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    Mortes por Covid-19 desaceleram em 82% dos bairros de São Paulo

    Em 79 dos 96 distritos houve desaceleração no ritmo de mortes; em 16 deles aumentou e em apenas 1 permaneceu estável

    A media diária de mortes por Covid-19 diminuiu em 82% dos bairros de São Paulo entre o fim de agosto e o fim de setembro. Isso significa que em 79 dos 96 distritos houve desaceleração no ritmo de mortes. Em 16 deles (17%) aumentou e em apenas 1 permaneceu estável. O levantamento foi feito com base em boletins detalhados da prefeitura e liberados em 3 e 31 de agosto e 24 de setembro.

    O destaque positivo é que em três bairros não houve mortes até agora em setembro: Vila Leopoldina (zona oeste), Marsilac (zona sul) e Pari (centro). Por outro lado, dos três com maior aceleração, dois ficam na zona leste: Cangaíba, com 72%, e São Lucas, 67%. O outro é a Liberdade, no centro da capital paulista, com aumento de 63% nas mortes.

    A prefeitura não divulga os números detalhados por distritos com periodicidade fixa. Entre o primeiro o segundo boletins, de 3 a 31 de agosto, há um período de 28 dias, e até o terceiro o intervalo é de 24 dias. Em razão disso, usou-se as médias diárias ao calcular a variação de agosto a setembro.

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    Em números gerais, Marsilac é o bairro com menor acúmulo de mortes. No início de agosto, tinha 12 óbitos. No decorrer do mês houve mais 2 mortes. Em setembro, o distrito não teve vítimas da Covid-19. Vale lembrar que, em abril, conforme dados do Sistema de Monitoramento Inteligente do governo de São Paulo, Marsilac era o bairro com maior índice de isolamento social, com 79%.

    A Vila Leopoldina foi de 43 mortes para 49 e depois conseguiu zerar. Pari saltou de 32 para 34 e, na sequência, não registrou mais mortes. O bairro da Consolação praticamente não teve variação entre os dados de agosto e setembro.

    Em último lugar no ranking está Cangaíba, que apresentou um aumento na média de óbitos de 72%. O distrito foi de 200 mortes em 3 de agosto, para 217 no dia 31 e saltou para 242 em 24 de setembro. Butantã e Pinheiros, na zona oeste, também aparecem entre os piores, com variação de 56% e 40%, respectivamente. 

    “A curva em São Paulo está caindo na cidade inteira. Aparentemente está diminuindo por igual”, disse o biólogo Fernando Reinach. “Mas é preciso levar sempre em conta a população do bairro. Porque em um determinado lugar dez mortes podem ter um impacto enorme e em outro, nem tanto”, acrescentou. 

    Mortes por 100 mil habitantes

    Ao dividir o número de mortes pela população de cada região o cenário muda completamente. Grajaú é o bairro com menor número de mortes por 100 mil habitantes: 49. Marsilac, um local de baixa densidade populacional, aparece em 13.º lugar, com 138 mortes por 100 mil habitantes. A população do bairro no extremo sul da capital é de 10 mil habitantes, ante 864 mil do Grajaú, o distrito mais populoso. 

    A urbanista Suzana Pasternak, professora da FAU-USP, destacou o aumento de mortes por Covid-19 nas áreas centrais e a diminuição na periferia. Além do Grajaú, Sapopemba (94), Anhanguera (100), São Rafael (106) e Pedreira (107) são outros bairros presentes na lista de menos mortes por 100 mil habitantes. Enquanto isso, Jardim Paulista (161), Itaim Bibi (174) e Lapa (192) aparecem com médias mais altas.

    “Uma hipótese que faz sentido é que, nos anéis centrais da cidade nas áreas nobres, a população fez o isolamento no início e depois relaxou, deixou de fazer. Basta ver as praias lotadas do litoral paulista. Por isso ficou mais suscetível. Nos anéis periféricos, o vírus se espalhou há uns meses e agora ficou mais estável”, comentou a urbanista. Outra possibilidade está na faixa etária da população que vive nos bairros nobres. “Nas áreas centrais há uma população mais velha, no grupo de risco.”

    O estado de SP registrou até essa quarta-feira (30) 985.628 casos da doença e 35.622 mortes. Até o momento, são dez semanas de queda consecutiva nas taxas de ocupação de leitos de UTI. Na Grande São Paulo, a taxa é de 42,5% e a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo decidiu que iniciará o redirecionamento de leitos de terapia intensiva para outras doenças.

    Vítima da doença

    Marcado por endereços tradicionais de lazer na zona leste da cidade, como o Parque Ecológico do Tietê e o Parque Linear do Tiquatira, o distrito do Cangaíba ainda vive dias difíceis e apresenta viés de alta nas mortes pelo novo coronavírus.

    Uma das vítimas mais recentes na região foi a assistente social Ana Cordeiro Santos, de 66 anos. Depois que o filho e o marido se contaminaram, mas apenas com sintomas leves, ela precisou ser internada em uma das unidades do Hospital Prevent Senior. No dia 21 de setembro, a moradora, que era bastante reconhecida na região, morreu.

    Ana atuou por 27 anos no Centro Social Bom Jesus de Cangaíba, organização parceira da Prefeitura de São Paulo. O local tem dez equipamentos distintos voltados ao serviço socioassistencial. Entre as atividades estão convivência de idosos, lazer, entretenimento e alimentação de cerca de 200 crianças. Isso significa que a Covid-19 vitimou alguém que ajudava as outras pessoas na pandemia.

    “Foi um baque enorme. Isso aconteceu quando a gente estava se preparando para retomar as atividades presenciais”, contou a gestora Maria de Fátima Feitosa, que trabalhou com Ana por três décadas.

    Vulnerabilidade

    Em Cangaíba, a pandemia também destaca as carências sociais e econômicas da população. Localizado entre o município de Guarulhos, na Grande São Paulo, e os distritos da Penha, Ponte Rasa e Ermelino Matarazzo, o bairro é uma área carente. Das mil famílias cadastradas no Serviço de Assistência Social à Família (SASF), órgão ligado ao poder municipal para atuar em regiões com altos índices de vulnerabilidade, 600 estão em carência extrema. Elas dependem do poder municipal e de doações para comer, por exemplo. 
      
    O bairro concentra inúmeros fatores que explicam os efeitos da pandemia. O principal deles é a falta de moradia. Centenas de pessoas que perderam o emprego durante a crise de Covid-19 aumentaram a ocupação irregular na Vila Sonia. Na região, existem quase 800 famílias. Em casas pequenas, com cômodos minúsculos, há maior dificuldade de isolamento. Existe ainda o grande risco de todos adoecerem juntos quando um morador pega o vírus. “Não há espaço suficiente”, disse Maria Gleide Lima Rocha, gestora local do SASF. 

    Sem vítimas 

    Contraste 

      

      
    A Vila Leopoldina, na zona oeste, está no extremo das estatísticas de mortes por Covid-19 em relação ao bairro de Cangaíba. A mobilização da comunidade foi decisiva para a queda dos indicadores, a partir de ações práticas. Em abril, o índice de isolamento social chegou ao patamar de 42%. 
      
    Os moradores resolveram fazer um acompanhamento estreito dos casos suspeitos da doença com o auxílio das Unidades Básicas de Saúde (UBS) da região, por meio do conselho gestor. A intenção era facilitar e acelerar a prática do isolamento social dos casos positivos. 
      
    A Rede Leopoldina Solidária, reunião de várias associações, escolas, organizações não governamentais, empresas e os moradores, facilitou a criação de um consultório gerido pelo Hospital Beneficência Portuguesa (BP), que foi instalado dentro da Associação de Moradores da comunidade Linha Nova Cingapura, localizada ao lado da Ceagesp. O objetivo era atender casos do novo coronavírus. 
      
    Outro foco foi o apoio ao Centro de Acolhida Zancone, localizado na região e mantido pelo poder municipal. Máscaras e aventais produzidos por costureiras do próprio bairro foram doados para tentar garantir a proteção da população vulnerável. 
      
    Foi ali que nasceu a ideia de ofertar água e sabão nas praças e locais públicos para contribuir com a higienização das pessoas que moram nas ruas. “As pessoas foram muito solidárias. Tinham vontade de ajudar. Além disso, conseguimos uma mobilização rápida. Foi bacana. Mesmo cansadas do isolamento, as pessoas doaram e se doaram”, contou a articuladora da rede local Alexandra Swerts Leandro, de 47 anos, uma das responsáveis pela conexão de várias entidades. 
      

      
    As diferenças entre os bairros, para os especialistas, espelham problemas sociais. “A pandemia escancarou e tornou indisfarçável a presença da desigualdade nas cidades do mundo todo como o mais indesejável e pernicioso subproduto do modelo de desenvolvimento, construção e consumo das cidades”, afirmou o arquiteto Valter Caldana, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie.

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