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    Conheça o cientista que tenta viajar no tempo

    Ron Mallett desenvolveu equações e princípios científicos segundo os quais, diz ele, seria possível criar uma máquina do tempo

    Francesca Street , CNN

    O passado, como já foi dito, é um país estrangeiro. E, às vezes, é um país que temos vontade de visitar.  
    Não podemos, é claro. Enquanto as viagens de verdade são limitadas apenas por quanto dinheiro podemos gastar, requisitos para vistos e cancelamentos de voos, uma expedição a tempos idos é limitada pelas duras e frias leis da física.  Ou talvez não seja.  Engordando as fileiras de inventores do cinema, como Doc Brown, de “De volta para o futuro”, estão alguns cientistas da vida real, que atualmente tentam realizar o sonho de voltar o relógio para viajar ao último destino.  Entre eles está Ron Mallett, um astrofísico que tem dedicado grande parte de sua vida adulta à ideia de que viajar pelo tempo é possível. Ele desenvolveu as equações e princípios científicos segundo os quais diz que seria possível criar uma máquina do tempo.  Embora tenha consciência de que é pouco provável que suas teorias e projetos permitam viajar pelo tempo no curso de sua própria vida, ele vem há anos trabalhando em paralelo com sua respeitável carreira acadêmica para realizar o sonho de se aventurar a voltar no tempo para ver seu amado pai novamente.  Mallett tinha 10 anos quando seu pai morreu de repente de um ataque cardíaco, um acontecimento que o cientista diz ter mudado o rumo de sua vida para sempre.  “Para mim, o sol nascia e se punha por ele, que era o centro das coisas”, conta à CNN Travel. “Mesmo hoje, para mim, depois de todos estes anos, ainda há um pouco de irrealidade nisso.”  O pai de Mallett, um técnico de TV, ensinou ao filho o amor pela leitura e encorajou sua crescente paixão pela ciência. Cerca de um ano após a morte do pai, um Mallett de luto tropeçou em uma versão ilustrada do romance clássico de ficção científica “A máquina do tempo”.  “O livro mudou a minha vida”, diz ele.  Graças à imaginação do autor, H.G. Wells, Mallett sentiu, de repente, que sua tragédia familiar não se apresentava como um fim — mas como um começo.  Sessenta anos depois, o Mallet de 74 anos é professor de física na Universidade de Connecticut. Passou sua carreira pesquisando buracos negros e relatividade geral — as teorias sobre espaço, tempo e gravidade notoriamente exploradas por Albert Einstein.  Mallett também vem teorizando sobre viagens no tempo e no decorrer de suas teorias, acabou embarcando em sua própria jornada pessoal: uma busca complexa e muitas vezes controversa para construir uma máquina capaz de visitar o passado.  
    Ele ainda está muito longe de seu destino — há quem argumente que ele nunca chegará lá — mas sua viagem se mostra como uma história comovente que reside no poder do amor, na potência de sonhos infantis e no desejo humano de controlar o destino em um universo impossível de ser conhecido.

    Como se tornar um viajante no tempo
     
    Mallett teve seu primeiro encontro com o conceito de viagens no tempo nos idos da década de 1950.
     
    “Ainda nem tínhamos ido ao espaço”, relembra. “E as pessoas sequer tinham certeza se poderíamos.”
     
    Criado no bairro do Bronx, em Nova York, e mais tarde na Pensilvânia, a família de Mallett enfrentava dificuldades financeiras.
     
    Como um autoproclamado “fanático por livros”, ainda assim ele encontrava meios para conseguir materiais de leitura, encontrando conforto, após a morte do pai, entre as estantes da livraria local do Exército da Salvação.
     
    Foi lá que Mallett se deparou com os escritos de Einstein, sua próxima essencial inspiração.
    Ronald Mallett, pai de Ron Mallett

    Ronald Mallett, pai de Ron Mallett

    Foto: Ronald Mallett/Divulgação

     
    Ele continuou estudando livros de ciência durante a adolescência e, depois de terminar o ensino médio, se empenhou em entrar na faculdade por meio do G.I. Bill, projeto de lei que presta apoio educacional a veteranos das forças militares após o tempo de serviço.
     
    Ele se alistou na Força Aérea dos EUA, onde serviu por quatro anos, inclusive no Vietnã.
     
    Por fim, Mallett conseguiu entrar para a vida acadêmica. Fez um bacharelado em física, seguido de um mestrado e um doutorado, especializando-se na teoria de Einstein.
     
    Seu primeiro emprego foi trabalhando com lasers na United Technologies, uma fabricante de aeronaves, estudando como eles poderiam ser usados para fazer furos nas pás das turbinas de motores de jatos.
     
    Depois de alguns anos aplicando teorias matemáticas em seu ambiente prático, Mallet foi trabalhar na Universidade de Connecticut (UCONN) como professor assistente de física.
     
    Em meio a tudo isso, desde o Vietnã e depois de seu retorno, Mallett esteve silenciosamente considerando as possibilidades de viajar no tempo.
     
    Mas ele só começou a falar publicamente sobre suas ambições depois que a UCONN lhe conferiu estabilidade como professor, uma posição acadêmica aberta que garante aos detentores a licença de trabalhar com bastante liberdade, sem risco de demissão.
     
    “Eu queria garantir que tinha atingido o ápice do profissionalismo”, diz ele. “Mesmo assim, estava um pouco relutante.”
     
    Ele tinha consciência do estereótipo do “professor maluco”. Quis garantir que suas ambições não seriam ridicularizadas e seu trabalho ameaçado.
     
    Mas quando Mallett começou a falar abertamente sobre suas ideias, descobriu que elas ressoavam com muitos outros, algo que, segundo ele, mostra a universalidade do desejo de revisitar o passado. Todos, diz ele, temos arrependimentos, ou decisões passadas sobre as quais refletimos, ou pessoas que perdemos e que ansiamos por ver de novo.
     
    “As pessoas começaram a entrar em contato comigo, literalmente de todos os lugares do mundo, sobre a possibilidade de voltar no tempo.”

    A ciência por trás de tudo
     
    Hoje, fotos de Mallett trabalhando mostram o professor cercado de equipamentos em um laboratório atravancado, demonstrando seus princípios em funcionamento por meio de experimentos em pequena escala – ou de pé, radiante, diante de lousas onde registrou suas fórmulas.
     
    O aspecto pessoal do trabalho de Mallett é profundamente tocante, mas quão plausível é a ciência por trás de suas ideias?
     
    Tudo se conecta, diz Mallett, com a teoria especial de Einstein sobre a relatividade e com a teoria da relatividade geral.
     
    “Em resumo, Einstein disse que o tempo pode ser afetado pela velocidade.”
     
    Mallett dá o exemplo de astronautas atravessando o espaço em um foguete que está viajando quase à velocidade da luz. O tempo passaria diferentemente na Terra do que para as pessoas no foguete.
     
    “Na verdade, eles poderiam voltar achando que estão apenas alguns anos mais velhos, mas décadas se passaram aqui na Terra”, lembra o pesquisador.
     
    Mallett aponta para o filme clássico de ficção científica de 1968, “Planeta dos Macacos”, em cujo final [alerta de spoiler] um astronauta percebe que não viajou para um planeta distante governado por macacos, ele meramente voltou para a Terra em um futuro pós-apocalíptico em que a humanidade foi subjugada por símios.
     
    “Esta é uma representação precisa da teoria da relatividade especial de Einstein”, aponta Mallet. “Portanto, o resultado é que, de acordo com a teoria da relatividade especial, se você está viajando rápido o suficiente, você está, respectivamente, viajando através do tempo. E efetivamente, isso seria a representação de uma viagem no tempo.”
     
    No entanto, isso tudo tem a ver com viajar para adiante, não para trás, então como isso poderia ajudar a busca de Mallett por se reunir com seu pai?
     
    A teoria da relatividade geral de Einstein baseia-se no conceito da gravidade — e considera como o tempo é afetado por ela.
     
    “O que Einstein quis dizer com isso é que quanto mais forte a gravidade, mais o tempo irá desacelerar”, afirma Mallett.
     
    A teoria da relatividade geral de Einstein diz que o que chamamos de força da gravidade não é de modo algum uma força, mas na verdade o dobramento do espaço por um objeto massivo.
     
    “Se você pode dobrar o espaço, existe a possibilidade de você deformar o espaço”, diz Mallett.
     
    “Na teoria de Einstein, o que chamamos de espaço também envolve o tempo — é por isso que é chamado de espaço-tempo; o que quer que você faça com o espaço também acontece com o tempo.”
     
    Mallett postula que ao distorcer o tempo em voltas, seria possível viajar do futuro para o passado — e depois de volta ao futuro. E esta é a ideia de uma fenda espacial, um tipo de túnel com duas aberturas.
     
    Mallett sugere que a luz também poderia ser usada para afetar o tempo por meio de algo chamado de anel de laser.
     

    Doc Brown (C. Lloyd) e Marty McFly (Michael J. Fox) em De Volta para o Futuro

    Doc Brown (Christopher Lloyd) e Marty McFly (Michael J. Fox) em De Volta para o Futuro

    Foto: Universal Pictures/Divulgação

    Ele criou um protótipo ilustrando como lasers poderiam ser usados para criar um feixe de luz circundante que distorce o espaço e o tempo — inspirado em seu primeiro trabalho fazendo experimentos com o efeito do laser em motores de jatos.
     
    “No final, meu conhecimento sobre lasers acabou me ajudando a fazer uma descoberta ao entender como chegar a uma maneira totalmente nova para a base de uma máquina do tempo”, diz Mallett.
     
    “Estudar o tipo de campo gravitacional que foi produzido por um anel de laser poderia levar a uma nova maneira de contemplar a possibilidade de uma máquina do tempo baseada em um feixe de luz circundante.”
     
    Mallett também tem uma equação teórica que, segundo ele, prova que isto poderia funcionar.
     
    “Em algum momento, um feixe circundante de luzes de laser poderia atuar como um tipo de máquina do tempo e causar uma distorção do tempo que permitiria que você voltasse ao passado”, afirma.
     
    Mas existe um problema — um problema bem grande.
     
    “Você pode enviar informações de volta, mas você pode apenas enviá-las a partir do ponto em que você liga a máquina”, diz Mallett.
     
    Apesar de sua busca por voltar à década de 1950 não estar nem um pouco perto de se tornar realidade, ele se mantém otimista, e continua a ponderar possibilidades.

    A realidade da viagem no tempo
     
    Então, poderia haver um futuro não muito distante no qual viajar no tempo seria parte da nossa realidade diária? Afinal, estamos entrando em uma nova década na qual o que já foram conceitos fantasiosos, como turismo espacial e trens de altíssima velocidade, estão chegando ao reino das possibilidades.
     
    Talvez, mas nem todo mundo pensa assim.
     
    “Viajar no tempo até o passado é potencialmente permitido em nossa teoria da relatividade geral, como entendemos a gravidade”, diz Paul Sutter, astrofísico que apresenta um podcast chamado “Pergunte a um Homem do Espaço!”.
     
    “Mas, toda vez que tentamos inventar um dispositivo teórico sobre viagens no tempo, outra parte da física invade e acaba com a festa.”
     
    Sutter diz que sabe do trabalho de Mallett, e o acha interessante, mesmo que não necessariamente alinhado com a entrega de resultados.
     
    “Não acredito que será necessariamente frutífero, porque acho que existem grandes falhas na matemática e na teoria, portanto um dispositivo prático parece inatingível.”
     
    Uma crítica séria à teoria de Mallett foi verbalizada em 2005 por Ken D. Olum e Allen Everett, do Instituto de Cosmologia, Departamento de Física e Astronomia da Tufts University. Eles disseram que encontraram furos na equação de Mallett e na praticidade de seu dispositivo proposto.
     
    O escritor de ciência britânico Brian Clegg tem um olhar mais favorável para as ideias de Mallett, e também retratou o cientista em seu livro “Como construir uma máquina do tempo”.
     
    “Ainda que nem todos concordem que seu dispositivo planejado poderia funcionar, acho que é uma proposição interessante o suficiente para se fazer uma tentativa experimental”, diz Clegg.
     
    “Se funcionar de fato, deve-se enfatizar que não é uma máquina do tempo prática; simplesmente produziria um efeito minúsculo, porém mensurável, que demonstraria o princípio.”
     
    Mallett apressa-se em esclarecer que suas ideias são teóricas.
     
    Ele diz que no momento está tentando conseguir fundos para conduzir experimentos na vida real.
     
    “Não é como no cinema”, afirma Mallett. “Não vai acontecer depois de duas horas, ao custo do que quer que você pague pelo ingresso. Vai custar.”

     
    Comparações com filmes são um tópico comum de conversas com Mallett. Ele gosta de explicar conceitos sobre viagens no tempo através de exemplos cinematográficos.
     
    Quando perguntado sobre as implicações éticas de voltar ao passado, ele sugere que seria necessário haver regulação e policiamento internacionais, e cita o filme de 1994 “Timecop – O Guardião do Tempo”, no qual Jean-Claude Van Damme interpreta um policial que trabalha para uma agência que regulamenta viagens no tempo.
     
    Outro favorito, segundo Mallett, é o filme de 2014 de Christopher Nolan, “Interestelar”, que lida com ideias sobre como o tempo impacta pessoas no espaço diferentemente de pessoas na Terra.
     
    O embasamento científico do filme foi alavancado pelo envolvimento do físico teórico ganhador do Prêmio Nobel, Kip Thorne.
     
    Mas Mallet também gosta do núcleo emocional do filme — a história de pai e filha que conduz a trama: “É lindo”, afirma.

    A magia dos filmes
     
    Hollywood procurou Mallett algumas vezes. Uma proposta de adaptação de “O Viajante do Tempo”, uma autobiografia da qual ele foi coautor em 2008, caiu por terra apesar do envolvimento do celebrado diretor, Spike Lee.
     
    Mallett diz que uma grande produtora comprou agora os direitos de sua história e há ainda outro projeto cinematográfico sendo desenvolvido.
     
    Mesmo depois de toda uma vida pesquisando sobre viagens no tempo, Mallet talvez nunca volte fisicamente à Nova York dos anos de 1950.
     
    Porém, graças à magia do cinema, ele ainda pode ter um vislumbre do passado, aquele “país estrangeiro”, e, de certo modo, encontrar seu pai uma última vez.
     
    “A ideia de que poderei de fato ver meu pai na tela do cinema é quase como trazê-lo de volta à vida”, diz Mallett, comovido.

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