Juristas divergem sobre reação de Bolsonaro após operação determinada pelo STF
Para ex-ministro Miguel Reale, presidente cria crise artificial e insinua ameaça ao Supremo; desembargador Ivan Sartori discorda e vê interferências no governo
No Debate 360 na CNN na tarde desta quinta-feira (28), o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior e o desembargador aposentado Ivan Sartori divergiram a respeito das declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que disse que é preciso “botar um limite nessas questões” após operação determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Para Reale, o presidente está “criando uma crise artificial” e insinuando a possibilidade de adoção de medidas autoritárias. “Não tem nenhum fundamento para criar uma crise dessa dimensão. Colocar um limite no Supremo Tribunal Federal? Um limite na Justiça? O que ele fará se o STF tomar alguma decisão que a ele lhe desagrade?”, questionou o ex-ministro.
O desembargador Sartori, por outro lado, afirmou acreditar que o presidente Jair Bolsonaro estaria apenas reagindo e “mostrando que a situação chegou ao limite”. Ele alega que o STF tomou “sequentes decisões que interviram no Executivo, apequenaram o Executivo”. Ele cita, em especial, a restrição ao controle do isolamento social aos governadores e prefeitos e a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal.
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Ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o desembargador avaliou que há desrespeito aos votos recebidos por Bolsonaro na eleição de 2018 e argumenta que o governo atual sofre mais intervenções que os anteriores. Miguel Reale discorda, citando decisão do mesmo STF que suspendeu a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro-chefe da Casa Civil, em 2016.
Um dos autores do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, o ex-ministro do governo FHC criticou o atual ocupante da Justiça, André Mendonça. Reale afirmou que o ministro da Justiça não pode advogar e, portanto, não poderia ter entrado com um habeas corpus para impedir o depoimento do ministro da Educação, Abraham Weintraub.
“Ele transforma uma ofensa de cunho pessoal [em relação aos xingamentos que Weintraub dirigiu aos ministros do STF na reunião de 22 de abril] em ofensa institucional”, argumentou o jurista.
Inquérito e vídeo
Ambos os especialistas levantaram ponderações a respeito do inquérito aberto pelo STF e relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, que trata de ameaças e produção de notícias falsas contra os ministros da Corte.
Miguel Reale afirma, no entanto, que apesar de haver um “problema de iniciativa”, o inquérito foi validado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, quando passou a participar. “Ele foi consultado”, alega o ex-ministro.
“O Judiciário não pode agir sem provocação. As decisões estão saindo do campo das atribuições constitucionais”, replicou Sartori, que argumentou que sem a concordância do MP a respeito dos mandados cumpridos nesta semana, a operação não deveria ter acontecido.
Outro ponto de divergência entre os juristas foi a respeito da divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. O desembargador aposentado afirmou que o ministro Celso de Mello errou ao expor o governo a “complicações estratégicas, políticas e diplomáticas”.
O ex-ministro Reale Júnior discorda. Para ele, o fato da reunião ter um grupo grande de pessoas, a presença de funcionários e ter sido gravada a coloca como não tendo a pretensão de sigilo. Ele cita a menção feita por Augusto Aras de que o ex-ministro Sergio Moro pode responder por denunciação caluniosa, o que justificaria o pedido para que os fatos que compõem o inquérito sejam publicizados.