Entenda o papel de França e Rússia no golpe do Níger
Golpe é sinal da perda de influência francesa sobre ex-colônias e da aproximação dos russos
O país da África Ocidental se junta aos vizinhos Mali e Burkina Faso, ex-colônias francesas que sofreram golpes marcados por um sentimento de rejeição a Paris e ao Ocidente e de aumento da influência russa.
Nesta sexta-feira (28), o chefe da guarda presidencial do Níger, Abdourahamane Tiani, apareceu na TV estatal se autoproclamando como novo líder do país e do conselho militar.
A fala completa o golpe de Estado iniciado na quarta-feira (27), quando representantes da guarda presidencial disseram em rede nacional que haviam destituído o governo de Mohamed Bazoum.
Paris demonstrou sua preocupação com a situação. Nesta sexta-feira (28), o presidente francês Emmanuel Macron condenou veementemente o golpe e pediu a libertação de Bazoum.
“Este golpe de Estado é perfeitamente ilegítimo e profundamente perigoso para os nigerinos, para o Níger e para toda a região”, disse Macron.
A ministra de Relações Exteriores da França, Catherine Colonna, também afirmou nesta sexta-feira que não considera “definitiva” a “tentativa” de golpe no Níger.
A tomada de poder no Níger segue os mesmos traços dos recentes golpes no Mali (2020 e 2021) e em Burkina Faso (dois golpes em 2022). Os países formam uma tríplice-fronteira na região do Sahel, região de transição entre o clima desértico do Saara, ao Norte, e as savanas do Sudão.
Nos três países, militares tomaram o poder alegando que o governo civil, apoiado pela França, não foi capaz de afastar as ameaças terroristas de grupos jihadistas.
Veja: EUA, ONU e União Europeia condenam tentativa de golpe no Níger
O Níger era um aliado crucial para as potências ocidentais que tentam ajudar a combater a insurgência de movimentos islâmicos radicais. Se o golpe for confirmado, Paris perde um elo chave na região.
No Mali e em Burkina Faso, as juntas militares que tomaram o poder expulsaram o exército francês e vêm se aproximando da Rússia. Agora, o Níger tende a rumar na mesma direção.
Cerca de 1.500 soldados franceses foram enviados ao Níger desde o fim da operação francesa Barkhane. Iniciada em agosto de 2014 e finalizada em novembro de 2022, a operação mirava cinco ex-colônias francesas: Burkina Fasso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger, o chamado “G5 do Sahel”.
Alexandre dos Santos, professor de Relações Internacionais da PUC-Rio e especialista em África, afirma que a França vem perdendo prestígio rapidamente na região e lembra que quatro países foram alvo de golpes de Estado nos anos na região: no Mali, em Burkina Faso, na Guiné e agora no Níger.
“Os golpes vêm sempre seguidos da mesma cantilena: “O governo civil é incapaz de combater os jihadistas de maneira efetiva, mantém privilégios da França que é a antiga ocupante colonial, não combate a corrupção etc.”, diz Santos.
França perde influência e Rússia entra em cena
Diante da perda de influência da França na região do Sahel, aumenta a importância do grupo de mercenários russo Wagner e em paralelo da Rússia.
Nesta semana, atos em defesa ao golpe do Níger reuniram centenas de pessoas na capital Niamey. E em meio aos votos de apoio aos militares, manifestantes empunharam bandeiras russas e gritaram em apoio ao grupo de mercenários Wagner.
O chefe do grupo, Yevgeni Prigozhin, disse em nota que “o que aconteceu no Níger é a luta de seu povo contra os colonizadores. Significa efetivamente conquistar a independência. O resto dependerá do povo do Níger”.
O professor da PUC-Rio avalia que a influência do grupo de mercenários caminha junto à influência russa, apesar do rompimento recente entre Putin e Prigozhin. “Não é possível dizer o quanto há de teatro no estremecimento de relações entre eles, mas os dois estão umbilicalmente ligados”, afirma Santos.
Chade, Sudão e República Centro-Africana são exemplos de países que se aproximaram do grupo Wagner e posteriormente da Rússia. “No caso dos países da África Ocidental, o grupo Wagner ajuda os militares a assumir o poder e debelar a ameaça jihadista, diminuindo a influência francesa na região e abrindo espaço para os russos”, diz Santos.
Esses países repetem um padrão: têm uma população de maioria islâmica, que teme a insurgência jihadista e a imposição de uma visão mais fundamentalista da religião muçulmana. A percepção de que a França não foi capaz de afastar as ameaças desses grupos radicais se junta a um renovado ressentimento pelo passado colonizador francês.
A Rússia se aproveita desse sentimento para se aproximar dos africanos.
Diante do recrudescimento da rejeição aos franceses, a Rússia tenta ampliar novamente sua influência entre os países africanos para conquistar apoio diplomático e reduzir o isolamento causado pela invasão à Ucrânia.
Não à toa, Vladimir Putin acaba de anunciar, durante a cúpula África-Rússia que acontece em São Petesburgo, que vai fornecer grãos e armas de graça a países africanos.