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    Os militares dominaram o 5G

    Desde 2019, generais lideram debate sobre nova tecnologia com a justificativa de que envolve segurança e soberania nacional; ala ideológica opera nos bastidores

    Caio Junqueirada CNN

    A Embaixada da República Popular da China em Brasília é uma das mais distantes da Esplanada dos Ministérios. Fica isolada das demais, em uma mansão ao final da Asa Sul, tendo como vizinho mais próximo um centro espírita. Para chegar ao Palácio do Planalto de lá, é preciso trafegar oito quilômetros. Uma distância quatro vezes maior que a bem localizada Embaixada dos Estados Unidos, praticamente colada ao centro político do país e próxima à representação de outros países ocidentais.

    A distância geográfica, porém, virou apenas uma simbologia dos tempos da inauguração de Brasília, quando os americanos já eram a maior potência mundial e promoviam uma guerra espacial contra a extinta União Soviética. Naquela época, os chineses estavam bem atrás dos americanos em qualquer indicador que fosse observado. Hoje, o duelo dos americanos é contra a China e Brasília tem sido um dos principais palcos dessa disputa.

    O governo federal avança para definir as regras da implementação da tecnologia de quinta geração de telefonia celular, a chamada 5G, aquela que com sua altíssima velocidade promete revolucionar a comunicação no mundo e impactar diretamente a vida das pessoas. Os chineses largaram na frente. Oferecem, de acordo com integrantes do mercado, tecnologia melhor e mais barata, o que leva os americanos a liderar uma campanha negativa contra eles, acusando-os de utilizar estratégias comerciais desonestas e utilizar suas redes para espionar e transferir dados para o governo chinês.

    Como se sabe, o presidente Jair Bolsonaro começou seu governo com um claro viés de reaproximação com os Estados Unidos de Donald Trump. Foi estimulado pela tríade formada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o assessor especial Filipe Martins, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Todos admiradores do escritor Olavo de Carvalho e considerados integrantes da chamada ala ideológica do governo.

    No entanto, os chineses, aos poucos, foram superando obstáculos e ocupando seus espaços na nova configuração na Esplanada. O primeiro movimento ocorreu com a escolha de um novo embaixador em Brasília, Yang Wanming. Com formação em finanças, é um conhecedor da América Latina, tendo já comandado as embaixadas da Argentina e do Chile. Nas conversas por Brasília, muitas já em português, advoga a ideia de que a relação comercial do Brasil com a China, nosso principal parceiro econômico, deve ser calcada em uma relação também política.

    O segundo movimento foi levar parlamentares do PSL, quando este ainda era o partido de Bolsonaro, para a China, viagem criticada por Olavo de Carvalho. Depois, a embaixada chinesa convidou uma comitiva de senadores para uma viagem à China. Na agenda, encontros para tratar do 5G. O senador Flávio Bolsonaro integrou o grupo.

    Os sinais daqui para lá também foram dados. O principal setor econômico do país, o agronegócio, buscou afinar a relação com o país asiático. O Ministério da Agricultura criou o “Núcleo China”, para tratar apenas das relações com o país, destino de 32% de nossas commodities agrícolas (mais de quatro vezes do que os americanos).

    Huawei oferece tecnologia melhor e mais barata para o 5G
    De acordo com integrantes do mercado, a chinesa Huawei oferece tecnologia melhor e mais barata para o 5G
    Foto: Tyrone Siu – 25.mar.2019/ REUTERS

    O próprio Itamaraty criou um departamento específico para cuidar dos chineses. O resultado desse esforço está nos números. Bolsonaro se encontrou mais vezes com o presidente da China, Xi Jinping (quatro), do que com Donald Trump (três). O Brasil fechou seis acordos com os americanos desde a posse de Bolsonaro e dezessete com a China.

    É nesse contexto que entra a guerra do 5G. Nesse meio tempo, os militares, ainda enquanto a ala ideológica liderava os rumos do governo, puxaram o debate para si já desde o ano passado, sob a justificativa de que se trata de algo que envolve a segurança e a soberania nacional. Um decreto presidencial e uma legislação posterior não só deixaram claras, como ampliaram as competências do Gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo general Augusto Heleno, em tudo o que se refere à segurança da informação.

    No final do ano passado, foi feita uma convocação aos outros ministérios para que fizessem avaliações sobre impacto em suas áreas do 5G no Brasil. O GSI está compilando essas informações e o resultado disso será visto em poucas semanas: um documento com cenários para subsidiar a decisão do presidente da República. Dela, sairá um decreto presidencial com as diretrizes para a implementação da tecnologia no país. É ali que será constatado para que lado Bolsonaro vai pender.

    Se pretender se unir aos pouquíssimos países que cederam à pressão americana e banir ou restringir a China do negócio, será uma vitória do Itamaraty. Se optar por uma decisão de cunho comercial e econômico e permitir a participação dos chineses, terá atendido à avaliação predominante na ala militar, empoderada neste ano no governo após as reformulações promovidas por Bolsonaro. Todos os principais ministros que atuam no Palácio do Planalto têm origem militar.

    Em razão disso, o caminho apontado pelos militares – de não impor restrições aos chineses – é a principal aposta hoje em Brasília para o 5G. Esse foi até o sinal dado pelo próprio Bolsonaro em uma reunião no final do ano com dirigentes da Huawei (em chinês, algo como “Conquistas Chinesas”), a empresa que lidera a corrida do 5G no mundo e que só em Brasília tem 130 funcionários operando. “Será uma decisão técnica”, disse o presidente aos seus executivos, segundo um dos presentes no encontro. O que significa que critérios políticos, como a aproximação preferencial do Itamaraty com os Estados Unidos, não serão o principal fator na tomada de decisão.

    Os generais consideram que excluir a China pode ferir até mesmo a Constituição Federal, que assegura o princípio da livre concorrência. Também mencionam histórico recente de espionagem por parte dos americanos, tanto pelo governo quanto por empresas, como o Facebook. E dizem que, como na média 40% da infraestrutura do 4G já existente no Brasil é chinesa, haveria uma indenização bilionária a ser paga para promover essa substituição.  

    O discurso casa diretamente com o eixo central do que tem apregoado os chineses pelos gabinetes da capital federal. “Esperamos que seja uma decisão técnica e econômica, e não política”, disse à CNN Brasil Qu Yuhui, ministro-conselheiro da Embaixada da China no Brasil. Ele também afirmou que “o 5G será o grande triunfo da relação bilateral” entre os dois países e que, sim, os sinais dados até agora pelo governo brasileiro são de que “não haverá restrição” ao país.  

    O Itamaraty, por sua vez, evita entrar no debate público agora, embora opere nos bastidores. Uma das agendas que o ministro Ernesto Araújo cancelou na semana passada nos Estados Unidos era com Rob Blair, assessor de Trump e representante especial para Políticas de Telecomunicações Internacionais da Casa Branca. O 5G era uma das pautas.

    Em Brasília, quem mais cuida do assunto pela diplomacia é o embaixador Norberto Moretti, secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos do Ministério das Relações Exteriores. A preocupação é tamanha que ele mesmo começou a frequentar as reuniões no GSI para tratar do assunto, enquanto outras pastas têm enviado níveis mais baixos na hierarquia da administração federal.

    Em linhas gerais, o comando da diplomacia brasileira avalia que está em curso uma parceria estratégica com os Estados Unidos que sempre povoou o imaginário dos brasileiros desde Barão do Rio Branco, patrono dos diplomatas. E que só agora está sendo colocada em prática com mais ênfase, com resultados concretos como o apoio do Brasil a entrada na OCDE, a defesa conjunta da redemocratização na Venezuela e os acordos militares, como o que designa o Brasil aliado extra-Otan. Além, claro, do compartilhamento de valores semelhantes como a democracia e a tradição judaico-cristã.

    “Se você tivesse que escolher um mundo daqui a 20 anos, chinês ou norte-americano, qual escolheria?”, declarou à coluna, sob reserva, um diplomata de alto escalão. Os americanos agradecem e aumentam a pressão. Uma das principais autoridades que acompanha de perto a negociação do 5G no Brasil relatou já ter recebido visitas de integrantes do FBI e do Departamento de Estado Americano para tratar do assunto.

    A embaixada americana não se manifestou. Mas um link oficial do governo Trump em português mostra que tenta desfazer “mitos” em torno da Huawei (https://translations.state.gov/2019/12/09/huawei-mito-vs-fato/). O tom das críticas mostra que os americanos também estão jogando duro nesta questão.    

    Não se sabe até que ponto diplomatas e militares brasileiros ouvem uns aos argumentos dos outros, mas quando se sentaram para falar em público sobre o assunto a divergência ficou clara. Foi em fevereiro, durante encontro promovido pelo Instituto Legislativo Brasileiro para debater o 5G. Em sua exposição, o general Guido Amin Naves, comandante de Defesa Cibernética do Ministério da Defesa, ignorou qualquer preocupação com o país asiático: “A China é um dos maiores, se não o maior, parceiro do Brasil. É um país amigo, como são os Estados Unidos e tantos outros. Qualquer empresa operando (o 5G) tem condições de executar uma ação adversa. Aí voltamos a questões culturais. Já ouvi gente dizendo que se é para ser espionado, prefiro por alguém que professe a mesma opção judaico-cristã que eu. E por que isso? Porque esse estado ficaria constrangido. É um ponto de vista. Não é o meu.”

    Por sua vez, um dos encarregados pelo Itamaraty para tratar de 5G, o embaixador Achilles Zaluar, durante mais de três horas de evento, falou pouco e sem se posicionar com assertividade sobre o tema. Mas ao final, encontrou espaço para criticar o orçamento das Forças Armadas para cibersegurança. “Vou pedir permissão ao general para contar um pouco uma coisa que me choca do ponto de vista de prioridades orçamentárias: o mundo todo está investindo e o comando de defesa de cibersegurança tem um orçamento absolutamente inadequado para as (suas) responsabilidades.”

    Soluções intermediárias, como a ideia de impedir que uma mesma empresa controle toda a rede, podem ser uma saída. Assim como a aplicação de multas estratosféricas para quem violar o sistema e a realização de auditorias permanentes. Discute-se até mesmo a criação de uma agência ou uma estatal para controlar o sistema todo. Qualquer que seja a saída, ela terá potencial para impactar sobremaneira a política externa brasileira e acentuar mais ainda as divergências entre as alas militar e ideológica do governo Bolsonaro.

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