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    Julgamento de Bolsonaro no TSE: entenda o que vem agora

    Corte retomará na noite de terça-feira (27) com o voto do relator a análise do caso que pode deixar ex-presidente inelegível

    Lucas Mendesda CNN

    O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retomará na noite de terça-feira (27) o julgamento da ação que pode deixar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível por oito anos.

    A sessão está marcada para as 19h, e começará com a apresentação do voto do relator, ministro Benedito Gonçalves.

    O ex-presidente é alvo de um processo em que o PDT o acusa de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicações devido a uma reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho de 2022, em que ele fez ataques ao sistema eleitoral. O então candidato a vice-presidente na chapa, Walter Braga Netto, também responde à ação.

    Não é preciso que o relator conclua a leitura do voto numa mesma sessão. O tribunal reservou também a sessão de quinta-feira (29) para julgar o caso, se for preciso mais tempo.

    Ao votar, o relator deverá começar a tratar das chamadas questões preliminares, antes de se posicionar quanto ao mérito da ação (as acusações feitas pelo PDT).

    A defesa de Bolsonaro reiterou preliminares que já foram rejeitadas pelo TSE, como questões processuais apontando a incompetência da Justiça Eleitoral para processar o caso e a discordância na inclusão da “minuta do golpe” no processo.

    O documento, encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres no começo de janeiro, previa um decreto de estado de defesa no TSE, o que permitiria ao então presidente Bolsonaro interferir nas atividades e atuação do tribunal — o que é inconstitucional.

    A minuta foi incluída no caso a pedido do PDT, depois que o processo já tinha encerrado a fase de instrução. Essa inclusão e os desdobramentos de uma suposta conexão do documento com Bolsonaro ocuparam boa parte das manifestações dos advogados no primeiro dia de discussão sobre o processo.

    É possível que o relator apresente o voto todo de uma vez, tratando das preliminares e do mérito, seguido das manifestações dos demais integrantes da Corte. Outra possibilidade é que haja o fatiamento do julgamento, com os ministros debatendo e decidindo primeiro as preliminares e depois o mérito da ação.

    Essa decisão de organizar o processo de julgamento cabe ao presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes.

    Seja como for, a ordem de manifestações será a seguinte: depois do relator, votam Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e, por último, Alexandre de Moraes.

    A maioria para fixar qualquer entendimento é atingida com quatro votos.

    A defesa de Bolsonaro já indicou que recorrerá ao Supremo em caso de derrota no TSE. Antes de acionar o STF, é preciso esgotar todas as possibilidades de recurso na Corte eleitoral. Assim, uma eventual condenação deverá ser contestada pelo chamado “embargo”. O instrumento não tem o potencial de alterar a decisão, e permite esclarecer eventuais contradições e obscuridades no acórdão.

    Também não serve para suspender o efeito de eventual decretação de inelegibilidade.

    Primeiro dia

    Na sessão de quinta-feira (22), o advogado do PDT, Walber Agra, fez duras imputações contra o ex-presidente durante sua fala. Ele fez menções a tentativas de golpe no país e estabeleceu conexões entre a reunião com embaixadores, disseminação de fake news e ataque às instituições democráticas.

    Agra disse que o processo em julgamento é a ação dos “ataques sistemáticos ao sistema eleitoral” e da “defesa das instituições e da democracia”.

    “Cada fato aqui por si só representa um gravame inescusável para a democracia”, declarou.

    Conforme o advogado, a reunião de Bolsonaro com embaixadores teve “claro desvio de finalidade para desmoralizar instituições e de forma internacional”, acrescentando que o fato é “grave”.

    “Veja que cena triste da nossa história”, disse. “E, por último, tentativa nítida de golpe militar, golpe de Estado”. Neste ponto, o advogado defendeu a permanência no processo da minuta do decreto de Estado de Defesa encontrada na casa de Anderson Torres.

    Defendendo Jair Bolsonaro, o advogado Tarcísio Vieira de Carvalho refutou haver correlação entre a reunião dos embaixadores com 8 de janeiro. Ele chamou de “impostora” a ação apresentada pelo PDT, afirmando que a sigla fez “uso indevido da Justiça Eleitoral” ao ajuizar o processo como “plataforma política de propaganda antecipada”.

    “Uma ação impostora, eivada de falsidade ideológica, totalmente fadada ao insucesso”, declarou o advogado de Bolsonaro. Ele também refutou qualquer conexão do caso julgado com tentativa de golpe.

    “Tentativa de golpe? Conectada à reunião com embaixadores? Essa pretensão não dependeria de discursos outros que não os de descrédito da Justiça Eleitoral? Alguém que pretensamente vai praticar um golpe vai perder tempo em desacreditar a Justiça Eleitoral e disputar as eleições?”, questionou.

    Ministério Público

    O vice-procurador-geral da República, Paulo Gustavo Gonet Branco, disse que houve abuso de poder político de Bolsonaro ao convocar uma reunião com embaixadores e levantar dúvidas sobre o sistema eleitoral.

    Gonet defendeu a condenação de Bolsonaro e a sua inelegibilidade por oito anos. Conforme o representante do Ministério Público Eleitoral (MPE), o caso tem todos os elementos que configuram abuso de poder político: agente público, desvio de finalidade, busca de vantagem para situação eleitoral do candidato e gravidade da conduta para afetar a legitimidade do processo eleitoral. Segundo Gonet, o caso se tratou de instrumento de manobra eleitoreira.

    A ação

    O PDT acionou o TSE em agosto de 2022 questionando a reunião feita por Bolsonaro com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho de 2022.

    O presidente Jair Bolsonaro em encontro com chefes de missão diplomática, em Brasília
    O então presidente Jair Bolsonaro em encontro com chefes de missão diplomática, em Brasília / Clauber Cleber Caetano/PR

    Nessa reunião, transmitida ao vivo pela TV Brasil, Bolsonaro teceu críticas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial a Roberto Barroso e Edson Fachin, e classificou como “lamentáveis” falas dos magistrados.

    Ele ainda colocou sob dúvidas os resultados das eleições presidenciais de 2018, na qual foi eleito com 55,13% dos votos válidos.

    O então presidente ainda retrucou as acusações de que ele estaria “atentando contra a democracia” ao atacar o sistema das urnas eletrônicas e rebateu que, na verdade, seria o próprio TSE quem estaria atentando ao “não liberar o inquérito da suposta fraude de 2018”.

    O abuso de poder político pelo qual Bolsonaro é acusado é uma conduta ilegal praticada na campanha eleitoral e ocorre nas situações em que o acusado se vale de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor.

    A punição para este tipo de ilícito é a inelegibilidade por oito anos, período no qual o político não pode disputar eleições.

    O uso indevido dos meios de comunicação, segundo o PDT, se deu pela divulgação do discurso pela TV Brasil, uma empresa controlada pelo governo, e por redes sociais.

    O processo em que se discute o caso é uma AIJE (Ação de Investigação Judicial Eleitoral). É um tipo de procedimento mais complexo, que envolve levantamento de provas e depoimento de testemunhas.

    Consequências

    O efeito de eventual condenação à inelegibilidade é imediato. Bolsonaro pode ainda recorrer ao próprio TSE com os embargos.

    Depois, há ainda a possibilidade de acionar o STF. Neste caso, o recurso precisa ser aceito no próprio TSE, que autoriza a “subida” para o STF. A Suprema Corte também precisa admitir o recurso para efetivar sua tramitação, antes de qualquer decisão.

    Ao fim, a iniciativa também tende a não prosperar. Isso porque quem dá a última palavra em temas eleitorais é o TSE. O Supremo avaliaria eventuais ofensas à Constituição no caso. Os três ministros do Supremo que atuam no TSE podem participar desse eventual julgamento.

    Um recurso que chegue ao STF pode ser objeto de uma decisão individual de algum ministro suspendendo a decisão da Corte eleitoral.

    Em 2022 ocorreu algo semelhante. O ministro Nunes Marques derrubou individualmente uma decisão colegiada do TSE do ano anterior que cassou o deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União-PR), restabelecendo seu mandato. A decisão de Nunes foi depois invalidada pelo STF.

    Para o advogado especialista em direito eleitoral e membro da Academia de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Guilherme Gonçalves, a ação contra Bolsonaro no TSE é um “caso inédito” na Justiça Eleitoral.

    “Nunca antes na história do Brasil você teve uma situação na qual o ato de abuso de poder tenha se dado contra a própria democracia e estabilidade da Justiça Eleitoral. É algo completamente inédito”, afirmou à CNN.

    Pedido de vista

    Eventual pedido de vista (quando o magistrado quer mais tempo para analisar o caso) pode paralisar o julgamento por 30 dias, prorrogáveis por mais 30. Os 30 dias do mês de julho, período do recesso judicial, não contam para o prazo. O que, em último caso, pode levar a uma paralisação de até 90 dias.

    Gonçalves vê pouco efeito prático em algum pedido de vista de ministro do TSE. “Não há utilidade em postergar o julgamento, porque as consequências vão se dar a partir da eleição do ano que vem”, afirmou o advogado. “Não acho que há possibilidade de um pedido de vista estar dentro da estratégia política de algum ministro que deseja não ser tão contundente contra Bolsonaro”.

    2030 ou 2032

    Para o advogado, há uma controvérsia quanto à eleição em que Bolsonaro poderá voltar a disputar, caso seja condenado pelo TSE.

    Isso porque o prazo de inelegibilidade é de oito anos, contados a partir de 2 de outubro de 2022 (data da eleição). O pleito de 2030 deverá ocorrer em 6 de outubro, dia que está fora do período de inelegibilidade.

    “Há tendência na jurisprudência no sentido de que a inelegibilidade seria por quatro ciclos eleitorais, duas eleições municipais e duas nacionais”, disse. “A tendência é que Bolsonaro fique inelegível por quatro ciclos, se for condenado. E a próxima eleição que ele poderia concorrer é a de 2032”.

    Já o advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em Direito Eleitoral, doutor em Direito do Estado pela USP e mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie, discorda. Para ele, uma vez inelegível por oito anos, Bolsonaro estaria liberado para disputar o pleito de 2030 — uma eleição nacional.

    “A lei trata de contagem de datas”, afirmou. “Ele eventualmente poderia, em tese, ser candidato em 2030. Pela própria lei, a inelegibilidade não se daria com o ciclo eleitoral, mas sim em datas de tempo, como se faz em sentenças de natureza penal”.

    Para Almeida, o cenário no qual o TSE condenar Bolsonaro servirá de sinalização a candidatos a prefeito e vice, nas eleições de 2024. “Ficará claro que não pode usar o cargo para se tentar a qualquer custo a reeleição”, afirmou.

    “O abuso é o ‘algo a mais’”, declarou. “O então presidente tinha atribuições de convocar a reunião com embaixadores? Sim. Mas ao convocar para disseminar fake news, isso foi uma forma de conseguir benefício eleitoral, inclusive colocando em xeque a idoneidade das eleições e servindo de gatilho para tudo que aconteceu depois, o movimento de contestação do resultado. Isso vai gerar uma possibilidade muito grande de condenação”.

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