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    Como o fetiche por asiáticos afeta mulheres e homens amarelos, e de que maneira o k-pop impactou esse cenário

    Em entrevista à CNN, a atriz Jacqueline Sato e o influenciador Leo Hwan relatam as diferentes experiências entre mulheres e homens amarelos que são fetichizados

    Isabela Gadelhada CNN

    Por muito tempo, mulheres asiáticas ou descendentes foram retratadas em filmes e séries como  submissas, inocentes e, ao mesmo tempo, sensuais. Ela está ali para satisfazer o protagonista masculino branco, que é seu “salvador”. Esse estereótipo tem até nome: flor de lótus.

    Se não é retratada dessa forma ingênua, a mulher amarela é o estereótipo “dragon lady”, ou “mulher dragão”’, que usa sua sensualidade como arma pessoal. Dos dois jeitos, elas são hipersexualizadas na tela. Filmes famosos como “O Último Samurai” ou “Nascido para Matar” são alguns exemplos.

    No caso do homem asiático ou descendente, há muitos exemplos os retratando como o nerd nada atraente, um simples alívio cômico totalmente esquisito que nunca é desejado por ninguém.

    Han Lee, de “2 Broke Girls”, é sempre zoado pelas protagonistas quando demonstra interesse em viver uma relação amorosa. Já o personagem Sr. Yunioshi, de “Bonequinha de Luxo”, o vizinho irritante de Holly Golightly, é interpretado pelo ator branco Mickey Rooney usando adesivo nos olhos, bronzeado artificial e dentes protéticos – um caso de yellow face.

    Mas esse cenário tem mudado para os homens. A popularização da cultura pop do leste asiático trouxe uma nova representação: a de homens que dançam e cantam bem em performances elaboradas (k-pop, j-pop…) e que interpretam personagens românticos e cativantes, que fazem de tudo pela mocinha (dramas sul-coreanos, chineses, e por aí vai).

    Há mulheres que, inclusive, vão até a Coreia do Sul à procura do homem perfeito dos k-dramas – e a CNN já fez uma matéria alertando para os perigos de ir até o país apenas com esse objetivo em mente.

    Fetiche por asiáticos

    Em “O Mundo de Suzie Wong”, de 1960, a protagonista se finge de virgem ingênua, mas na verdade é uma prostituta que se torna “namorada fixa” de um arquiteto americano. / Reprodução

    O termo “yellow fever” é usado para descrever uma atração sexualizada por pessoas amarelas – sim, febre amarela não é apenas a doença para a qual precisamos de vacina! Essa atração muitas vezes é influenciada por representações estereotipadas na mídia e pela projeção de características de personagens fictícios e artistas admirados.

    “Fetichização é basicamente você reduzir uma pessoa ou um grupo de pessoas que tem dimensão, que tem sonhos, tem medos, que tem profundidade, em poucos aspectos simples”, explica o criador de conteúdo Leo Hwan à CNN .

    Segundo Hwan, tem muito mais a ver com o observador do que o observado, que acha que as características físicas da pessoa a definem, especialmente quando está se falando de asiáticos e descendentes.

    “Então ela deve ser nerd, deve ser recatada”, exemplifica. “O homem deve ter pênis pequeno. Ou então não deve ser tão ‘másculo’. Você o constrói em função de todos esses atributos físicos”, afirma.

    A atriz Jacqueline Sato, inclusive, já viu muito desses exemplos no cinema e na TV, que fazem com que os homens tenham a mesma visão sobre mulheres amarelas.

    “Eles acham que somos submissas, que somos dóceis, mas também somos hipersexualizadas. E na hora da cama, tem ‘N’ fantasias que vieram desses filmes, mas que foram construídas a partir da visão de um homem branco”, descreve.

    Mesmo que os homens heterossexuais não tenham assistido a esses filmes estereotipados, tem algo que provavelmente eles assistem no sigilo: os sites pornográficos. Para você ter ideia, “japonesa” foi a palavra-chave mais buscada por homens em 2019 no site Porn Hub. Em 2022, ficou em 2ª lugar, segundo o relatório Year in Review da plataforma.

    Para Sato, é preciso que haja mais papéis para pessoas amarelas que saiam de estereótipos, mas essa é uma grande batalha que ela mesma luta como profissional do meio.

    “Enquanto atriz, diversas vezes já aconteceu de receber alguns papéis e ter que falar ‘então, isso aqui não dá, vamos conversar?’”, explica.  “Tem gente que recebe super bem, fala: “Vamos mexer, obrigada”. Mas tem gente que não quer, que prefere manter do jeito que está, mesmo sabendo que isso vai ofender uma parcela da população”.

    “Eu nunca namorei uma japa”

    Se você tem uma amiga asiática ou descendente (de japoneses ou não), pergunte a ela se já ouviu essa frase. Dificilmente a resposta será não, e elas estão cansadas.

    “Pode parecer bobo para algumas pessoas, mas primeiro que a gente não é japonesa, a gente nasceu no Brasil, mas também tem a questão de que é só pela aparência, entendeu?”, explica Jacqueline. “‘Eu quero pegar uma com essas características’. Não é porque é você, não é porque, de fato, te achou interessante”.

    Mas há estereótipos ainda piores. A pior situação que Jacqueline já viveu e que vem do fetiche por mulheres amarelas aconteceu quando tinha apenas 12 anos de idade. Ela estava andando com sua família, que estava mais adiante, e um grupo de caras se aproximou e perguntou: “É verdade que a de vocês é atravessada?”, se referindo às partes íntimas.

    “Como se o formato fosse diferente, como se, pelo olho ser ‘mais puxado’, seria assim”, relata. “Mas eu andei rápido, fui ficar com a minha família e fiquei assustada. Pensei: “Como assim eles pensam isso?” e aquilo me marcou”.

    Anos depois, ela descobriu que esse tipo de comentário não foi uma experiência individual, aconteceu com várias mulheres amarelas com quem conversou depois. “Tem uma misoginia, tem uma mistura de coisas e de imaginário totalmente errados sobre a gente”.

    O impacto do k-pop

    Jungkook, do BTS, para a marca Calvin Klein. / Reprodução/Calvin Klein

    A cultura pop do leste asiático tem cada vez mais fãs. No caso da Coreia do Sul, o fenômeno até mesmo tem nome: é a hallyu, ou onda coreana, em português. No mundo todo há milhares de fãs de artistas de k-pop e dramas sul-coreanos que já conquistaram indicações e troféus importantes em premiações como Grammy, Emmy e Globo de Ouro.

    Para os homens, essa popularidade ajudou a deixar para trás todos aqueles personagens do cinema e da TV em que eram retratados de forma emasculada, como o esquisitão que não merece amor.

    “Eu acho que precisava de algo como o que o k-pop fez com relação à representatividade de homens asiáticos no Brasil na época que estava no colégio”, declara Leo Hwan.

    Hwan conta que nunca seguiu o padrão de masculinidade tradicional, mas que teria adotado mais o estilo dos artistas sul-coreanos se tivesse tido essa referência na época da escola. “Muitos desses grupos de k-pop também saem do que é esperado numa masculinidade tradicional, são amados e desejados por isso, não apesar disso”.

    Mas o criador de conteúdo chama a atenção para o fato de que, por não terem sido desejados por muito tempo e agora terem mulheres os fetichizando, há homens heterossexuais que estão se aproveitando das meninas.

    “Até certo ponto é saudável, mas a gente vive em uma sociedade machista”, constata. “Tem vários casos dos homens serem ‘escrotos’, e aí entra a dinâmica de poder do machismo”.

    Hwan acredita que eles estão curtindo o momento, mas diz essa “curtição” não está construindo a autoestima deles e sim “maquiando” anos de rejeição.

    “Eu tenho um amigo muito querido. Uma vez a gente estava numa festa, num bar na região da Augusta, aqui de São Paulo, e chegou uma menina muito interessada nele”, conta.

    Eles ficaram, até que os bares começaram a fechar e o grupo precisou pensar em outro lugar para ir. Sugeriram um bar coreano que eles frequentavam bastante, mas o amigo de Hwan não quis ir.

    “Ele falou pra mim que não queria ir porque estava com medo de chegar lá e ela trocá-lo por outro asiático”, relata. “Não faz bem pra sua autoestima achar que uma pessoa pode te trocar por qualquer um. Isso já aconteceu com ele, não é um medo gratuito”.

    “Acho que muitos homens asiáticos entram nessa pra suprir faltas”, reflete. “Se relacionar com pessoas que te veem dessa forma por conta da sua aparência, no final das contas, destrói a sua autoestima”.

    Fetiche x Crush no seu artista favorito

    Em “Com Carinho, Kitty”, Madison retrata uma garota fascinada pela cultura coreana e que tem interesse no personagem Min Ho. / Netflix

    E qual a linha tênue entre ter uma quedinha por um idol de k-pop e fetichizar asiáticos? Segundo Jacqueline Sato, a resposta está justamente em você admirar alguém que conhece minimamente.

    “É diferente. Você está falando daquele artista, daquele ator. De alguma forma você já está humanizando, embora esteja gostando da imagem que ele traz pra mídia, e não por quem ele é em casa, porque você não sabe”, afirma. “Já tem uma certa camada, não é essa ‘casca’ de fora”.

    Mas quando não importa quem é a pessoa e você só se interessa pelas características físicas, Sato afirma que pende para o fetiche: “O cara te quer porque você parece com algo que ele já viu e gostou, tem tesão, mas não sabe nada de você”, descreve.

    Assista ao vídeo das entrevistas com Jacqueline Sato e Leo Hwan:

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