Ives Gandra analisa tensão entre Bolsonaro e STF e papel das Forças Armadas
Para Gandra, Constituição prevê uso das Forças Armadas como medida "extrema e pontual" para atender poderes
Em entrevista à CNN nesta terça-feira (2), o jurista Ives Gandra defendeu que a Constituição prevê o uso das Forças Armadas como medida “extrema e pontual para cumprir uma deficiência dos poderes” e que, no momento, não há “risco nenhum de ruptura”.
Gandra, que é co-autor de uma coleção de nove volumes de comentários sobre a Constituição de 1988, diz que a ação militar seria constitucional em casos de tensão entre os poderes. Segundo ele, se o Executivo ou Legislativo se sentem “sufocados” pelo Judiciário, não há como se recorrer ao próprio Judiciário, fazendo-se necessária a moderação.
Ele lembrou de quando o então presidente Michel Temer (MDB) autorizou o uso das Forças Armadas em Brasília, em 2017, após atos de vandalismo na Esplanada dos Ministérios. Para Gandra, o caso mostra um uso possível do poder militar como suplementar.
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Segundo o jurista, as Forças Armadas têm hoje uma mentalidade muito diferente da de 1964, quando houve o golpe militar que levou a 21 anos de ditadura no Brasil.
“Hoje a mentalidade de defesa da pátria é no sentido de integração e defesa autêntica”, diz. “O dispositivo foi colocado na Constituição e usado para garantir, não para romper, para segurar a democracia, não impor ditadura”.
Ele disse acreditar que o que os eleitores querem é a harmonia entre os poderes, e não brigas por vaidades pessoais.
“Acho importante que os poderes se entendam, o que não é difícil, pois na democracia, cada um tem uma atribuição”, afirmou.
Artigo 142
Hoje, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) divulgou parecer segundo o qual artigo 142 da Constituição não permite uma intervenção militar, nem trata as Forças Armadas como poder moderador. Para a OAB, interpretações neste sentido são inconstitucionais.
O artigo 142 da Constituição diz: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
No parecer divulgado hoje, a OAB diz que “o sentido de ‘garantia da lei e da ordem’ presente no art. 142, caput, da Constituição Federal, já tem uso consolidado na prática, equivalendo às operações em resposta a graves situações de perturbação da ordem, quando há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública. Com isso, em nada guarda relação com a intervenção em outros Poderes, como inadequadamente sugerido pelos defensores da figura da intervenção militar constitucional.”
Além disso, diz o parecer, as Forças Armadas estão submetidas ao poder Executivo, e uma intervenção delas em outros poderes violaria a igualdade prevista na Constituição entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Para a OAB, a interpretação de que o artigo 142 permitiria uma intervenção militar “autorizaria se chegar à absurda conclusão, em última análise, de que qualquer conflito entre os Poderes estaria submetido à autoridade suprema do Presidente da República, pois mediado pelas Forças Armadas, que desempenham suas atividades sob seu comando. E essa interpretação, ao estabelecer hierarquia entre os Poderes, traria importantes e graves riscos para o princípio da supremacia constitucional.”
Na reunião ministerial de 22 de abril, Bolsonaro disse que o artigo 142 permite pedir uma intervenção militar para “reestabelecer a ordem no Brasil.”
“Artigo um, quatro, dois: nós queremos cumprir o artigo um, quatro, dois, todo mundo quer cumprir o artigo um, quatro, dois. E havendo necessidade, qualquer dos poderes, pode, né? Pedir às forças armadas que intervenham para reestabelecer a ordem no Brasil, naquele local, sem problema nenhum”, afirmou o presidente.
(Edição: Bernardo Barbosa)