Usamos os mesmos tijolos por milhares de anos; saiba por que é hora de mudar
Engenheira brasileira apresenta tijolo feito com 90% de resíduos de construção e que não precisa ser queimado em forno; opção é mais sustentável do que o comum
Embora estejamos cercados por milhões deles todos os dias, a maioria de nós não pensa em tijolos com muita frequência. Por milhares de anos, o humilde tijolo feito de argila não mudou. Os blocos de construção de casas suburbanas modernas seriam familiares aos planejadores da antiga Babilônia, aos pedreiros da Grande Muralha da China ou aos construtores da Catedral de São Basílio, em Moscou.
Mas o tijolo como o conhecemos causa problemas ambientais significativos, ao usar materiais brutos e finitos e criar emissões de carbono. É por isso que Gabriela Medero, professora de Engenharia Geotécnica e Geoambiental da Heriot-Watt University, na Escócia, decidiu reinventá-lo.
Originária do Brasil, Medero diz que foi atraída pela engenharia civil porque isso deu à sua paixão por matemática e física uma saída prática. Ao tomar conhecimento das questões de sustentabilidade da indústria da construção, ela começou a buscar soluções. Com o apoio de sua universidade, Medero uniu forças com seu colega engenheiro Sam Chapman e fundou a Kenoteq, em 2009.
O produto de assinatura da empresa é o K-Briq. Feito com mais de 90% de resíduos de construção – que não precisa ser queimado em um forno – produz menos de um décimo das emissões de carbono dos tijolos convencionais. Com a empresa testando novas máquinas para começar a aumentar a produção, Medero espera que seus tijolos ajudem a construir um mundo mais sustentável.
O problema com tijolos
Embora sejam feitos de materiais naturais, existem problemas com os tijolos em todas as etapas de sua produção. Iniciando pela mineração de argila – um tipo de solo encontrado em todo o mundo -, que desgasta a camada fértil do solo e inibe o crescimento das plantas.
Na produção convencional de tijolos, a argila é moldada e cozida em fornos a temperaturas de até 1.250 °C. A maioria dos fornos de tijolos são aquecidos por combustíveis fósseis, que contribuem para as mudanças climáticas. Depois de fabricados, eles devem ser transportados para os canteiros de obras, gerando mais emissões de carbono.
Globalmente, 1.500 bilhões de tijolos são produzidos a cada ano. Posicionados de ponta a ponta, eles se estenderiam até a lua e voltariam 390 vezes. A pegada ambiental de diferentes tijolos reflete vários fatores, incluindo o tipo de forno, combustível e transporte. Mas o impacto aumenta com tanta produção.
Para fazer o K-Briq, resíduos de construção e demolição, incluindo tijolos, cascalho, areia e gesso cartonado, são triturados e misturados com água e um aglutinante. Os tijolos são, então, prensados ??em moldes personalizados. Tingidos com pigmentos reciclados, podem ser feitos em qualquer cor.
No início deste ano, a Kenoteq ganhou sua primeira comissão: fornecer tijolos para o Serpentine Pavilion 2020, no Hyde Park de Londres (embora o projeto tenha sido adiado até o verão de 2021 devido à atual pandemia). Projetado pelo estúdio de arquitetura Counterspace, o edifício incorporará K-Briqs em cinza, preto e 12 tons de rosa.
A arquiteta-chefe do Serpentine Pavilion, Sumayya Vally, diz que o K-Briq a atraiu por ser um produto reciclado. Ele “incorpora” o passado por meio do uso de materiais antigos e, como pode ser personalizado, permite “que o designer faça parte do processo de construção do material”, criando oportunidades únicas na arquitetura.
Por que os tijolos antigos não podem ser reutilizados?
No Reino Unido, cerca de 2,5 bilhões de novos tijolos são usados ??na construção todos os anos – e, aproximadamente, o mesmo número de tijolos antigos são demolidos. Uma solução aparentemente simples para o problema da produção de tijolos seria reutilizar tijolos velhos.
Mas não é tão simples. De acordo com Bob Geldermans, pesquisador de design climático e sustentabilidade da Delft University of Technology, na Holanda, recuperar tijolos é um processo caro e “trabalhoso”.
Segundo a Associação de Desenvolvimento de Tijolos do Reino Unido, velhas estruturas de tijolos precisam ser cuidadosamente desmontadas e limpas de argamassa com martelos e talhadeiras. Tijolos recuperados são usados ??para ajudar a renovar edifícios históricos ou para outros projetos especializados, mas o processo é muito caro para construção em massa.
Uma barreira adicional é que não há uma maneira padronizada de verificar a resistência, segurança ou durabilidade dos tijolos recuperados.
Para Medero, o K-Briq poderia resolver esses dois problemas, pois terá preço comparável aos tijolos convencionais. Além disso, como um novo produto, foi submetido a uma avaliação rigorosa no laboratório de testes de materiais da Heriot-Watt University e está em processo de certificação pelos reguladores. Medero afirma que os K-Briqs são mais fortes e duráveis ??do que os tijolos de argila cozidos e também fornecem melhor isolamento.
Aumentando a escala
A Kenoteq atualmente opera uma oficina em Edimburgo, que pode produzir três milhões de K-Briqs por ano. Medero está pensando em expandir, mas é difícil criar uma revolução na construção.
Geldermans diz que o setor é notoriamente lento para mudar – acrescentando que a legislação fica muito atrás da inovação, então as construtoras não são incentivadas a adotar práticas e materiais sustentáveis.
Stephen Boyle é o gerente do programa de construção da Zero Waste Scotland, uma organização sem fins lucrativos que, junto com organizações como a Scottish Enterprise e a Royal Academy of Engineering, forneceu financiamento à Kenoteq. Ele atribui o conservadorismo do setor a uma situação de “ovo e galinha”. As startups inovadoras precisam de grandes contratos para permitir seu escalonamento, mas lutam para se tornarem competitivas sem uma grande operação já instalada.
No entanto, apesar dos desafios, a Kenoteq está longe de ser a única empresa a tentar tornar a construção mais sustentável. Outros inovadores incluem a Qube, uma startup com sede na Índia que cria tijolos com resíduos de plástico, e a ClickBrick, que elimina o uso de cimento por meio de empilhamento modular (pense em brinquedo Lego da vida real).
Existem sinais de mudança. Na Escócia, o governo está analisando um projeto de lei de economia circular que incentiva as empresas a pensar de forma criativa e econômica sobre como reutilizar e reciclar materiais. Boyle destaca que há “empreiteiros que usariam [os K-Briqs] amanhã”, se eles estivessem sendo produzidos em grande escala.
Nos próximos 18 meses, Medero planeja colocar maquinários do K-Briq em fábricas de reciclagem. Isso aumentará a produção e, ao mesmo tempo, reduzirá as emissões relacionadas ao transporte, porque os caminhões podem coletar K-Briqs quando despejam resíduos de construção. “Precisamos ter formas de construir de maneira sustentável, com materiais acessíveis e de boa qualidade que durem”, finaliza.