Cortella: Até que laços possam se juntar de novo, é um trauma que vamos carregar
Filósofo Mario Sergio Cortella participu do programa 'Mundo Pós- Pandemia', da CNN Brasil, e avaliou traumas da humanidade após crise de COVID-19
O filósofo Mario Sergio Cortella participou de O Mundo Pós-Pandemia.
O filósofo e doutor em Educação Mario Sergio Cortella falou sobre os traumas e efeitos positivos e negativos na humanidade após a crise da pandemia do novo coronavírus, no terceiro episódio de “O Mundo Pós-Pandemia”. Em conversa com as jornalistas da CNN Daniela Lima, Mari Palma e Thais Herédia e a comentarista Gabriela Prioli, o filósofo e educador se aprofundou em questões humanas, fatos históricos e falou sobre medos e perspectivas dos seres humanos ao atravessar este período conturbado.
Dificuldades frente ao invisível
Como a humanidade se comporta diante desse inimigo invisível? A resposta de Cortella usa analogias para tentar compreender o fenômeno. “Para nós, a simbologia do corona, como sendo uma esfera cheia de espinhos e pontas, ela é muito abstrata. Nesse sentido a humanidade tem maior dificuldade, quando o invisível salta à frente, é um fantasma, aquilo que nos assusta e exige de nós uma ação mais direta. O invisível nos ronda. Boa parte das religiões já lida com a força do invisível no sentido benéfico, agora o enfrentamento do invisível no sentido maléfico, tem também esta forma de contato e aproximação”, disse.
Lidar com a morte
Em sua participação no programa, Mario Sergio Cortella mencionou as percepções da morte e como cada comunidade lida com este fato.
“Um dos vínculos mais fortes da religião com a vida coletiva em cada comunidade humana na história se dá em algo que agora é muito impactável e, que veremos qual o nível de trauma que trará, que é a questão da morte e com o lidar com a morte, com o sepultamento, a cremação, com o consumo de parte das cinzas, como fazem algumas comunidades humanas. Se você é uma pessoa que crê que aquilo é só um corpo que ficou, que ali é só a matéria que ficou, não haveria problema em deixar os nossos mortos para trás. No entanto, nós também temos a possibilidade de olhar naquele corpo, agora exaurido de vida, e enxergar uma alma, espírito, mas que a gente não quer que se perca, dentro do mundo meramente material. Vamos ver como lidamos com as cicatrizes, e a religião pode ser um apoio, como a ciência, um apoio para a sua vida.”
Suspendendo laços afetivos, não humanitários
O distanciamento social foi abordado como uma questão a ser refletida para comportamentos futuros. “A expressão ‘ninguém larga a mão de ninguém’ agora ganha outra percepção, ninguém segura a mão de ninguém no sentido físico, para evitar qualquer eventual contágio, mas também ninguém abandona outras pessoas no sentido virtual, no sentido afetivo e humanitário. Claro que teremos no pós-pandemia, um tempo em que a outra pessoa será alguém que me fará mal, mesmo sem encostar em mim, já temos isso no dia a dia com a brutalidade e a violência, mas não com a invisibilidade. Um dos rescaldos que teremos será como nós estabeleceremos mecanismos de aproximação, teremos que balancear uma convivência no dia a dia e o espaço de cada um, até que os laços possam se juntar de novo. No momento este é um trauma que vamos carregar”, analisou Cortella.
Expectativas
“Minha expectativa é que nós vamos aprender alguma coisa, que vamos sair desta tempestade com uma percepção que a gente deve antecipar a cautela, nos organizar, porque outros momentos como este poderão vir à tona novamente, mas de modo esperado. No campo dos valores, eu tenho uma esperança ativa, de que parcela do que hoje é um movimento da convivência desejada, a expressão da solidariedade, a capacidade da compaixão, o revigoramento de uma ciência que se coloca a serviço da humanidade e não exclusivamente da atividade mercantil, por isso sim, um desejo animado que isso venha a acontecer”, comentou Cortella.
“Já a expectativa, o que aguardo, não necessariamente de uma humanidade nova, mas uma humanidade ainda assustada, ainda em estado de perplexidade, tentando entender umas coisas que só ficarão claras, talvez, em muitos anos”, finalizou.