Fase aguda da pandemia em SP põe em alerta até idosos já vacinados
Mesmo após duas doses, especialistas alertam: vacina não exclui necessidade de distanciamento social e medidas de proteção
Nesse sábado, dia 13 de março, fez um ano que as portas da Casa Ondina Lobo, uma instituição de longa permanência (ILPI) para idosos na zona sul da cidade de São Paulo, fecharam para visitas. Os 57 residentes da entidade (três morreram de Covid-19) estão ansiosos. Cansados. Mas desde o começo do ano tiveram uma, ou melhor, duas doses de ânimo.
No dia 21 de janeiro, a vacinação dos idosos e de funcionários da casa começou. A segunda dose da Coronavac viria em 18 de fevereiro, quando já estava em circulação uma nova cepa do coronavírus em grande parte do país.
“Foi um misto de resiliência, por estarmos menos suscetíveis às formas graves da doença, com frustração, porque os velhinhos estavam ansiosos por voltar a encontrar suas famílias”, afirma a psicóloga e gerontóloga Marianna Barbosa Yamaguchi, 31, gerente administrativa do local.
Mas isso ainda não é possível. Mesmo com as duas doses de vacina já aplicadas nos residentes e funcionários, as visitas seguem suspensas – os idosos podem não estar com a proteção completa das vacinas e ainda podem transmitir o vírus aos visitantes que não foram imunizados. “Estamos há um ano sem visitas. Um ano sem abraços. Quem na vida não sente falta de um abraço?”, questiona Yamaguchi.
Esse sentimento ambíguo, de se animar com a vacina mas seguir isolado, é reflexo do que acontece no cenário mais amplo. Ao mesmo tempo em que houve o avanço da vacinação na população idosa desde, ocorreu também um forte aumento dos casos e mortos por Covid-19 em todo o país.
A cidade de São Paulo assinalou uma queda de 70% nas mortes de idosos com mais de 90 anos entre janeiro e fevereiro de 2021 — 127 pessoas com mais de 90 anos morreram em janeiro e, em fevereiro, o número caiu para 38, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Por outro lado, na última semana, o Brasil ultrapassou a marca dos 2.000 óbitos a cada 24 horas, e redes hospitalares públicas e privadas têm dado sinais de esgotamento em diversos Estados.
É nessa gangorra, entre algum otimismo e uma enorme exaustão, que estão os idosos da Casa Ondina. A esperança com a chegada da vacina deu lugar ao cansaço e à ansiedade para receber as visitas de parentes. Os idosos perguntam sobre quando poderão retomar atividades externas simples, como ir ao mercado, ao cabeleireiro, por exemplo. “Os velhinhos leem jornais, veem TV… Mas fomos bem sinceros com eles sobre a seriedade da pandemia”, explica a gerente-administrativa.
“Estamos perdendo um tempo precioso”
Fora da casa de repouso, sem uma barreira administrativa impedindo visitas ou passeios, idosos que já tomaram a vacina – as duas doses ou só a primeira – contam que a situação no país ainda não permite que eles retomem uma rotina próxima do antigo “normal”. Eles também seguem isolados. Mesmo assim, admitem: a vacina trouxe uma certa dose de ânimo.
“Eu tinha uma ansiedade tamanha, uma vontade, que parecia que o mundo ia se abrir de novo para mim quando tomei a primeira dose da vacina. Cheguei a chorar de emoção”, conta a procuradora aposentada Wilma Maria Laino, 84.
Ela vive sozinha em um apartamento em Perdizes, zona oeste de São Paulo, mas conta com a ajuda de uma cuidadora. “Antes da pandemia, eu ia à Sala São Paulo toda semana, gostava de viajar, de receber amigos… Foi muito difícil ter de me privar disso tudo – é uma solidão que dói e uma noção de que estamos perdendo um tempo precioso.”
Wilma deve tomar a segunda dose da vacina Oxford, da Astrazeneca, no dia 28 de março. Até lá, vai seguir levando muito a sério as recomendações de se resguardar. “Apostar em algo que não a vacina, a essa altura, seria uma atitude de extraordinária ignorância”, define.
“O jeito é ter paciência”
No outro lado da cidade, no Itaim Paulista, na zona leste, a aposentada Carmen Munhoz Silvério, 87, já tomou as duas doses de Coronavac, nos dias 15 de fevereiro e 8 de março.
A rotina pré-pandemia de ir ao mercado, à lotérica e visitar os oito filhos foi solapada pela quarentena. E ela ainda se viu distante do marido. Eles estavam em uma casa da família no interior paulista, no começo de 2020, quando a aposentada decidiu voltar à capital antes dele.
“Ele ficou lá e não conseguiu mais retornar. Mas tomou a primeira dose da vacina e está para tomar a segunda, no final deste mês (o cônjuge tem 77 anos). Não tenho ideia de quando vamos retomar a vida mais próxima do que eu chamava de normal, porque parece que a coisa está cada vez pior, lá fora. O jeito é se guardar”, avalia.
Carmen sente falta de reunir filhos, netos e bisnetos em casa e conta que o Natal foi o momento mais solitário. Para piorar, em 2020, perdeu uma filha de 62 anos, vítima de uma doença degenerativa. Um alento: a irmã de 91 anos que vive em São Vicente (Baixada Santista) também já tomou as duas doses da vacina.
“Um sobrinho meu de 47 anos teve trombose nas duas pernas por conta da Covid e me ligou desesperado: ‘Tia, não saia de casa, pelo amor de Deus, isso é muito sério’. O jeito é ter paciência.”
Cuidados precisam ser mantidos mesmo após vacinas
A orientação de laboratórios, institutos de pesquisa e secretarias de saúde estaduais tem sido a de que, mesmo com o esquema vacinal completo (ou seja, duas doses) contra o coronavírus, os cuidados referentes à prevenção da doença devem ser mantidos. Até porque a imunidade não é imediata após a segunda dose.
“Cada organismo reage de uma forma, dependendo de fatores como a faixa etária e o próprio sistema imunológico da pessoa. Em geral, em duas semanas após a segunda dose, estaremos protegidos, pois esse é o tempo que nosso sistema leva para criar anticorpos neutralizantes”, informa o Instituto Butantan, que produz a Coronavac (https://butantan.gov.br/noticias/quanto-tempo-demora-para-adquirir-imunidade-apos-tomar-a-vacina-contra-a-covid-19).
“É importante esperar, porém, que grande parte da população tenha sido imunizada antes de voltarmos aos antigos hábitos, para evitar contaminar outras pessoas, já que o indivíduo que tomou a vacina ainda pode transmitir o vírus”, reforça o instituto.
Para a professora de enfermagem da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e criadora do curso de gerontologia da instituição, Yeda Duarte, não é hora de baixar a guarda nos cuidados com os idosos, mesmo após a vacinação, e muito menos com os demais integrantes da família, de faixas etárias mais jovens.
Todos, não só idosos, devemos continuar com as medidas de proteção, seguir com o distanciamento social e as medidas de higiene, o uso de máscara e álcool gel. “Essas medidas continuarão ainda por muito tempo”, pondera a professora.
“Espero que as pessoas tomem a vacina: é necessária e faz bem”
Com o aposentado Franco Fernando Franchini, 95, a segunda dose de Coronavac, no último dia 26, trouxe uma mudança nítida no ânimo. “Ele está mais alegre, menos tenso, porque sabe que logo vai estar imunizado”, afirma o administrador de empresas Orídio Civalli Junior, 62, genro de Franco.
Franco, antes da pandemia, ia ao banco todo dia, passava pelo comércio.
Os cuidados com o aposentado seguem no pós-vacina. Mas agora, ao menos, já conseguem dar uma voltinha de carro para o sogro conferir o movimento da Lapa, bairro onde vive há 70 anos.
Com a ajuda de Onírio, a reportagem conversa por telefone com Franco, que usa aparelho auditivo. “Espero que as pessoas tomem a vacina – ela é necessária e faz bem para a gente, não tem nada de anormal nisso.”
“Tenho muito medo da doença, mas preciso trabalhar”
Há um aspecto da vida, porém, que nem sempre pode ser preservado: o econômico. Com o aumento do custo de vida ao logo da pandemia, mas especialmente nos primeiros meses deste ano, a aposentada Wanderly Leite Agostine, 81, não pôde se isolar completamente.
Ela manteve as aulas de matemática e português que dá como reforço curricular, em sua casa, para duas turmas de cinco alunos – tudo com o devido distanciamento, em ambiente arejado e uso de máscaras e álcool gel.
Ela e o marido, também de 81 anos, receberam a primeira dose da vacina Astrazeneca, da Oxford, no último dia 27 de fevereiro. A segunda dose deve vir em 90 dias após a primeira.
“Eu tenho muito medo da doença, mas preciso trabalhar. O que eu posso fazer é ficar o máximo sem sair de casa e tomar os cuidados nas aulas. A vacina dá um ânimo na gente, mas o jeito é seguir tomando todas as precauções. Tenho esperança.”