Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    O grito de gol ficou entalado: Witzel, do sonho da Presidência ao julgamento

    Ex-juiz federal e eleito governador do Rio contrariando a lógica da política fluminense enfrenta julgamento em Tribunal que analisa impeachment

    Leandro Resendeda CNN

    Em agosto de 2019 Wilson Witzel (PSC) não segurou o entusiasmo. Em uma mensagem a um amigo, mandou uma montagem de foto sua sorridente, ostentando a faixa presidencial e sentenciou: “o grito de gol está próximo!”.

    Àquela altura, qualquer sonho era possível para o ex-juiz federal que acabou com a dinastia do PMDB no Rio de Janeiro, e, sem ligar para os prognósticos e para o 1% nas pesquisas de intenção de voto, surfou a onda bolsonarista para se tornar governador do segundo maior estado do país.

    Witzel chutou buscando, nas redes, uma vaga nos candidatos à Presidência em 2022. A bola passou longe do Planalto e, nesta sexta-feira (30), o ainda governador do estado joga sua decisão de Copa do Mundo: o julgamento final no inédito Tribunal Especial Misto criado para discutir seu impeachment.

    O interino, Cláudio Castro, tenta se equilibrar entre os deputados estaduais, o compromisso com o presidente Bolsonaro e a pavimentação de seu nome para disputar o governo em 2022.

    A mensagem ao amigo foi revelada pela CNN no dia em que, por decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ex-juiz foi afastado do cargo de governador. Mas sua queda política é anterior às investigações do Ministério Público Federal (MPF) sobre desvios na saúde do Rio.

    Precede, até, as duas votações feitas na Assembleia do Rio sobre a admissibilidade de seu processo de impeachment. Em junho e setembro, não houve nenhum dos 70 deputados estaduais do Rio que concedesse um voto favorável a Witzel.

    O isolamento político começou na formação do secretariado, no começo de 2019. Nomes pouco experientes foram escolhidos para redirecionar a relação entre governo e Palácio Tiradentes que seguiu um mesmo padrão entre 2006 e 2014, entre Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão.

    Escolhido homem-forte do governo e interlocutor com a Assembleia, Lucas Tristão (que foi preso em agosto passado) nunca teve vida fácil e foi acusado de espionar e montar dossiês para chantagear deputados, em episódio que até hoje mexe com os brios dos parlamentares.  

    Em vídeo para deputados, Witzel afirmou que acusações contra ele são levianas
    Em vídeo enviado a deputados, Wilson Witzel afirmou que as acusações contra ele são levianas
    Foto: Antonio Cruz – 26.mar.2019/ Agência Brasil

    A isso se somou uma base parlamentar frágil: com apenas 2 integrantes, o PSC ficou à sombra de um instável PSL, maior bancada da casa – também impulsionada pela onda bolsonarista. Em nada contribuiu a postura veemente e pouco dada ao diálogo de Witzel. Já na crise política de 2020, chegou a prometer ao presidente da Assembleia Legislativa, André Ceciliano, que seria “mais governador e menos juiz”. 

    Sem base no parlamento, restava-lhe o apoio popular, de um Rio de Janeiro atônito diante da prisão de cinco ex-governadores, 10 deputados estaduais e um Tribunal de Contas quase inteiro num espaço de três anos – tudo em meio a um declínio econômico que se acentuou a partir de 2015.

    Percebendo a guinada conservadora do eleitorado fluminense, Witzel passou a enfileirar frases de efeito: prometeu “mirar na cabecinha” de criminosos com fuzis, alinhou-se ao discurso anticorrupção e viu o número de mortes cometidos pela polícia bater recorde: 1.814 mortes, maior número registrado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) desde 2003. 

    Caso Marielle e o rompimento com o Bolsonarismo

    A vereadora carioca Marielle Franco (Psol) foi morta em março de 2018, meses antes de Witzel ser eleito, mas o crime – sobre o qual até hoje não há resposta acerca da existência de um mandante – aparece em dois momentos-chave da trajetória de Witzel.

    No dia 30 de setembro de 2018, na reta final da campanha, Witzel apareceu sobre um carro de som ao lado dos então candidatos Daniel Silveira e Rodrigo Amorim. Numa gravação, ambos ostentavam uma placa quebrada com o nome da vereadora e Witzel, ao lado, celebrava o ato. “Tá aí a resposta!”, declarou. 

    O governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), durante depoimento
    O governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC)
    Foto: Fotoarena/Estadão Conteúdo

    Eleito deputado federal, Silveira está em prisão domiciliar por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) após defender a ditadura militar. Amorim, aliado de primeira hora de Witzel, foi o mais votado para Alerj mas, na hora do impeachment, virou as costas para o amigo. Witzel se arrependeu da participação no ato, pediu desculpas e participou da coletiva em que a Polícia Civil detalhou a prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, acusados de matar Marielle, em março de 2019. 

    Em outubro daquele ano, quando as pretensões de Witzel ao Planalto já não eram segredo e causavam insatisfação, o nome do presidente apareceu na investigação do caso Marielle. O presidente Jair Bolsonaro acusou o governador de ter vazado informações para prejudicá-lo e ambos se tornaram desafetos de vez. 

    As fotos para a história

    Em 1º de janeiro de 2019, Witzel foi empossado como governador e recebeu das mãos de Francisco Dornelles uma faixa, que gostava de ostentar nas reuniões com os secretários. Bonito para foto, mas uma tradição inventada: não era praxe no Palácio Guanabara, até sua chegada, que chefe do Executivo fluminense usasse o adereço, feito sob medida para o juiz federal. 

    O gosto de Witzel por imagens emblemáticas produziu controvérsias. Em agosto de 2019, surgiu de punho erguido, sorriso aberto e em festa após a tropa de elite da PM do Rio matar um homem que sequestrara um ônibus na Ponte Rio-Niterói.

    Meses depois, em Lima, no Peru, foi ignorado após ajoelhar-se aos pés do atacante Gabigol, do Flamengo, autor dos gols do título da Libertadores do rubro-negro. O atleta sorriu e lhe deu as costas. Na campanha, em 2018, Witzel dissera ser torcedor do Corinthians. 

    Entre março e agosto de 2020, vieram as imagens dos secretários algemados, dos hospitais de campanha que jamais abriram e do fracasso do governo em domar a pandemia de coronavírus. Depois de uma boa largada, quando se tornou um dos primeiros do país a restringir a circulação e conter o vírus, a gestão apostou em um contrato quase bilionário para unidades de saúde que não sairiam do papel (dos sete contratados, só dois foram abertos). 

    Em uma última tentativa de retomar o protagonismo sonhado, Witzel trocou de advogado às vésperas do julgamento do impeachment. Destituiu, também, a banca que lhe auxiliava em questões criminais, que lhe prometem dor de cabeça por alguns anos. Só o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu quatro denúncias contra ele.

    Wilson Witzel durante pronunciamento no Rio de Janeiro após ser afastado
    Wilson Witzel durante pronunciamento no Rio de Janeiro após ser afastado do cargo
    Foto: Wilton Júnior/Estadão Conteúdo (28.agos.2020)

    Neste mês, ao Tribunal Especial Misto, chorou e disse que “não deixou a magistratura para ser ladrão”. Centrou fogo no ex-secretário de Saúde Edmar Santos, cuja delação premiada lastreia boa parte das investigações feitas até aqui.

    À CNN, em entrevista, admitiu corrupção de agentes de seu governo e disse que é “perseguido por Bolsonaro”. “O processo foi um vale tudo, se perguntou de tudo. Todos os juízes que estão lá não têm experiência em matéria criminal”, disse, sobre o Tribunal que o julga nesta sexta-feira (30). 

    Aos antigos aliados, Witzel diz que sua história não terminou, e que sonha em voltar a ser governador, se não agora, numa próxima eleição. A vida política, como uma partida de futebol, só termina quando um juiz apita.

    Tópicos