Dolarização: o que aconteceria se o plano de Milei fosse aplicado e a Argentina trocasse de moeda?
Atual crise é a maior das últimas três décadas, desde que Argentina enfrentou uma hiperinflação
À medida que a desvalorização do peso argentino aumenta, também crescem os debates acerca de como conter essa queda e criar condições para controlar a inflação, que já está acima de 113% ano a ano, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina (Indec).
Esta não é a primeira vez que o país passa por um período de alta inflação. No entanto, os percentuais desta crise são os maiores das últimas três décadas, desde que Argentina enfrentou uma hiperinflação que culminou no programa de conversibilidade, que igualou o valor do peso ao do dólar.
Entre os cenários para o futuro, o candidato presidencial do “La Libertad Avanza”, Javier Milei, que foi o mais votado nas primárias deste ano, propõe um programa de dolarização da economia argentina.
Milei sustenta que esta é a única forma de acabar com a inflação e gerar um “choque” de valorização da produção e dos salários em dólares. Ele pensa em um câmbio mais próxima do preço que o “dólar blue” — vendido no mercado paralelo — tem hoje (730 pesos por dólar).
Economistas consultados pela CNN consideram inviável a conversão proposta por Milei.
Eles argumentam que se a troca de dólares por pesos não for feita em um valor próximo ao do mercado e for calculada a partir da divisão entre a base monetária e os dólares disponíveis nas reservas do Banco Central, o resultado seria muito maior.
Mas como seria um processo de dolarização?
Os especialistas concordam que não há mistério para realizar o processo: é preciso resgatar todos os pesos que circulam na economia e entregar dólares no lugar deles, em todas as operações. As questões que surgem são como colocar isso em prática e em que tipo de mudança resultaria essa conversão.
“A dolarização como conceito é muito atraente, mas sua implementação é muito difícil”, diz o economista Claudio Loser.
“Não se trata apenas de converter as cédulas em circulação, mas também de empréstimos e depósitos. Não é algo tão automático, tem que haver um sistema de suporte para conseguir essa mudança”, acrescenta.
Para Damián Di Pace, economista e especialista em consumo, “até os próprios referentes do espaço Milei reconhecem que a dolarização não pode ser feita durante o primeiro ano de governo, porque não há dólares suficientes”.
“Mas é importante seguir esse caminho, porque há muitos anos não temos moeda, e isso não dá previsibilidade ao investimento, à poupança ou ao consumo dos argentinos”, afirma.
Se o programa cambial se concretizar, levando em conta forma como seria implementado, o impacto na economia poderia ser diferente se outros indicadores forem considerados, como inflação, consumo e pobreza.
Alguns especialistas explicam que a até então “indomável inflação argentina” encontraria um canal “mais razoável” se a economia fosse dolarizada, enquanto outros alertam para possíveis efeitos perigosos no curto prazo.
Segundo eles, o Banco Central perderia sua capacidade de influenciar a política monetária, porque deixaria de ter capacidade para emitir moeda e desapareceria como credor de última instância.
“Não é qualquer tipo de solução para ninguém. As pessoas pensam que voltam um a um, mas não será assim. No longo prazo, a dolarização pode baixar a inflação, mas tem muitas consequências, porque não vejo isso como possível”, diz o economista Mariano Gorodisch.
“Não há garantia de que a dolarização gerará estabilidade econômica automática”, concorda Loser. “Na minha opinião é um processo muito difícil, onde se perde a política monetária e exige uma disciplina fiscal rígida. Sem isso, é impossível dolarizar”.