Moscou passa a rastrear população e levanta preocupações com privacidade
Prefeito afirma que projeto, que visa reforçar o isolamento, é uma resposta ao rápido salto no número de casos confirmados do novo coronavírus na cidade
Capital da Rússia – país que teve um salto no número de infectados pelo coronavírus no últimos dias –, Moscou introduziu um sistema digital de rastreamento com a justificativa de reforçar o isolamento durante a pandemia do novo coronavírus. A medida atriu olhares de críticos, que dizem que essa tecnologia representa uma ameaça, sem precedentes, à privacidade.
A cidade é o epicentro do surto de COVID-19 na Rússia, com 11,5 mil dentre os 18,3 mil casos confirmados no país. “Se antes tínhamos 500 hospitalizações por dia, hoje temos 1,3 mil”, disse o prefeito Serguei Sobyanin na sexta-feira (10). Ele afirmou que o sistema digital de rastreamento é uma resposta à rápida alta nos números em Moscou.
Na teoria, o conceito é simples. Cidadãos e moradores da região de Moscou – com mais de 14 anos – precisam de um código QR se quiserem transitar pela cidade. Ao se registrar em um site do governo ou fazer o download do aplicativo no celular, a pessoa pode informar a rota que pretende e o motivo de sair de casa. Depois, recebe um código QR que pode ser verificado pelas autoridades.
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Inicialmente, a medida se aplica apenas a indivíduos que usam o transporte público, mas as autoridades dizem que ela deve ser ampliada a trajetos curtos pelos bairros da capital russa.
A polícia vai verificar esses códigos e multar aqueles que não tiverem permissão para circular ou os que tenham fornecido informações falsas intencionalmente. As pessoas que ainda estão indo trabalhar podem obter um passe especial ilimitado. Mas para assuntos pessoais – como ir a uma loja ou a uma casa de campo – os moradores podem pegar apenas dois passes por semana, cada um válido por um dia.
O sistema passa a valer oficialmente e de forma obrigatória nesta quarta-feira (15), mas as autoridades já estão reprimindo o movimento não autorizado pela cidade. Na segunda-feira (13), policiais isolaram pontos de entrada para verificar se os motoristas tinham um motivo válido para estar em Moscou.
Apropriação de dados
O governo já aproveitou a pandemia do novo coronavírus para testar novas tecnologias, principalmente o uso de inteligência artificial e de ferramentas de reconhecimento facial. Mas críticos alertam que o novo sistema levará a uma apropriação de dados, sem precedentes, por parte do governo.
Por exemplo, o site de permissão solicita a todos os usuários que se registrem ou vinculem sua página a um portal eletrônico do governo, que armazena dados dos sobre multas de trânsito, contas de serviços públicos, passaportes estrangeiros, entre outros. Os usuários também precisam divulgar seus pontos de origem e destino, o número da placa do carro, além de fazer o upload dos documentos de identidade.
Daria Besedina e Maxim Katz, parlamentares opositores que votaram contra o sistema, qualificaram o projeto de “Gulag cibernética” e “campo de concentração digital”, criticando as autoridades pelas mensagens dúbias a respeito da COVID-19.
“Se por um lado você diz às pessoas o dia todo que a situação está sob controle e apenas os mais velhos estão morrendo [da doença], de outro, se você não fornece nenhum auxílio econômico, as pessoas não ficarão em casa”, escreveu Katz no Twitter. “Não importa quantos passes você coloque em funcionamento.”
O prefeito de Moscou não ficou contente em ver a quantidade de pessoas nas ruas e parques da cidade em um dia ensolarado na semana passada, quando o isolamento era voluntário. Em resposta a isso, as autoridades locais endureceram as regras, instruindo que saíssem de casa apenas para ir a uma loja próxima ou andar com o cachorro em um espaço de 100 metros de distância de suas casas. Se desobedecerem, podem pagar uma multa.
Privacidade em dúvida
Alguns especialistas duvidam da habilidade das autoridades em processar os milhões de pedidos pelos códigos QR. Mas uma vez que isso funcione, defensores da privacidade temem que o sistema possa abrir caminho para uma prática invasiva que não desaparecerá com o fim da pandemia.
O Roskomsovoda, grupo que monitora a liberdade virtual na Rússia, qualificou a nova ferramenta como parte de uma “corrida por vigilância” e lançou um mapa de “violações dos direitos civis digitais” para verificar as restrições que podem permanecer após o fim do surto da doença.
O gabinete do prefeito de Moscou afirmou que deletará todos os dados obtidos quando o período de isolamento acabar. Contudo, especialistas temem que as informações privadas das pessoas possam acabar nas mãos erradas.
“Há uma grande probabilidade de que, assim que a pandemia acabar, esses dados comecem a ser divulgados no mercado [virtual ilegal], o que já acontece com muitas outras bases de dados”, explicou Sarkis Darbinyan, advogado do Roskomsovoda. “Isso é muito arriscado”, alertou ele.