Empresas de diretor e conselheiro de sindicato de táxi-aéreo já foram suspensas
A Rima e a Maricá Táxi Aéreo negam irregularidades
A Rima (Rio Madeira Aerotáxi Eireli) é uma das poucas empresas na região Norte do país a realizar serviços de táxi-aéreo. Tem e teve contratos com diversos órgãos federais — como Exército, Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério da Saúde e Universidade Federal do Acre (Ufac) —, estaduais, como o governo de Rondônia, além de ter recebido mais de R$ 800 mil em serviços prestados a candidatos da região — inclusive para o atual governador Marcos Rocha (PSL). Os contratos com o poder público, que existem ao menos desde 2014, somam mais de R$ 30 milhões.
O presidente da Rima, Gilberto Scheffer, também é diretor de uma entidade de táxi-aéreo, o Sindicato Nacional das Empresas de Táxi Aéreo (Sneta). No site oficial, a entidade mantém um link para denunciar a prática de táxi-aéreo clandestino. Ao clicar nele, uma imagem aparece na tela com a seguinte frase: “Táxi aéreo pirata: não embarque nesta viagem”.
Em outubro de 2019, a Rima recebeu uma suspensão cautelar por 10 dias por haver indícios de que sua operação oferecia “risco iminente”. O processo corre em sigilo. A empresa é investigada pela Polícia Civil, sob alegação de supostas irregularidades na contratação para prestação de serviços ao governo de Rondônia. A empresa sofreu mandados de busca e apreensão naquele ano. Scheffer, o diretor, foi preso na operação, mas solto dias depois.
A CNN apurou em documentos que a Polícia e a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) encontraram, em 2019, “graves indícios” de que a empresa “provia manutenção irregular em suas próprias aeronaves, ocultando da fiscalização ocorrências como panes e uso de peças clandestinas”. A afirmação aconteceu depois de as autoridades terem interceptado diálogos entre funcionários e gestores da empresa pelo Whatsapp.
Os diálogos sugeriam, segundo estes documentos oficiais, que a empresa teria planejado deslocar uma aeronave para outra cidade para que auditores da Anac não tivessem acesso para fiscalizar e “planejamento para orientar os pilotos da empresa e demais funcionários quanto à prestação de informações falsas ou ocultação de fatos relevantes aos agentes da Anac.” Funcionários também teriam dito que, se a agência soubesse da situação real das aeronaves, seria um “prato cheio” para impedi-las de voar.
A partir das mensagens obtidas pela polícia, a Anac fez uma ação fiscal na empresa em outubro de 2019 e afirmou, entre outras possíveis irregularidades, que havia manutenção de aeronaves sem autorização, “sendo de grave risco, porque se faz sem habilitação técnica e conhecimento especializado atestado e comprovado”.
Para a Anac, as provas levantadas nas investigações “não deixam dúvidas de que, para fins de majoração do lucro de suas atividades comerciais, a Rima ignorou inúmeras normas de segurança operacional, elevando conscientemente o risco de acidentes aéreos a níveis inaceitáveis, desde a manutenção até a operação de suas aeronaves”.
O órgão fiscalizador disse ainda que a empresa “exerceu práticas execráveis de violação de normas de segurança operacional e ainda buscou ocultá-las no registro de manutenção (como hipótese mais grave), valendo-se do uso de um sistema paralelo”.
Segundo a Anac, as suspensões cautelares foram retiradas ainda em outubro de 2019, quando a empresa e os pilotos apresentaram os requisitos de segurança exigidos para o retorno às operações. No mesmo período, a Rima conseguiu uma decisão judicial que impedia novas medidas cautelares vindas da agência. A Anac recorre dessa decisão “por entender fundamental sua autonomia em sanções relacionadas à segurança da aviação civil e apresentou defesa considerando o que foi identificado no momento das investigações.”
Com o andamento do processo judicial, novas provas foram obtidas em fevereiro de 2020 pelas autoridades e foi feita nova solicitação da comprovação de atendimento dos requisitos. A Rima foi notificada em abril de 2020. A Anac disse, nesta notificação, que havia “motivo bastante” para suspender o certificado da Rima, mas, que em caráter excepcional e temporário, tais medidas seriam substituídas pela notificação com obrigatoridade de saneamento dos problemas. Ou seja: neste momento, não há impedimento legal para que a Rima opere seus voos.
O motivo apontado pela agência é que a empresa presta serviços aeromédicos, que podem prevenir a morte de pessoas infectadas pelo novo coronavírus “e que por não ser possível mensurar no cenário atual se o risco de eventuais mortes de pessoas decorrentes da não prestação dos serviços aéreos seria menor que o risco de mortes de pessoas decorrentes de eventual acidente aéreo, optou-se pela substituição comunicada”.
Em nota, o Exército informou que a Rima “atendeu a todos os requisitos previstos no edital do certame, não constando no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF) qualquer das restrições previstas em legislação que a impedisse de participar do processo”. Disse ainda que a empresa “apresentou toda documentação aeronáutica exigida e emitida pela agência reguladora do Estado Brasileiro, válida e publicada nos Diários Oficiais da União nº 145, de 31 de julho de 2017, e nº 232. de 2 de dezembro de 2019”.
A Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) de Rondônia disse que não tem conhecimento das investigações e que todos os voos já contratados foram realizados. A reportagem aguarda retorno do Ministério da Saúde.
Leia todas as reportagens desta série sobre voos piratas:
Interdição de aeronaves clandestinas cresce mais de cinco vezes desde 2017
Polícia do MS descobre esquema de manutenção clandestina de aeronaves
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Piloto de celebridades é investigado por suspostos voos irregulares
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Parlamentares usaram aeronaves sem autorização para táxi-aéreo
Quase metade das aeronaves do país está impedida de voar por irregularidades
Podcast com bastidores das reportagens
Multas por irregularidades
A Anac já multou a Rima em outras oportunidades. Documentos obtidos pela reportagem apontam que, entre 2011 e 2014, a empresa e seus pilotos receberam quase 600 sanções da Anac por descumprimento de diversas regras, inclusive por prática de voo com aeronave não autorizada para táxi-aéreo, segundo a agência.
É possível que uma empresa tenha aeronaves que podem oferecer o serviço de táxi-aéreo e outras que não podem. Uma forma de garantir a legalidade da operação é checar o prefixo do voo no site da Anac.
A maioria dessas multas (422), segundo a Anac, estava relacionada ao voo irregular. Quase todas foram suspensas na Justiça. Mas segundo dados enviados pela Anac à CNN por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), houve 18 casos em que o processo transitou em julgado entre 2018 e 2019, no valor total de R$ 170 mil, que está em processo de cobrança ou inscritas no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin).
Além de possíveis riscos de segurança para os passageiros nos casos em que comprovadamente houve irregularidade, esses processos podem acarretar prejuízos ao governo e à população. A Rima admitiu, em um dos documentos enviados à Anac, que há risco de dano para a própria administração pública, que é dependente dos serviços prestados pela empresa. Destacou que a suspensão sofrida em 2019 a teria impedido de prestar serviços como de UTI aérea para o governo de Rondônia e de táxi-aéreo para um Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).
Procurada para comentar o caso, a Anac informou que só passou a contar com instrumentos de suspensão e cassação em casos de Taca (transporte aéreo clandestino) a partir de 2018, com a aprovação de uma resolução. Informou ainda que a Rima teve aplicada multa de R$ 348 mil em decisão de última instância “e o processo de apuração do táxi-aéreo clandestino segue em curso”.
Em nota à CNN, a Rima disse que passou por rigorosa inspeção da Anac em 2019 e não teve “qualquer notificação relevante”. Destacou que é certificada pela Iata, organização internacional de aviação civil e defende que “nenhuma” das multas foi por prática de transporte clandestino. Já sobre a prisão de Scheffer, afirmou que “não foi formalizada nenhuma denúncia, nem contra o diretor, tampouco contra a empresa”. Destacou que “cumpre sua função social, atende e socorre indígenas, funcionários da FUNAI, ribeirinhos e presta serviços aos entes públicos e clientes privados quando contratada.”
A empresa afirmou ainda que “todo o seu staff, diretores e colaboradores, mesmo em condições excepcionais e emergenciais, estão atentos à concorrência desleal e combate veementemente o transporte aéreo clandestino TACA, prática que considera nefasta à segurança de passageiros, de voo e ao desenvolvimento da aviação regional.” Sobre a operação policial, disse que “não havendo acusação formal, não há como se defender.”
Conselheiro
Outro integrante do Sindicato Nacional das Empresas de Táxi Aéreo (Sneta), o conselheiro fiscal Ricardo Telles Assad, é sócio da Maricá Táxi Aéreo, empresa que aparece na lista da Anac enviada à CNN de operadoras cujas aeronaves foram suspensas cautelarmente (quando a Anac vê risco iminente em uma operação) por causa de voo irregular. À reportagem, Assad afirmou que houve a interdição de duas aeronaves motivada por uma denúncia de uma concorrente, mas que enviou à Anac documentos comprobatórios que demonstram a regularidade das operações e, assim, conseguiu a liberação dos voos. “A Maricá não faz táxi-aéreo clandestino, pois os voos fretados na empresa são feitos com as aeronaves devidamente certificadas”, informou em nota.
O Sneta, em nota, diz que as empresas citadas estão aptas a prestar serviço de táxi-aéreo. “Reiteramos o propósito permanente deste Sindicato em permanecer atento e ser totalmente solidário com as autoridades no combate a práticas de pirataria.”