longo das últimas semanas, a reportagem da CNN mapeou esses eventos e falou com os organizadores e frequentadores deles para entender a dinâmica de funcionamento desse mercado ilegal que foi criado no estado de São Paulo.
Há dois tipos de eventos. Parte deles acontece na própria cidade de São Paulo, em rooftops, buffets e espaços fechados. Só entra quem tiver ingresso e não há venda na porta. Há locais recebendo essas festas na zona norte, na região do Ibirapuera e às margens da Marginal Pinheiros, uma das vias mais movimentadas da capital paulista.
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Em alguns desses eventos, o ponto de encontro é um estacionamento ou um posto de gasolina onde uma van busca os convidados e leva até o local. Frequentadores dizem que a intenção é esconder o endereço e evitar muitos carros estacionados em frente ao local da festa, para despistar as autoridades.
Um outro tipo de festa clandestina acontece em sítios, chácaras e casas de campo ou próximas de represas alugadas especialmente para receber convidados. Nelas há com consumo de álcool, pista de dança e DJ. Em parte desses eventos é permitido acampar e há o “open cooler”, permissão para levar uma geladeira de bebidas e consumir sem precisar pagar a taxa de “rolha”, cobrada de quem costuma levar bebidas próprias para bares e restaurantes.
Nesse caso, são escolhidas cidades próximas à capital paulista, como Mairinque, Embu-Guaçu, Santa Isabel, São Bernardo do Campo, Arujá e Suzano.
Divulgação por WhatsApp
Para divulgar os eventos, os organizadores criam grupos de WhatsApp em que são incluídos apenas convidados. Por lá informam os detalhes de cada festa. Nas mensagens interceptadas pela reportagem da CNN há anúncios com o número de DJs, as bebidas inclusas, os valores e as regras para participar.
Mensagens padronizadas elencam atrações como piscina aquecida, narguilé liberado, 10 DJs, painel de led, quartos compartilhados, banda ao vivo, “vista incrível”, equipe de limpeza, segurança e até ambulância disponível. “Temos experiência com festas eletrônicas e eventos, proporcionaremos a MELHOR festa desta quarentena, então venha fazer parte do nosso time”, diz uma dessas mensagens.
As postagens de divulgação também trazem links para entrar nos chats e o contato dos organizadores e promotores das festas. A única informação ocultada dessas mensagens é o endereço. “Então, o endereço a gente vai divulgar só no dia, mas não é longe, é 20 minutos do Shopping Center Norte, é logo depois de Guarulhos”, disse a promoter de uma dessas festas à reportagem da CNN.
Ingressos chegam a R$ 500
O valor dos ingressos para essas festas varia muito. As mais baratas custam cerca de R$ 50. Boa parte tem entrada gratuita para mulheres, como uma espécie de atração para homens pagantes – medida já vetada pela Justiça de São Paulo, inclusive. Em uma dessas festas, a promoter ofereceu um camarote para dez pessoas por R$ 3 mil, com R$ 500 para consumação.
Festas com acampamento e permissão para instalação de barracas cobram dos frequentadores de R$ 120 a R$ 250. Já as festas fechadas em espaços com funcionamento clandestino na capital paulista cobram até R$ 500 dos participantes.
A reportagem da CNN conversou com os organizadores dessas festas. Um deles tenta explicar pelo telefone a realização de um evento com mais de 40 pessoas em uma chácara em uma terça-feira de julho. A festa foi batizada de “Santa Terça”.
“Aglomeração é quando você faz pista de dança […] mas não teve nada disso, né? Eu só acho que vocês estão perguntando para a pessoa errada, porque foi um aniversário que chamou, realmente, ‘Santa Terça’, que teve só 50 pessoas, quarenta e poucas pessoas, que parou às 7 horas da noite”, disse ele.
Ao ser questionado se tinha consciência de que o decreto estadual impedia a realização de eventos com público e venda de convites, ele disse: “Mas pera aí, eu não vendo convite. Eu tiro o custo do que pagou. Se eu tenho ali 20 pessoas, 20 homens que pagam, que dá R$ 1 mil, você acha que uma chácara para você alugar custa quanto?”.
Punições
O Código Sanitário Estadual e o Código Penal estabelecem diferentes punições para quem organiza eventos durante a quarentena. Veja abaixo:
Código Sanitário Estadual – multa de R$ 270 a R$ 270 mil
Código Penal / Artigo 268 – ‘Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa’ – Detenção de 1 mês a 1 ano e multa
Código Penal / Artigo 330 – ‘Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa’ – Detenção de 15 dias a 6 meses e multa
A reportagem da CNN mostrou as imagens para Elaine D’Amico, coordenadora de fiscalização da Secretaria Estadual de Saúde. “[As imagens] me preocupam e me surpreendem. É assustador pensar que nesse momento isso possa acontecer”, reagiu ela.
A coordenadora explica que o decreto não prevê número máximo de público, já que qualquer tipo de evento está vetado até o fim da quarentena em São Paulo, que, ao que tudo indica ainda está longe de acabar. “Não é para ter festa. Não tem máximo e não tem mínimo. É o que eu te falei: neste momento do plano estadual nenhum distrito do estado de São Paulo chegou no ponto que está liberado evento. Então qual o limite? Nenhum. Não é para ter”, diz.
Questionada pela CNN, a Polícia Militar disse que já fez 1.626 operações para coibir aglomerações no estado desde o começo da quarentena. Eles prenderam 122 pessoas e apreenderam 18 armas de fogo e 110 kg de drogas, especialmente em pancadões nas ruas.
Movimento Blocklist
Para reagir ao espalhamento das festas clandestinas no estado de São Paulo, um grupo de produtores culturais criou um movimento intitulado “Blocklist”, com um manifesto que pede consciência.
“Não realize, não apoie e nem participe”, diz a mensagem enviada ao público. O nome vem do inglês “lista de bloqueio”, e é uma alusão à medida que eles pretendem tomar: criar uma lista com todos os organizadores, DJs e pessoas que ajudam a realizar e espalhar esses eventos, para vetá-los das festas quando elas voltarem a ser permitidas.
“O setor foi o primeiro a parar e será o último a voltar. Acreditamos que essa prática de eventos clandestinos vai prejudicar muito o retorno. O ideal do movimento é coibir qualquer prática de evento clandestino e temos de informar o público o risco da disseminação do vírus em ambientes não controlados”, alegou o produtor cultural Alessandro Fernandes.