Sem provas, Robert Kennedy Jr. sugere que elementos químicos na água afetam sexualidade de crianças
Em fala conspiracionista, pré-candidato democrata à presidência dos Estados Unidos denuncia "confusão de gênero" provocado por substâncias; especialistas contestam as alegações do ativista antivacina
O candidato democrata à presidência, Robert F. Kennedy Jr., já compartilhou, repetidas vezes, conspirações infundadas de que substâncias químicas artificiais presentes no meio ambiente poderiam tornar as crianças gays ou transgênero, causar a feminização de meninos e a masculinização de meninas.
Especialistas contestaram as alegações de Kennedy (ele próprio um advogado ambiental e ativista antivacinas) e afirmaram ao KFile da CNN que suas teorias, de que a “identificação sexual” e a “confusão de gênero” entre crianças poderiam ocorrer por conta de sua exposição a “desreguladores endócrinos” encontrados no meio ambiente, são completamente infundadas.
“Eu queria só explorar essa questão sobre outros desreguladores endócrinos, porque nossas crianças hoje em dia… Sabe, estamos vendo esses impactos, que as pessoas desconfiam que são muito diferentes do que eram no passado, sobre identificação sexual entre as crianças e confusão sexual, confusão de gênero”, disse Kennedy em seu podcast em junho do ano passado. “Essas questões são muito, muito controversas hoje em dia”, prosseguiu.
Os desreguladores endócrinos são elementos químicos que interferem nos hormônios e no sistema endócrino do corpo, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Tais elementos são comumente encontrados em pesticidas e plásticos, e podem afetar as funções reprodutivas e aumentar o risco de obesidade.
Em diversas ocasiões, Kennedy erroneamente interpretou a capacidade estudada de desreguladores endócrinos de fazer com que alguns sapos machos se tornem fêmeas e produzam ovos viáveis, sugerindo que esses produtos químicos poderiam ter efeitos semelhantes em crianças e alterar sua sexualidade.
A CNN conversou com uma série de especialistas que afirmaram que não há conexão entre os desreguladores endócrinos e o gênero ou a sexualidade de crianças. Embora o sexo em sapos seja determinado por fatores ambientais, como a temperatura e elementos químicos, a Dra. Andrea Gore, professora de farmacologia e toxicologia da Universidade do Texas, em Austin, disse que o sexo dos humanos é determinado no momento da concepção e não pode ser alterado posteriormente por substâncias químicas desreguladoras do sistema endócrino.
A alegação infundada de que elementos químicos presentes – especialmente na água de torneira – poderiam fazer as pessoas virarem gays ganhou popularidade entre os teóricos da conspiração ao longo dos anos, principalmente com o conservador radialista Alex Jones, que disse que as substâncias químicas na água estavam “fazendo os sapos virarem gays”.
“Os comentários do Sr. Kennedy estão sendo descaracterizados. Ele não afirmou que os desreguladores endócrinos são a única ou a principal causa da disforia de gênero”, declarou um porta-voz da campanha de Kennedy em comunicado à CNN. “Ele apenas sugeriu que, dada a abundância de pesquisas sobre os efeitos em outros vertebrados, essa possibilidade merece mais estudos”.
O KFile da CNN analisou dezenas de aparições de Kennedy, tanto em seu podcast, quanto em outros veículos nos últimos anos, onde ele ocasionalmente discutiu o assunto. Kennedy tem obtido cerca de 19% da preferência de eleitores democratas em sua tentativa de desafiar o presidente Joe Biden para a nomeação do partido democrata.
Kennedy fez esses comentários várias vezes entre março de 2022 e junho de 2023.
“Se você expõe sapos à atrazina, os sapos machos, isso muda seu sexo e eles podem realmente ter filhotes. Eles podem botar ovos, ovos férteis”, comentou Kennedy no episódio de junho de 2022 de seu podcast.
“Assim, a capacidade desses elementos químicos – que estamos jorrando sobre nossas crianças hoje em dia – de induzir essas mudanças sexuais profundas nelas é algo que precisamos pensar como sociedade”, acrescentou.
A atrazina, um herbicida muito comum, é um desregulador endócrino, embora Gore tenha dito que não há ligação entre esses elementos químicos e o gênero e a sexualidade em humanos.
“Não acho que as pessoas devam fazer declarações sobre a relação entre substâncias químicas presentes no ambiente e mudanças na sexualidade quando não há evidências”, reiterou.
Um estudo que Kennedy discutiu em vários episódios de podcast tratava da exposição de sapos-com-garras-africanos à atrazina em um laboratório, castrando 75% dos sapos machos e transformando um em cada 10 machos em fêmeas.
Em um episódio do podcast de Jordan Peterson, cujo vídeo foi removido do YouTube, Kennedy disse que as crianças estão “nadando em uma sopa de substâncias químicas tóxicas”. Ele citou ainda como a atrazina pode “castrar quimicamente e feminizar sapos à força”, dizendo que “se está fazendo isso com sapos, há muitas outras evidências de que está fazendo o mesmo com seres humanos”. Kennedy não apresentou nenhuma prova de mudanças semelhantes ocorridas em seres humanos.
A Dra. Linda Kahn, professora assistente de pediatria e saúde da população na Universidade de Nova York, acrescentou que comparar sapos a humanos é como “comparar maçãs com laranjas, não é pertinente”. Nos seres humanos, a atrazina é metabolizada e excretada do corpo em 12 horas, acrescentou.
Durante sua participação em junho no podcast de Joe Rogan, Kennedy discutiu o efeito da atrazina em sapos machos, mas não fez uma conexão direta entre a exposição química e a sexualidade, como em comentários anteriores.
“Ninguém sabe. Porque sabemos o que isso faz com os sapos”, mencionou. “Mas ninguém sabe o que isso faz, o que esse tipo de exposição persistente faria com nossos filhos”.
Em um episódio de 2022 de seu podcast, Kennedy também disse que todo o abastecimento de água do centro-oeste dos EUA é “revestido” com atrazina, e que meninos e meninas nessas áreas tiveram a puberdade atrasada. No entanto, depois acabou se contradizendo em um episódio de março de seu podcast, quando citou que os desreguladores endócrinos estão causando ciclos menstruais precoces em meninas.
Kahn explicou que, embora estudos em geral sobre desreguladores endócrinos tenham mostrado efeitos na puberdade, nenhuma pesquisa demonstrou que a atrazina, o agrotóxico que Kennedy frequentemente cita, afeta especificamente a puberdade em humanos.
Gore acrescentou que, embora estudos em geral sobre desreguladores endócrinos tenham mostrado uma tendência de puberdade precoce e uma diminuição da contagem de espermatozoides em homens, esses efeitos fazem parte de uma infinidade de fatores que afetam o desenvolvimento das crianças. Os efeitos dos desreguladores endócrinos na puberdade e nas funções reprodutivas não estão ligados à sexualidade e à expressão de gênero em crianças.
Embora as alegações de Kennedy de que as substâncias químicas estão causando disforia sexual em crianças sejam falsas, Gore avaliou que existe uma preocupação legítima com o efeito comprovado dos desreguladores endócrinos sobre diabetes, obesidade, doenças da tireoide e muito outros.
Contudo, tanto Gore quanto Kahn disseram que a exposição rotineira a desreguladores endócrinos é apenas um fator que pode afetar o risco de uma pessoa contrair doenças.
“Não é tão significativo no nível individual como ele está fazendo parecer”, concluiu Kahn.