Como a corrida para MVP da NBA é a prova do sucesso da globalização da liga
O grego Giannis Antetokounmpo e o esloveno Luka Doncic são frutos de nova fase da liga, que enxerga potencial de atletas ao redor do planeta
MVP (Most Valuable Player, ou jogador mais valioso) é a maior honraria individual que um jogador pode receber nos Estados Unidos. O título é dado ao melhor atleta da temporada de qualquer esporte praticado na terra do Tio Sam.
Na NBA, principal liga de basquete do mundo, poucos foram os anos em que houve consenso sobre quem seria o MVP. A temporada 2019-20 não foge à regra.
Há no momento três nomes na disputa para o prêmio: o veterano LeBron James, de 35 anos, do Los Angeles Lakers; o grego do Milwaukee Bucks Giannis Antetokounmpo; e Luka Doncic, o esloveno de 21 anos que está apenas em sua segunda temporada na NBA, jogando pelo Dallas Mavericks.
Apesar do sempre presente LeBron, a lista conta com dois europeus e mostra uma mudança de tendência na liga. O primeiro não americano a vencer o título de MVP foi o nigeriano Hakeem Olajuwon em 1993-94. Já o primeiro europeu foi Dirk Nowitzki, em 2006-07.
Porém o que se vê na NBA atual é a maior internacionalização de sua história, não só pelos 108 jogadores internacionais que começaram a temporada 2019-20, mas pelo protagonismo que alguns deles assumem em suas equipes.
Se antes os Estados Unidos tinham o monopólio dos grandes jogadores, a globalização da NBA começa a encontrar grandes jogadores vindos de centros menos conhecidos, mas que, com trabalho de base, conseguem atuar em alto nível no maior degrau do basquete mundial.
A globalização da NBA
O basquete compete com o hockey como o esporte americano mais internacional do planeta. Enquanto o futebol americano não ultrapassa as fronteiras da América do Norte e o baseball está presente no Japão e em países do Caribe, o hockey é esporte nacional de quase todos os países do norte da Europa, com ligas fortes e grandes estabelecidas fora dos Estados Unidos e Canadá.
O basquete, por sua vez, é uma potência na Europa, especialmente no leste europeu, além de ter grande apelo na América do Sul (o Brasil é duas vezes campeão mundial da modalidade, enquanto a Argentina tem uma medalha de ouro olímpica). Pesa a favor do basquete em relação ao hockey a facilidade de se praticar o esporte.
Porém, com todos estes fatores, o basquete era apenas o quarto esporte em termos de popularidade nos Estados Unidos até a década de 1980 –tanto que a liga quase acabou na década de 1970 por falta de verbas e má organização do campeonato.
Um levantamento feito pelo jornal “Los Angeles Times” em 1980 estimou que entre 45% e 75% dos jogadores da NBA na época usavam cocaína. O buraco era fundo, e, na temporada 1980-81, 16 dos 23 times perderam dinheiro.
A irrelevância da liga era tamanha que, entre 1979 a 1981, sete jogos das finais da liga não foram transmitidos ao vivo, algo impensável na NBA de hoje.
Isso até a chegada de David Stern. Comissário da liga –espécie de CEO da NBA– entre 1984 e 2014, ele enxergou o potencial dos times (também chamados de franquias) e dos jogadores, e começou a tratá-los da maneira devida.
Suas primeiras ações foram instituir uma política anti-doping e criar o teto salarial, que dava a times de mercados pequenos a chance de competir em pé de igualdade com equipes de cidades grandes.
Criava então condições de paridade para equipes e jogadores. As mudanças vieram junto com a nova era da rivalidade Celtics x Lakers, que com Larry Bird e Magic Johnson cativaram todos os Estados Unidos, mostrando ao público americano que o esporte era, sim, emocionante. Com o restabelecimento da liga no país, Stern começou então a olhar além das fronteiras.
Olhando para o basquete internacional
A Federação Internacional de Basquete (Fiba) foi fundada em 1932, com a primeira Copa do Mundo de Basquete acontecendo em 1950. Porém os Estados Unidos nunca tiveram boa relação com a federação.
O país não permitia a participação de atletas profissionais no basquete internacional e usava altura de aro e forma de garrafão diferentes dos da Fiba. As regras diferenciadas faziam com que jogadores da NBA não pudessem mais defender sua seleção –por conta disso, Oscar Schimdt se recusou a jogar pelo New Jersey Nets em 1984.
Oscar é figura central de outra mudança fundamental no basquete. Um ano após recusar a NBA, ele foi o principal jogador do Brasil na inesperada vitória contra os Estados Unidos no Pan-Americano de Indianápolis, no país que criou o basquete.
“Aquela derrota foi fundamental para que os Estados Unidos criassem o Dream Team para a Olimpíada de Barcelona 1992. Quando perdemos para o Brasil, nós vimos o quanto o basquete internacional havia evoluído. Depois, nós ainda acabamos ficando com a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Seul 1988, e ficou realmente claro que precisaríamos criar a seleção mais forte possível”, declarou para o site “Globo Esporte” o pivô David Robinson, que estava em quadra naquele dia.
Após a derrota, a Federação Americana de Basquete pleiteou mudanças no basquete Fiba, que começou a aceitar jogadores da NBA. Nasceu então o Dream Team. O time de basquete dos Estados Unidos dos Jogos de 1992 foi uma das maiores comunhões de craques da história do esporte.
A equipe foi fundamental para o crescimento de popularidade da NBA. Pela primeira vez um esporte americano teve ídolos conhecidos mundialmente, como no futebol.
Agora que o mundo assiste à NBA, era preciso que o mundo jogasse na NBA. Na temporada 1991-92, a liga contava com 23 jogadores internacionais. Em 2014-15, o número subiu para 101 atletas internacionais, de 37 países diferentes. O crescimento se deu por uma maior abertura da NBA ao basquete praticado fora da América do Norte.
Em 2001, a liga criou o programa Basketball Without Borders, que roda o planeta realizando trabalho de garimpo de talentos. Atualmente, a NBA conta com 13 escritórios ao redor do planeta, que realizam atividades relacionadas ao esporte e organizam jogos fora dos Estados Unidos.
Durante a década de 1990, times da liga excursionavam ao redor do planeta em jogos amistosos. Foi em um desses eventos que descobriram Dirk Nowitzki, alemão lenda do Dallas Mavericks, MVP da liga e campeão da NBA em 2011.
Há também o San Antonio Spurs e seu técnico, Greg Popovich, que foram os primeiros a formar um time de talentos internacionais, e que ganharam três títulos com o trio Tim Duncan (nascido nas Ilhas Virgens Americanas), Tony Parker (francês) e Manu Ginobili (argentino). O surgimento de grandes jogadores internacionais abriu os olhos da NBA para uma tendência irreversível, mas que só agora se consolida.
Por muito tempo a vinda de jogadores de fora dos Estados Unidos acontecia por golpes de sorte, seja por um jogo bom contra times da NBA em excursão, ou por técnicos que não tinham medo de apostar em atletas de fora. Mas conforme os sucessos foram se tornando mais recorrentes, a liga começou a olhar para outras ligas sem o preconceito de antes, e é nesse contexto que surgem nomes como os de Giannis Antetokounmpo e Luka Doncic.
O caminho tradicional para entrar na NBA sempre foi via draft, a seleção de talentos oriundos da liga universitária americana de basquete. Havia certo preconceito dos americanos com jogadores vindo de fora, especialmente com o tipo de basquete praticado –até a temporada 2000-01, a liga proibia marcação em zona, o que deixava a dinâmica de jogo da NBA diferente da do basquete Fiba.
Porém, com a internacionalização do esporte, outros campeonatos começaram a ser vistos como celeiros de talento. Giannis surge assim. Após ter sido selecionado para o jogo das estrelas do campeonato grego de 2012-13, ele se inscreveu para o draft da NBA de 2013, e estreou na liga com apenas 18 anos. Após anos aprimorando sua técnica e forma física, se tornou o jogador dominante de hoje.
Já Luka Doncic foi um fenômeno na Europa. Contratado pelo Real Madrid com 13 anos, imediatamente se tornou a estrela do time sub-16. Estreou no time principal com 16 anos e nunca mais saiu, faturando o campeonato espanhol em três oportunidades e a Euroleague em 2017-18, onde foi o MVP das finais.
Chegou na NBA com desconfiança –duvidavam de sua postura em quadra, de seu físico, e de como iria se sair em uma liga em que não é protagonista. Todas as dúvidas se dissiparam em seus primeiros jogos.
Se Nowitzki, Ginobili e Parker foram desbravadores da NBA para estrangeiros, Doncic e Giannis são fruto de novas trajetórias possíveis na liga. Ela não se vê mais como puramente americana, mas sim como o patamar mais alto do basquete mundial, algo como a Champions League faz com o futebol.
Hoje um jovem que joga basquete no Senegal sabe que um dia pode chegar à NBA sem nunca ter pisado nos Estados Unidos. Se a busca pelo título de MVP da temporada por Doncic e Giannins ensinam algo para a liga, é que hoje ela é uma plataforma de talentos mundiais.