Mariana Ferrer: Câmara aprova projeto que criminaliza violência institucional
Projeto foi motivado após conduta dos envolvidos no julgamento do caso da blogueira e do empresário André Aranha
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (10) um projeto de lei que torna crime a violência institucional.
O PL 5091/20 considera criminosos os atos ou omissão de agentes públicos que prejudiquem o atendimento à vítima ou testemunha de violência.
O texto é uma resposta à situação enfrentada pela blogueira Mariana Ferrer durante o julgamento do empresário André Aranha, acusado de estupro.
O caso ganhou maior repercussão após o vazamento de um trecho da audiência, durante a qual Ferrer teve fotos sensuais – da época em que era modelo profissional –, expostas por Cláudio Gastão da Rosa Filho, advogado de defesa do acusado.
Gastão definiu as imagens como “ginecológicas”, disse que “jamais teria uma filha do nível” de Mariana e, quando ela chorou, afirmou: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”. O juiz presenciou os momentos sem fazer nenhuma intervenção.
De acordo com as autoras da PL5091/20, as deputadas Soraya Santos (PL-RJ), Flávia Arruda (PL-DF) e Margarete Coelho (PP-PI) o objetivo da proposta é coibir a prática desse tipo de abuso.
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“A Justiça deve ser um local de acolhimento da vítima, buscando a punição correta e justa para cada crime cometido. O caso Mariana Ferrer apenas escancara o que ocorre entre quatro paredes em diversas instituições públicas, como delegacias e tribunais”, explica o texto.
Plano Nacional
O Plenário da Câmara dos Deputados, aprovou também o Projeto de Lei 4287/20, que compreende o Plano Nacional de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher.
De acordo com a relatora, deputada Silvia Cristina (PDT-RO), o projeto busca criar estratégias para monitorar o combate à violência contra a mulher.
“O Plano Nacional de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher estabelecerá seus próprios princípios, diretrizes e metas, contribuindo para a elaboração, a execução, o monitoramento e a avaliação das políticas de combate à violência contra a mulher, assim como reduzirá os índices de criminalidade de forma gera”, explica a deputada.
“Tortura e humilhação”
Na semana em que a gravação da audiência foi a público, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, publicou uma mensagem em seu perfil no Twitter pedindo que órgãos de correição investigassem a postura dos agentes envolvidos no julgamento da acusação de estupro de Mari Ferrer, em 2018, em Santa Catarina.
O magistrado classificou como ‘estarrecedoras’ as imagens da audiência da influenciadora.
Nas gravações, divulgadas pelo site The Intercept, o advogado Claudio Gastão Filho, que representa o empresário André Camargo Aranha (absolvido do crime de estupro) chega a dizer que Mari Ferrer tem como ‘ganha pão a desgraça dos outros’.
“O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, publicou o ministro.
Em nota, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou que o caso está sendo apurado em procedimento instaurado na Corregedoria-Geral da Justiça no último dia 30.
Na mesma linha que Gilmar, o ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas disse que as imagens da audiência do caso Mari Ferrer eram “ultrajantes”.
“Especialistas em Direito Penal certamente falarão com propriedade sobre a tese do estupro culposo, que confesso desconhecer. O vídeo é aviltante e dá impressão de que não havia Juiz presidindo a audiência ou Promotor fiscalizando a lei. Havia?”, escreveu em seu perfil no Twitter.
Nas imagens divulgadas pelo The Intercept nesta terça, o advogado Claudio Gastão Filho, que defende o empresário André Camargo Aranha, diz para Mari Ferrer:
“Peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você. E não dá para dar o seu showzinho. Teu showzinho você vai lá dar no Instagram depois para ganhar mais seguidores. Mariana, vamos ser sinceros, fala a verdade. Tu trabalhava no café, perdeu o emprego, está com aluguel atrasado há sete meses, era uma desconhecida. Vive disso. Isso é seu ganha pão né Mariana? É o seu ganha pão a desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem”.
Ao longo da fala, o juiz que conduziu a audiência diz que se tratavam de ‘alegações’, mas não impede a fala do defensor de Aranha.
Na sentença em que absolveu o empresário André Camargo Aranha da acusação de estupro de vulnerável, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, escreveu:
“As provas acerca da autoria delitiva são conflitantes em si, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, ‘melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente'”.
Gastão Filho chega ainda a mostrar fotos da influenciadora falando em ‘posições ginecológicas’. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lágrima de crocodilo”, diz ainda o advogado.
Em seguida, o promotor que acompanha o caso afirma: “Mariana, se quiser recompor aí, tomar uma água, a gente suspende, tá?”.
Na manifestação sobre o caso enviada à Justiça, também revelada pelo The Intercept, o integrante do Ministério Público de Santa Catarina defende uma tese de ‘estupro culposo’.
“Se a confusão acerca da idade pode eliminar o dolo (intenção), por que não aplicar-se a mesma interpretação com aquele que mantem relação com pessoa maior de idade, cuja suposta incapacidade não é do seu conhecimento?”, diz trecho da peça.
O que diz o tribunal de Justiça de Santa Catarina
“O caso está sendo devidamente apurado em procedimento instaurado na Corregedoria-Geral da Justiça, em 30/9/2020, por meio do Ofício n. 125/2020/CGJUFR/DEV/SNPM/MMFDH, datado de 25/9/2020, oriundo da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, recebido naquele Órgão Correicional em 29/9/2020, às 18:31h.
Ressaltamos que a apuração dos fatos envolvendo a conduta do advogado Claudio Gastão Filho não se encontra dentre as atribuições deste Órgão, que se restringem aos atos praticados pelos membros do Poder Judiciário.”
(Com Estadão Conteúdo)