Planalto vê responsabilidade do FMI em vitória de Milei e teme por Mercosul, dizem fontes
Com apoio declarado de Bolsonaro, candidato ultradireitista defende a dolarização da economia, taxação da saúde e da educação públicas e legalização do porte de armas, entre outras medidas polêmicas
Surpreendido pelo resultado das eleições primárias na Argentina, que alçaram o ultraliberal Javier Milei à condição de favorito para ocupar a Casa Rosada, o governo brasileiro responsabiliza o Fundo Monetário Internacional (FMI) pela força do “voto bronca” no país vizinho e teme pelo futuro do Mercosul, segundo fontes do Palácio do Planalto ouvidas reservadamente pela CNN.
Auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acreditam que o jogo ainda pode mudar nas eleições presidenciais de outubro e torcem pelo que chamam de “forças democráticas” contra Milei — não apenas o peronista Sergio Massa, candidato preferido do Palácio do Planalto, mas até mesmo Patricia Bullrich, conservadora com discurso linha dura na área de segurança e pupila do ex-presidente Mauricio Macri (centro-direita).
Até agora, o Itamaraty não teve contatos de alto nível com Milei ou com seus principais assessores de campanha.
Questionado pela CNN se existe a intenção de construir pontes entre o Planalto e o vencedor das primárias de domingo (13), um auxiliar direto de Lula respondeu com uma pitada de ironia: “E ele por acaso quer pontes conosco?”.
Milei tem o apoio declarado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de sua família. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) postou, em suas redes sociais, fotos com o argentino e celebrando o resultado.
Apresentando-se como “anarcocapitalista” e antissistema, Milei se declara admirador de Donald Trump e tem laços com partidos da ultradireita internacional, como o Vox da Espanha.
Ele defende a dolarização da economia, a venda de todos os bens do Estado, a taxação da saúde e da educação públicas, endurecimento contra a entrada de imigrantes e legalização do porte de armas, entre outras medidas polêmicas.
Sua vice, Victoria Villaruel, relativiza os crimes de lesa-humanidade cometidos por militares na ditadura que vigorou entre 1976 e 1983.
VÍDEO – Análise: Propostas como a de Javier Milei não costumam dar certo
FMI e Mercosul
Para pessoas próximas de Lula, houve muita lentidão e excesso de rigor do FMI nas negociações para flexibilizar metas e liberar mais dólares contra a crise cambial vivida pela Argentina.
No fim deste mês, o conselho do FMI deverá aprovar um desembolso de US$ 7,5 bilhões ao país vizinho. Isso deve aliviar um pouco o estresse cambial. Analistas políticos em Buenos Aires têm notado que, a cada rodada de desvalorização do peso e corrida ao dólar, Milei cresce.
O Brasil — ao lado de México, Chile, Colômbia, Bolívia e Paraguai — enviou carta conjunta ao presidente Joe Biden, em junho, pedindo apoio dos Estados Unidos na renegociação do FMI com a Argentina.
A carta alega que o governo de Alberto Fernández tem trabalhado “arduamente” para quitar a dívida “excepcional” contraída com o FMI, em referência ao empréstimo de US$ 45 bilhões concedido em 2018, quando o país era governado por Macri.
No Planalto, a avaliação é que as dificuldades da Argentina neste ano são causadas acima de tudo pela seca histórica, que levou à quebra da safra agrícola e à perda de US$ 20 bilhões em exportações. Hoje o país vizinho tem reservas internacionais líquidas abaixo de zero.
Outra enorme preocupação, em Brasília, é com o futuro do Mercosul. Em entrevistas, Milei já defendeu abertura comercial irrestrita e a eliminação do bloco, criado em 1991.
Apesar da vitória de Milei nas primárias, que não foram do agrado do Planalto, causou boa impressão o percentual de votos alcançados por Sergio Massa.
O Unión por la Patria, coalizão governista apoiada por Fernández e com Massa à frente, teve pouco mais de 27% dos votos e colou no Juntos por el Cambio (de Patricia Bullrich). Milei ficou com 30%.
Entre auxiliares de Lula, há uma visão de que o discurso radical de Milei poderia fazer muitos eleitores argentinos pensarem duas vezes e se voltarem para candidatos mais tradicionais.
Mesmo se o ultraliberal vencer as presidenciais, que têm primeiro turno em outubro e o segundo turno em novembro, a esperança no Planalto é de que lhe falte base parlamentar para aprovar projetos mais polêmicos, como a dolarização da economia e a saída do Mercosul.