Na gestão Camargo, Fundação Palmares zera gastos com fomento à cultura negra
A gestão de Sérgio Camargo à frente da Fundação Palmares zerou os investimentos em ações de fomento à cultura negra em 2020. O jornalista, que comanda a instituição, nega o racismo no Brasil e é crítico ao movimento negro. Os dados foram obtidos pela CNN via Lei de Acesso à Informação e a partir de um levantamento feito pela ONG Contas Abertas a pedido da reportagem.
Em 2020, pela primeira vez nos últimos cinco anos, a Fundação Palmares não gastou nada em ações de fomento à cultura negra e na implantação de espaços culturais para cultura afro-brasileira . Está na lei que criou a instituição, de 1988, que uma de suas funções é “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”.
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A ausência de qualquer gasto em ação de fomento à cultura negra em 2020 se insere em um contexto de progressiva redução de investimentos do governo federal na área: os dados levantados pelo Contas Abertas mostram que as reduções vem desde 2016: de R$ 1,2 milhão naquele ano para R$ 196 mil em 2019, queda de 84%.
Em nota, a Fundação Palmares reconheceu que essa e outras despesas sofreram “cortes parciais”, e que os recursos foram direcionados para o edital Arte de Quilombo, “por esta gestão considerar que é a forma mais democrática de acesso aos recursos públicos”. Aberto em julho, o edital pagará total de R$ 668 mil a 140 projetos de artistas negros selecionados em todo o Brasil.
Proteção de quilombolas
Neste ano também foram zerados os gastos com proteção, promoção e ações para defesa de quilombolas e terreiros. Os valores pagos para esta área caíram 43% entre 2016 e 2019: de R$ 745 mil para R$ 424 mil. Uma das principais atribuições da Fundação é certificar áreas quilombolas, ou seja, dar início ao processo que pode garantir a titulação dessas comunidades tradicionais.
Em nota, a Fundação registrou que, “em que pese o corte relatado, atuou para minimizar os efeitos da Covid nas comunidades quilombolas, com distribuição de cestas básicas e cartilhas, e que vem prestando assistência jurídica às comunidades”. A instituição também argumentou que a pandemia de coronavírus também afetou os processos de certificação de comunidades.
Nenhum convênio celebrado
Documento obtido via Lei de Acesso à Informação pela CNN também mostra que a Fundação Palmares não celebrou nenhum convênio com governos, prefeituras ou instituições privadas para promoção da negritude e do combate ao racismo no Brasil, que também é finalidade da instituição, prevista na lei e em seu estatuto. Antes da gestão de Sérgio Camargo, foram celebrados 33 convênios entre 2016 e 2019 para ações de capacitação de jovens quilombolas, apoio a manifestações artísticas como o Jongo da Serrinha, no Rio de Janeiro, realização de feiras de empreendedorismo afro, festivais de filmes com a temática negra e ações para combate à intolerância religiosa.
Segundo a instituição, em nota, há previsão para assinatura de um convênio, que está em análise, e que a redução de propostas recebidas e aceitas se deu em virtude da pandemia de coronavírus e do período eleitoral.
Negação do racismo e nomes excluídos de homenagem
Sérgio Camargo foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a presidência da Fundação Palmares em 2019. Sua nomeação foi questionada e suspensa pela Justiça após virem à tona diversos posicionamentos em que o jornalista negava o racismo, fazia críticas ao movimento negro e criticava o Dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro. Em fevereiro deste ano, ele foi reconduzido ao cargo graças à decisão do ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça. Na semana passada, a Camargo divulgou uma lista com o nome de 27 pessoas excluídas da lista de personalidades homenageadas pela Fundação Palmares.
Em resposta à CNN, a instituição informou que até novembro deste ano “não havia procedimento administrativo sobre a inclusão e exclusão de nomes da lista de personalidades da Fundação Palmares”, e que a nova norma teve respaldo técnico e jurídico da diretoria. Pela regra, devem ser feitas apenas homenagens póstumas.