Nunes Marques vota contra suspeição de Sergio Moro no caso do triplex
Ministro desempata julgamento, que está em 3 a 2 a favor da imparcialidade do ex-juiz
O ministro do Supremo Tribunal Federal Kassio Nunes Marques votou nesta terça-feira (23) que Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato em Curitiba, não foi parcial ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do triplex do Guarujá.
Com o voto dele, o STF forma maioria para manter as decisões de Moro. Nunes Marques acompanha Edson Fachin e Cármen Lúcia, que votaram em 2018, quando a discussão começou. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski expressaram a opinião contrária na sessão anterior, há duas semanas.
No entanto, ainda há expectativa com relação ao posicionamento da ministra Cármen Lúcia, que sinalizou que poderia mudar de opinião. Desde o voto dela, há mais de dois anos, surgiram novos fatos no caso, como a revelação de mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava Jato em Curitiba. Na última sessão, ela considerou “gravíssimo” um episódio narrado por Gilmar Mendes, em que os telefones do escritório de advocacia da defesa de Lula foram interceptados.
O voto de Nunes Marques
Para o magistrado, se as mensagens trocadas por Moro e os procuradores da Lava Jato em Curitiba “tivessem sido obtidas por meio lícito e tivessem tidos o seu teor e autenticidades atestados oficialmente alegadamente teriam aptidão de alegar parcialidade de juiz”.
Ele considera que, se aceitasse essas provas, seria uma “forma transversa de legalizar a atividade hacker no Brasil”.
Se hackeamento fosse tolerado como meio para obtenção de provas, ainda que para defender-se, ninguém mais estaria seguro de sua intimidade, de seus bens, de sua liberdade. Tudo seria permitido.
Kassio Nunes Marques
Ele disse que, por terem sido obtidas de forma ilícita, não é possível verificar a autenticidade das mensagens. “Mesmo que fosse juridicamente admissível usar os diálogos, o que entendo claramente vedado, restaria inócuo problema, pode-se confiar nos arquivos sem qualquer perícia oficial em contraditório?”, questionou.
Nunes Maruqes disse ainda que, se fosse outro julgamento, “talvez não estivéssemos aqui discutindo o aproveitamento dessas provas, pois a esta altura, já seriam rechaçadas e se desentranhado dos autos”. “Todos os brasileiros são iguais perante a lei, e merecem um julgamento justo, e com base em provas lícitas”, disse.
“A Constituição Federal garante a todos os brasileiros, e aí se incluem o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-juiz Sérgio Moro, que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos. A prova juntada nos autos é ilícita, ilegítima e imprestável, portanto impossível de ser aproveitada em sede de habeas corpus”.
Para o ministro, o processo também já foi objeto de análise em todas as instâncias do Judiciário. “Admitir a suspeição impetrada no STF depois de julgadas e rejeitadas três exceções sobre a matéria e, ademais, com base em prova ilícita, desordenaria completamente os ritos e procedimentos da lei processual penal e iria contra toda a jurisprudência consolidada deste tribunal.”
Ele também disse não considerar que um habeas corpus seja o meio adequado para avaliar a suspeição de um juiz, de acordo com as decisões anteriores da Corte.
Nunes Marques declarou ainda que não se pode confundir o perfil de um juiz com “ânimo favorável ou desfavorável a uma das partes”. “Todos os juízes têm um background ideológico, cultural e moral que os orienta a tomar essa ou aquela decisão”.
“Embora se possa discordar da decisão e se possa, inclusive, discordar de todas as decisões de um juiz por se considerar seu estilo detestável, isso está longe de ser motivo para anular pronunciamentos jurisdicionais”, afirmou.
Gilmar rebate
Após Nunes Marques finalizar o voto, o presidente do colegiado, Gilmar Mendes, reagiu às afirmações feitas pelo colega, dizendo que a avaliação que fez na última sessão era baseada nas provas dos autos, e não falava de conversas obtidas por hackers.
Visivelmente irritado, ele disse que “não importa o resultado deste julgamento, a desmoralização da Justiça já ocorreu”. “O tribunal de Curitiba é conhecido hoje mundialmente como um tribunal de exceção, isso nos envergonha”, afirmou.
“Algum dos senhores compraria hoje um carro do Moro? Algum dos senhores seria capaz de comprar um carro do Dallagnol? São pessoas de confiança?”, questionou.
Ele disse ainda que é “evidente e quem já estudou um pouco de habeas corpus” sabe que o dispositivo poderia, sim, ser usado para avaliar a suspeição de um juiz.
“Desculpem a ênfase, mas é preciso que todos nós tenhamos noção da responsabilidade do caso que estamos julgando”, afirmou. “Não se trata de ficar brincando, de não conhecer habeas corpus. É muito fácil não conhecer de habeas corpus, através da técnica de não conhecer habeas corpus, muitas vezes, se esconde um covarde”.
Lewandowski também se manifestou, dizendo que o seu voto foi apoiado em “firme jurisprudência da Casa” sobre a competência do habeas corpus como dispositivo para reconhecer suspeição de um juiz.
Ele também disse que a defesa dele foi baseada nas provas dos autos, e que só se referiu às mensagens vazadas como “reforço de argumentação”.
Nunes Marques se manifestou em seguida, dizendo que não comentaria as afirmações e que ficaria em silêncio em respeito à argumentação dos colegas.
Em atualização
(*Com informações de Anna Satie, Rafaela Lara, Gabriela Coelho e Teo Cury, da CNN em São Paulo e em Brasília)