Renan Calheiros define plano de trabalho da CPI da Pandemia; leia a íntegra
Organização do combate à Covid-19, compra de insumos, distanciamento e vacinas estão entre os focos da investigação
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Pandemia, definiu o plano de trabalho que vai nortear a largada da comissão, criada para investigar ações e omissões do governo federal no enfrentamento da Covid-19, bem como o uso de verbas federais em estados e municípios. O documento foi obtido pelo analista da CNN Fernando Molica.
O documento apresentado pelo senador define seis frentes de trabalho e a apuração partindo de depoimentos, análise de documentos e requerimentos de informação. Renan delimita que as oitivas comecem com o objetivo de traçar um panorama, ouvindo responsáveis pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao longo da crise.
Serão ouvidos na largada o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e seus três antecessores no governo Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello. Da parte da Anvisa, o diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres.
O plano de trabalho de Renan Calheiros traça seis vertentes para serem investigadas:
- Ações de enfrentamento à pandemia, incluindo distanciamento social, testes, respiradores e vacinas. A respeito dos imunizantes, cita, especificamente, as negociações sobre Coronavac e Pfizer.
- Assistência Farmacêutica (Insumos), incluindo produção de remédios sem eficácia comprovada, kit intubação, oxigênio medicinal e remédios eficazes
- Estruturas de Combate à Crise, atribuição de responsabilidades e competências
- Colapso da saúde no Estado do Amazonas, incluindo falta de oxigênio e disseminação da variante P1 pelo Brasil
- Ações de prevenção e atenção à saúde indígena
- Emprego de recursos federais, incluídos os critérios para repasse de recursos a estados e municípios, contratos assinados pelo Ministério da Saúde e benefícios como o auxílio emergencial.
Veja a íntegra do plano de trabalho da CPI da Pandemia
“PLANO DE TRABALHO
Relator: Senador Renan Calheiros
1. INTRODUÇÃO
Este Plano de Trabalho busca consolidar em um documento a linha de investigação e o cronograma que se pretende imprimir durante os trabalhos da CPI da Pandemia, criada em decorrência da aprovação do Requerimento nº 1.371, de 2021, que tem o Senador Randolfe Rodrigues como primeiro signatário.
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPIPANDEMIA) foi originalmente proposta com o objetivo de apurar as ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia da covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados.
Ao Requerimento original, foi apensado o Requerimento nº 1.372, de 2021, de autoria do Senador Eduardo Girão, razão pela qual o escopo das investigações desta Comissão foi ampliado para abranger fatos conexos, no caso, a destinação de recursos federais aos Estados e Municípios para o combate à pandemia.
De acordo com a justificação que acompanhou o Requerimento nº 1.371, de 2021, do Senador Randolfe Rodrigues, esta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) teria por objetivo investigar o Governo Federal, em razão da violação dos direitos fundamentais básicos de toda a população brasileira à vida e à saúde e por ter, nos termos do Requerimento, deixado de seguir as orientações científicas de autoridades sanitárias de caráter mundial, incluindo a Organização Mundial de Saúde.
Outros pontos ainda são destacados na justificação do Senador Randolfe, como o atraso na campanha de vacinação, a morte diária de milhares de brasileiros e a ausência de leitos de UTI, medicamentos e insumos básicos, como oxigênio. Nesse ponto, é dado destaque ao caso de Manaus e à alegada falta de planejamento do Governo Federal, uma vez que o Estado do Amazonas enfrentou um colapso em seu sistema de saúde, em razão de as reservas de oxigênio medicinal de hospitais terem acabado, resultando na morte de diversos pacientes nas primeiras semanas de janeiro, o que poderia ter sido evitado com uma atuação proativa da União.
Conclui afirmando que sociedade deve ter conhecimento das razões que levaram ao descontrole pandêmico que estaria promovendo um genocídio em nosso País. Ademais, com o recrudescimento da Covid-19 em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, as omissões e ações erráticas do Governo Federal não podem mais passar incólumes ao devido controle do Poder Legislativo.
Em relação ao Requerimento nº 1.372, de 2021, do Senador Eduardo Girão, a ideia é que a CPI da Pandemia abranja a apuração de possíveis irregularidades na aplicação de recursos públicos transferidos pela União Federal aos Estados e Municípios, bem como outras ações ou omissões cometidas por administradores públicos federais, estaduais e municipais, no trato com a coisa pública, durante a vigência da calamidade originada pela pandemia.
Acrescenta o autor do requerimento que, por conta da gravidade da pandemia, passou a vigorar no Brasil o Decreto Legislativo nº 6, de 2020, o qual reconheceu, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública. Tal medida dispensou o Governo Federal de cumprir as metas de execução do orçamento e de limitação de empenho de recursos. Demais disso, na esteira do referido Decreto Legislativo, foi sancionada a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus.
Nos termos da Lei nº 13.979/2020, foram autorizadas compras com dispensa de licitação para artigos de prevenção e de enfrentamento à covid-19. De igual modo, vários Estados e Municípios da Federação, sob o mesmo fundamento, teriam emitido decretos que afastaram a necessidade do processo de licitação para as compras dirigidas à pandemia. Ocorre que, em face dos bilhões de reais repassados pelo Executivo Federal aos entes subnacionais e diante das brechas abertas por uma legislação criada sob regime de urgência, teria faltado a devida transparência na aplicação dos recursos.
Tendo em vista a existência de dois requerimentos, ambos cumprindo os requisitos constitucionais, o Presidente do Senado Federal, Senador Rodrigo Pacheco, fez a leitura de ambos no dia 13 de abril de 2021, exarando o seguinte despacho:
Com referência à conexão dos requerimentos e dos fatos neles expendidos, a Presidência, com base em parecer da Advocacia-Geral da Casa, esclarece que a apuração conjunta de fatos determinados pode se dar tanto no caso de ampliação do objeto de uma CPI já em funcionamento quanto no caso de reunião de requerimentos apresentados contemporaneamente para a instalação de uma única comissão investigativa, desde que não reste inviabilizado ou restringido o objeto dos requerimentos apresentados. Esta última é exatamente a hipótese de que tratamos hoje, nesta Casa, e que fundamenta a juntada e o apensamento dos requerimentos, respeitando a precedência do requerimento do Senador Randolfe Rodrigues, por regra regimental.
(…) Nesses termos, a Comissão terá como objeto o constante do requerimento do Senador Randolfe Rodrigues, acrescido do objeto do requerimento do Senador Eduardo Girão, este, portanto, limitado apenas quanto à fiscalização dos recursos da União repassados aos demais entes federados para as ações de prevenção e combate à pandemia do Covid-19, excluindo as matérias de competência constitucional atribuídas aos Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma do que dispõe o art. 146, inciso III, do Regimento Interno.
(…)
Portanto, o requerimento do Senador Randolfe Rodrigues, que traz o fato determinado e que ora é lido, é acrescido do requerimento do Senador Eduardo Girão em relação aos repasses de recursos federais aos demais entes federados, e ambos os fatos poderão ser investigados, com a limitação e com a observância do art. 146, inciso III, do Regimento Interno do Senado Federal a fatos que digam respeito exclusivamente aos demais entes federados, Estados, Distrito Federal e Municípios, a quem cabe a sua própria investigação através das Casas Legislativas respectivas, sob pena de usurpação de atribuição e de competência.
O despacho do Presidente do Senado Federal, pois, esclarece e delimita o conjunto fático objeto da investigação, e, por consequência, orienta nosso plano de trabalho.
Este Plano de Trabalho não pretende apontar aonde chegaremos com a apuração. Ele é um ponto de partida, uma linha inicial de investigação, que, naturalmente, será incrementada e enriquecida pelos depoimentos, perícias, estudos e documentos oficiais que serão reunidos ao longo do trabalho dessa CPI.
2. OBJETIVOS
Esta Relatoria tem ciência de que, durante pandemias, vidas são perdidas em razão do agravamento da condição de saúde das vítimas contaminadas. A despeito disso, é necessário investigar se, somado à gravidade de um vírus potencialmente letal, o Poder Público agiu de maneira adequada ao propósito de minimizar perdas e proteger a população.
Essa investigação ganha ainda mais relevância quando consideramos o atual estágio da pandemia e as nefastas consequências por ela deixadas. Hoje já chegamos a 400 mil mortos pela covid-19 e a aproximadamente 14,5 milhões de contaminados. Os danos causados à população brasileira, portanto, são bem mais graves do que os informados no Requerimento de instalação da presente Comissão.
Diante disso tudo, podemos vislumbrar como objetivos da CPI a investigação das ações realizadas pelo Governo Federal, além daquelas ações potencialmente úteis e efetivas, mas que não foram implementadas. Nessa linha, a ideia é apurar se as autoridades de saúde agiram ou não de maneira imprudente ou sem a devida técnica, se foram ou não omissas, se deixaram ou não de efetuar planos de contingência ou se agiram ou não, com a antecedência necessária, de forma planejada e integrada.
Há pontos específicos sobre os quais a Comissão irá se debruçar com mais atenção. Não há dúvidas, contudo, de que procuraremos verificar se foram implantadas, a contento, ações para prevenir a contaminação em massa, para informar adequadamente a população, e para permitir a rápida aquisição e administração de imunizantes e de tratamentos cientificamente comprovados.
Aproveitamos para deixar claro que, para a definição das ações a serem empreendidas pela Comissão a partir deste plano de trabalho, ouvimos os membros do colegiado e procuramos atender a todas as sugestões que chegaram ao nosso conhecimento. Atendendo a sugestões dos membros da Comissão, fixamos diversas iniciativas ou omissões relacionadas à própria condução da crise, algumas das quais já vêm sendo amplamente discutidas na mídia e na sociedade.
Nesse sentido, apresentamos as linhas gerais de investigação, sem prejuízo de que novos fatos conexos possam vir a ser incluídos nesta relação:
· Ações de enfrentamento à pandemia (vacinas e outras medidas para contenção do vírus)
o Isolamento social
o Aquisição e distribuição de Vacinas e seus insumos (recusa e retardo de doses da CoronaVac e da Pfizer), bem como a execução de plano nacional de imunização contra a covid-19.
o Aquisição e distribuição de testes diagnósticos
o Aquisição e distribuição de respiradores
o Estruturação e habilitação de leitos clínicos e de terapia intensiva (inclusive o fechamento de 4 mil leitos em hospitais federais do Rio de Janeiro)
o Distribuição de meios para proteção individual, como máscaras e álcool gel (EPI)
o Estratégia de comunicação oficial acerca das ações de combate à pandemia
o Uso do aplicativo TrateCOV
o Política Externa para enfrentamento da pandemia (Atuação em âmbito internacional, viagem a Israel, diplomacia das vacinas)
· Assistência Farmacêutica (Insumos para tratamento de enfermos)
o Produção e distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada (cloroquina) e definição de protocolo para adoção de “tratamento precoce”, inclusive com constrangimento para sua adoção.
o Aquisição e distribuição de kit intubação
o Aquisição e distribuição de oxigênio medicinal
o Ausência ou retardo na aquisição de remédios com comprovação de eficácia
· Estruturas de Combate à Crise (Atribuição de responsabilidades e competências)
· Colapso da saúde no Estado do Amazonas
o Falta de oxigênio e omissão de autoridades
o Emprego de verbas públicas
o Disseminação da variante P1
· Ações de prevenção e atenção à saúde indígena
· Emprego de recursos federais
o Critérios de repasse de recursos federais para estados e municípios
o Fiscalização de contratos firmados pelo Ministério da Saúde
o Ações de preservação de emprego e renda (auxílio emergencial, entre outros)
Ao cabo das investigações, deverão ser oficiados os órgãos estatais de persecução penal, além das autoridades administrativas competentes, com vistas à responsabilização criminal dos envolvidos, seja pela prática de crimes comuns ou de responsabilidade ou pelo cometimento de infrações administrativas.
Outrossim, a Comissão buscará também o aperfeiçoamento da legislação de regência, para conferir-lhe a estrutura e a força necessárias para melhor orientar as autoridades públicas de saúde na condução de ações durante situações de emergência em saúde pública de âmbito nacional.
3. ROTEIRO DE TRABALHO
Diante desse quadro, a primeira providência a ser tomada por esta CPI deve ser, a nosso sentir, a de aprovar requerimentos que contribuam com a elucidação dos fatos.
Reitero que o intuito é que esta Relatoria possa funcionar como um sistematizador de ideias, sempre com uma atuação imparcial e comprometida com a busca pela verdade dos fatos. As graves consequências deixadas pela pandemia recomendam que todos os integrantes desta Comissão se pautem com respeito à memória daqueles que se foram.
Assim, no que couber a este Relator, procuraremos afastar qualquer discussão movida por questões partidárias ou voltadas a atacar o governo ou a oposição.
Concomitantemente, proponho a realização de oitivas, seja para enriquecer o conjunto fático sobre o qual a CPI da Pandemia se debruça, seja para ouvir a opinião de especialistas, tanto no que diz respeito à explicação técnica do combate a pandemias, como no que tange à possibilidade de aprimoramento da legislação que trata da matéria.
Assim, o Plano de Trabalho que proponho se inicia com dois grupos de ações paralelas, consubstanciadas em oitivas e requerimentos de informações, a partir das quais se espera, como natural desdobramento, a investigação dos fatos elencados nos Requerimentos que embasaram a instauração desta CPI.
Em uma primeira fase, conforme já aprovado, ouviremos nas próximas reuniões agendadas os ex-Ministros da Saúde, bem como o atual, além do Diretor-Presidente da Anvisa. O objetivo é traçar um primeiro panorama da situação e identificar os fatos e ações relevantes que merecerão ser aprofundados.
Posteriormente, buscaremos, a partir das informações prestadas e dos documentos encaminhados por requisição desta CPI, ouvir autoridades e testemunhas complementares. Assim, teremos mais elementos para adentrar nas diversas frentes e ações acima descritas.
Cremos também que, diante dos notórios fatos ocorridos no Estado do Amazonas, as autoridades públicas responsáveis pela gestão da saúde no Estado podem ser igualmente convocadas.
Em face de a pandemia constituir um fenômeno multifacetado e interdisciplinar, nossa intenção, igualmente, é ouvir especialistas e autoridades científicas que nos auxiliem a melhor compreendê-lo, tais como representantes da Sociedade Brasileira de Infectologia, Organização Mundial da Saúde, entre outras.
Na segunda linha de ação, buscaremos informações para subsidiar a apuração. Nesse sentido, já aprovamos requerimentos de informações já encaminhados a esta Comissão. Uma vez respondidos os requerimentos, esperamos ser possível caracterizar a atuação das autoridades sanitárias no que se refere à condução das políticas de isolamento social, à testagem em massa da população, às negociações da aquisição de vacinas, aos protocolos de manejo de pacientes com covid-19 e seu fluxo nos serviços de saúde, ao monitoramento e obtenção de insumos diversos utilizados no enfrentamento da pandemia – tais como oxigênio medicinal, kits de intubação e outros medicamentos e respiradores –, aos repasses de recursos federais aos Estados e Municípios, à estruturação e à habilitação de leitos clínicos e de terapia intensiva, à política de comunicação institucional do governo federal inerente à campanha nacional de imunização e à prevenção do contágio da covid-19 no meio da população. Outros subsídios poderão ser agregados ao longo da investigação, mediante a aprovação de novos requerimentos.
A fase de oitivas deve se prolongar e perpassar a fase de análise de tudo o que constituir o conjunto fático-probatório. Além disso, o curso das investigações será enriquecido pelas sugestões e requerimentos que venham a ser apresentados ao longo dos trabalhos, de modo a alcançar com mais efetividade os objetivos desta comissão.
Ao final dos trabalhos, a CPI apresentará seu relatório, onde espera elucidar os fatos e, se for o caso, identificar as autoridades que agiram à margem da lei, encaminhando suas conclusões às autoridades competentes para apuração. Esse, portanto, o Plano de Trabalho que apresento aos ilustres membros desta CPI.
Brasília, 28 de abril de 2021.
Senador RENAN CALHEIROS
Relator”