O arquiteto que transforma cidades em ‘florestas verticais’
O arquiteto Stefano Boeri sempre foi obcecado por árvores. O italiano identifica o início de seu fascínio em um romance que leu na infância, “Il Barone Rampante” (“O Barão nas Árvores”), no qual um garoto vai escalando até um mundo de árvores e promete nunca mais voltar.
“Eu acho que árvores são indivíduos,” disse Boeri em uma entrevista por telefone. “Cada uma tem sua própria evolução, sua própria biografia, sua própria forma.”
Não é de surpreender que haja uma magia infantil no edifício mais conhecido do arquiteto, Il Bosco Verticale, ou A Floresta Vertical. Construído em sua cidade natal, Milão, o célebre complexo está repleto de vegetação e suas fachadas, transformadas em organismos vivos.
As duas torres residenciais do projeto – que medem 80 e 112 metros respectivamente – abrigam cerca de 20.000 árvores, arbustos e plantas que saem de varandas dispostas irregularmente, e se espalham pelas laterais das estruturas. Pelas estimativas de Boeri, há duas árvores, oito arbustos e 40 plantas para cada morador.
Os benefícios pretendidos desta arquitetura de jardim transcendem a estética. A vegetação, supostamente, fornece sombra aos apartamentos, benefícios psicológicos aos moradores e um lar para animais. Existem, disse Boeri, “centenas de pássaros, mais de 15 espécies diferentes” se aninhando nos vários andares das torres.
Mas o maior motivo de orgulho para o arquiteto é que os edifícios absorvem 30 toneladas de dióxido de carbono e produzem 19 toneladas de oxigênio por ano, de acordo com sua pesquisa, com um volume de árvores equivalente a mais de 20.000 metros quadrados de floresta.
“A capacidade de ampliar superfícies verdes dentro e em volta de nossa cidade é uma das maneiras mais eficientes de tentar reverter a mudança climática”, diz ele. “Então, uma floresta vertical é uma das maneiras possíveis de ampliar superfícies biológicas, horizontal e verticalmente. A solução não é apenas jardins. Por que não a lateral do edifício também?”
Outras características de eficiência energética, incluindo sistemas de aquecimento geotérmico e instalações para efluentes, tem atraído menos atenção. Ainda assim, elas ajudam as torres a não apenas se parecerem com árvores, mas funcionarem como elas, disse o arquiteto.
“Os edifícios realmente funcionam como árvores, a partir da raiz”, explicou. “Têm um tronco e distribuem (água e energia) através dos diferentes galhos.”
Modelo urbano ampliável
Em setembro de 2018, a Floresta Vertical foi indicada, entre quatro finalistas, ao RIBA International Prize, um prêmio bienal que homenageia os melhores edifícios novos do mundo. Apesar dos aplausos, Boeri alega que o verdadeiro sucesso do projeto é que ele serve como um protótipo.
O arquiteto tem projetos bem mais ambiciosos. Seu escritório já revelou planos para novos edifícios como A Floresta Vertical em cidades europeias que incluem Treviso, na Itália, Lausanne, na Suíça, e Utrecht, na Holanda.
Na cidade chinesa de Liuzhou, província de Guangxi, ele planejou uma “Cidade Floresta” inteira, prevista para ser concluída em 2020, com casas, hospitais, escolas e blocos de escritórios cobertos por árvores espalhados por uma extensão de 1,4 milhão de metros quadrados. Boeri disse que foi consultado sobre produzir “cidades” similares no Egito e no México.
Cada local requer uma pesquisa detalhada para identificar quais espécies de plantas e árvores irão prosperar (níveis de umidade, vento e incidência de sol são as variáveis mais desafiadoras). Antes de inaugurar suas torres em Milão, Boeri passou dois anos observando o crescimento de diferentes plantas e só usou aquelas que se mostraram mais resilientes.
Depois de numerosos estudos (e provado o valor imobiliário dos projetos), empreendimentos futuros irão invariavelmente se tornar mais atrativos para as empreiteiras — e mais baratos para o público. Nesta frente, Boeri destaca um projeto próximo na cidade holandesa de Eindhoven. A torre de 19 andares, com 125 unidades, marcará a primeira vez que o conceito de Floresta Vertical será aplicado a moradias sociais.
“O desafio é disponibilizar a Floresta Vertical para pessoas de baixa renda, não apenas gente rica”, disse. “Os apartamentos serão alugados para jovens casais e famílias com menos dinheiro. Isto é, para mim, um passo muito, muito importante. Reduzimos o custo de construção e usamos pré-fabricados para a fachada sem reduzir o número de árvores ou plantas.”
“Quero mostrar que é possível juntar as duas principais questões para o futuro de nossas cidades: mudança climática e pobreza.”
Um ‘manifesto’ verde
Boeri é, sem dúvida, um arquiteto com uma missão. Um manifesto publicado?no site de seu escritório se compromete a lançar “uma campanha global de silvicultura urbana” que vá de fazendas nas cidades, jardins em telhados e fachadas verdes a outras formas de vegetação pública. Recentemente, ele ajudou a estabelecer o primeiro Fórum Mundial de Florestas Urbanas, em Mântua, na Itália.
Entretanto, Boeri não é dogmático nem possessivo com sua visão. “Tenho orgulho de dizer que não estabelecemos qualquer tipo de direito autoral”, disse ele, “porque sabemos bem o valor social desse tipo de edifício.”
Pode-se dizer que designers e arquitetos como Thomas Heatherwick e Ole Scheeren – cujos próximos projetos em?Xangai?e na cidade de?Ho Chi Minh, respectivamente, têm proeminentes florestas urbanas – possuem uma dívida de gratidão com a visão de Boeri. Mas o italiano se mantém modesto sobre seu papel no que é um movimento arquitetônico em expansão.
“Haverá arquitetos e urbanistas que farão edifícios com a mesma filosofia, que serão melhores em comparação ao que fizemos”, disse ele. “Já está acontecendo. Fico feliz em ver isso.”
“Como arquitetos, estamos acostumados a lidar com materiais naturais”, acrescentou. “Mas natureza viva é uma coisa muito diferente. Normalmente, pensamos que natureza viva é apenas uma parte ornamental de nossos edifícios. O que fizemos com a Floresta Vertical é demonstrar que é possível transformar natureza viva em um componente básico da arquitetura.”