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    As evidências de Bolsonaro

    Deputado do baixo clero, soube se transformar num fenômeno eleitoral que capitalizou um sentimento antissistema e chegou ao principal cargo do país

    Fernando Molicada CNN

    Erra quem duvida da sensibilidade e da capacidade política de Jair Bolsonaro, um parlamentar radical, do baixo clero, que soube se transformar em fenômeno eleitoral, que encarnou um sentimento antissistema e chegou ao principal cargo do país.

    Nenhum eleitor pode dizer que foi enganado por ele – o Bolsonaro presidente é o mesmo que foi deputado por quase 30 anos. Os brasileiros e a situação do país é que mudaram, e, na hora H, Bolsonaro estava a postos, esperando o cavalo passar selado diante dele. 

    Cavaleiro de uma história tão improvável, ele se dá ao luxo de ficar no mesmo lugar. Cresceu na vida política apostando no tudo ou nada, gostava de atuar isolado, fora de grandes articulações, sentia-se confortável no Bloco do Eu Sozinho. Na Presidência, manteve o vocabulário, as crenças, os valores, as práticas e, mesmo, as limitações.

    Segue sua intuição, ancorada em sua experiência de vida. Suas visões de mundo decorrem de sua própria história; pouco tenta olhar a floresta, contenta-se com as árvores que conhece desde sempre e que há décadas lhe fornecem sombra.

    Multado por pescar em área proibida, desenvolveu uma aversão aos fiscais do meio ambiente, as 40 infrações por excesso de velocidade cometidas por seu núcleo familiar mais próximo geraram nele uma implicância com radares. As experiências pessoais e políticas fizeram com que ele acreditasse ter sempre razão; para Bolsonaro, volta e meia o certo é estar errado. Como na velha piada, todos os outros, é que marcham errado. 

    Político experimentado e vitorioso, teme que um comportamento mais discreto faça com que passe visto como apenas mais um. Aposta que que a moderação lhe seria fatal, precisa manter a temperatura alta, a disputa, o Fla-Flu. Gosta de bolas divididas, de entrar de sola, de deixar marcas de chuteira na canela dos adversários.

    Seu comportamento diante da epidemia do coronavírus chega a ser espantoso — com frequência, vai na direção contrária da adotada pelo seu próprio governo. Mas ele sabe o terreno em que pisa. 

    A epidemia deu a Bolsonaro a chance de jogar em outras costas a responsabilidade pelo tímido crescimento econômico de 2019, um pibinho que será visto como pibão após a catástrofe de 2020. Mais, permitiu que ele adotasse outra briga, renovasse o discurso de que é diferente – um mote essencial para seus planos de reeleição.

    O vírus também lhe deu argumentos para se diferenciar daqueles que ele mais teme no confronto de 2022, os governadores João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel, do Rio, conservadores que demonstram um grau maior de civilidade e que têm potencial para conquistar eleitores menos radicais, que não integram o núcleo duro do bolsonarismo.  

    Convencido de que a esquerda não vai se recuperar tão cedo do efeito Lava Jato e da recessão iniciada no governo Dilma Rousseff, Bolsonaro teme os vizinhos ideológicos. Assim, transforma em inimigos aqueles que estiveram ao seu lado, mas que têm potencial de virar adversários. Tem sofrido críticas duras de governadores eleitos por partidos de esquerda, mas só quer saber de brigar com os que têm alguma afinidade de pensamento, que disputam o mesmo eleitor. 

    Ele só chegou ao Palácio do Planalto porque jogou o tempo todo no risco, com o time no ataque. Nem mesmo a perspectiva de uma catástrofe na saúde pública, com um número incalculável de doentes e mortos, faz com que ele abandone essa estratégia. 

    Como no sucesso sertanejo-pop, Bolsonaro foca na reeleição, trata de negar as aparências, de disfarçar as evidências. Não quer pensar em perder a chance de ficar mais quatro anos na cadeira de presidente.

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