STF retoma julgamento sobre suspeição de Moro nesta terça-feira
Ministro Nunes Marques vai apresentar seu voto no julgamento que trata da suspeição do ex-juiz
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar nesta terça-feira (23) o julgamento da ação que discute se o ex-juiz da Lava Jato em Curitiba, Sergio Moro, atuou de forma parcial nas condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP).
O julgamento foi incluído na pauta pelo presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, depois de ser informado por Nunes Marques que devolveria seu voto, após duas semanas analisando o caso. O voto do ministro é considerado determinante.
No início de março, Nunes Marques pediu vista — mais tempo para analisar a ação — e o julgamento foi suspenso. Na ocasião, disse que o tempo foi “extremamente curto” para um ministro que não tinha conhecimento como os demais estudar o caso.
A análise do pedido feito pela defesa do ex-presidente começou no final de 2018, quando os ministros Edson Fachin, relator da Lava Jato, e Cármen Lúcia, votaram para considerar Moro imparcial na condução dos processos do ex-presidente.
À época, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista de Gilmar Mendes. Pouco mais de dois anos depois, no dia 9 de março, Mendes devolveu seu voto e incluiu a ação na pauta de julgamento. Naquela ocasião, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram pela suspeição de Sergio Moro e teceram diversas críticas à atuação do ex-juiz.
Em seu voto, Gilmar Mendes — um dos ministros mais críticos com relação aos métodos adotados pela Lava Jato nos últimos anos — disse que não se combate o crime cometendo crime e classificou o episódio como sendo “a maior crise que já se abateu sobre a Justiça Federal do Brasil desde a sua refundação”.
“Ninguém pode se achar o ó do borogodó. Cada um vai ter seu tamanho no final da história. Um pouco mais de modéstia. Calcem as sandálias da humildade”, afirmou.
O voto do ministro recém-chegado ao STF é considerado determinante porque vai desempatar julgamento que está em 2 a 2. Na sessão do dia 9 de março, antes de a discussão ter sido suspensa pelo pedido de Nunes Marques, a ministra Cármen Lúcia sinalizou que poderia mudar o voto.
Há expectativa com também com relação ao voto da ministra porque desde que ela votou em 2018 surgiram novos fatos no caso, como a revelação de mensagens trocadas entre Sergio Moro e os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Na sessão do início de março, Cármen Lúcia chamou de “gravíssimo” um episódio narrado por Gilmar Mendes no qual houve interceptação telefônica em um escritório de advocacia.
Competência
Gilmar Mendes também pautou para esta terça na Segunda Turma o pedido da defesa de Lula para que a turma reafirme competência para julgar recurso da Procuradoria-Geral da República contra decisão do ministro Edson Fachin que declarou a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para cuidar dos processos envolvendo o petista e anulou as condenações.
Entenda abaixo o que está envolvido no julgamento desta terça-feira.
Se Moro for declarado suspeito, o que acontece com as ações que ele julgou?
A declaração de suspeição anula os atos praticados pelo juiz suspeito. Se o juiz deferiu medidas cautelares na investigação, recebeu a denúncia, presidiu as audiências e sentenciou, todas as decisões e os seus produtos, como provas e depoimentos, serão nulificados.
Uma suspeição reconhece a nulidade das decisões dadas por Moro, sem possibilidade de convalidação de atos, e isso se estende às provas.
Todas as decisões dadas por ele são invalidadas?
Caso reconhecida a suspeição de Moro em relação a Lula, apenas as decisões nos processos do ex-presidente da República serão invalidadas. Os demais processos só terão uma análise sobre uma possível atuação parcial do julgador caso outros réus acionem a Justiça para isso.
O que acontece com as decisões proferidas por outros juízes que atuaram na Lava Jato?
Atos de demais juízes que atuaram na Lava Jato serão mantidos, se não forem prejudicados por decisões do juiz considerado suspeito. Uma sentença feita por outro juiz, por exemplo, em um caso em que Moro recebeu a denúncia, será anulada por ser ato subsequente.
As decisões dos demais juízes que atuaram no processo também serão nulas se a atuação deles se deu por decorrência da atuação do juiz suspeito.
O que acontece com os procuradores da Lava Jato?
Os procuradores da Lava Jato não são alvo do habeas corpus julgado nesta terça-feira. No entanto, a Segunda Turma do STF pode de alguma forma estender a decisão em relação a eles, inclusive por meio de habeas corpus de ofício – ou seja, de iniciativa dos próprios ministros, sem provocação externa.
Que punições Moro pode receber?
A suspeição não é uma punição para o juiz. Ela simplesmente é o reconhecimento de que ele não tem, no caso concreto, isenção para julgar. Ele não será punido na esfera criminal nem administrativa. O ministro Gilmar Mendes, entretanto, pede, em seu voto, que Moro pague as custas do processo.
Há um debate mais amplo sobre se houve excessos no curso da operação Lava Jato. Com isso, existem condutas que podem ser consideradas criminosas, dentre elas a autorização de vazamento para mídia da interceptação telefônica do ex-presidente Lula com a então presidente Dilma, e até mesmo uma eventual associação criminosa com os procuradores da Lava Jato.
Caso algum crime seja comprovado, Moro responderá à Justiça em qual posição?
Caso alguma conduta criminosa for apurada, o ex-juiz Sergio Moro, que renunciou à magistratura para ser ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro e depois pediu demissão, responderá como um cidadão comum.
Quais os recursos que Moro pode apresentar?
Moro não é parte neste processo, portanto não teria legitimidade para recorrer. Quem pode recorrer é a Procuradoria da República, tanto dentro da turma, quanto para o plenário. Em princípio, o recurso não suspende o reconhecimento da suspeição e a anulação das condenações.
Se Moro for considerado suspeito, quem serão os beneficiados?
Depende dos efeitos da decisão. Se a suspeição for relacionada somente ao ex-presidente Lula, provavelmente ninguém mais será impactado com a decisão de suspeição, ou apenas os corréus dos processos em questão. Caso a suspeição seja reconhecida em face da operação Lava Jato como um todo, outros acusados podem ser impactados pela decisão.
A suspeição deverá ser apreciada em cada caso, não se estende automaticamente a todos os julgados, a não ser que o STF se pronuncie neste sentido.
Essa análise dependerá da demonstração da suspeição nos casos concretos. Se houver demonstração de que Moro agiu parcialmente contra outros acusados, seus casos também podem ser anulados. Isso dependerá de solicitação específica das respectivas defesas, não é automático.
Relembre as acusações contra Moro
Em junho de 2019, veículos de imprensa iniciaram a publicação de conversas realizadas pelo aplicativo de mensagens Telegram envolvendo o ex-juiz Sergio Moro, o promotor Deltan Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato. Todos os envolvidos negam a autenticidade das conversas e repudiam o vazamento de mensagens privadas
As conversas, obtidas e vazadas por um hacker, indicam um conluio entre o então juiz federal e os membros da força-tarefa em Curitiba. De acordo com as mensagens, Moro concedeu informações privilegiadas aos procuradores, auxiliou o Ministério Público Federal a construir casos e orientou a promotoria ao sugerir que modificassem algumas fases da operação. Além disso, o ex-juiz também cobrou agilidade em novas operações, concedeu conselhos estratégicos, forneceu pistas informais e sugeriu recursos ao MPF.
Com a ampla repercussão das mensagens, o Ministério Público Federal, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e o próprio Sergio Moro questionaram a autenticidade, legalidade e origem das conversas obtidas pela imprensa. Um mês após o início da publicação de reportagens pela mídia, em julho de 2019, a Polícia Federal deflagou a Operação Spoofing e prendeu o hacker suspeito de invadir os celulares de Moro e outras autoridades.
Fontes: Antonio Tovo (Coordenador da área Penal Empresarial do escritório Souto Correa e Doutor em Direito Penal pela USP); Ronaldo Alves de Andrade (Mestre e Doutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e desembargador aposentado) e Mariana Fleming Ortiz (Especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas- GVLAW)
Com informações de Gabriela Coelho, da CNN, de Brasília