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    Especialistas veem equívocos em falas sobre Venezuela e importância de canal aberto com país

    Presidente afirmou, no início da semana, que país vizinho é "vítima de narrativa de antidemocracia e autoritarismo"; outros líderes sul-americanos criticaram postura

    Nicolás Maduro e Lula no Palácio do Planalto
    Nicolás Maduro e Lula no Palácio do Planalto Ricardo Stuckert/Divulgação

    Lucas Schroederda CNN em São Paulo

    As recentes falas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a Venezuela, proferidas ao lado de Nicolás Maduro durante encontro de líderes sul-americanos nesta semana em Brasília, foram uma ação equivocada do presidente brasileiro, segundo especialistas.

    A visita de Maduro foi a primeira do líder ao Brasil desde julho de 2015. No evento, Lula disse que a Venezuela é “vítima de narrativa de antidemocracia e autoritarismo” e criticou o que chamou de “preconceito” contra o país.

    Sem mencionar as acusações contra Maduro envolvendo violação de direitos humanos e perseguição a opositores políticos em Caracas, Lula teve a postura criticada pelos presidentes do Chile, Gabriel Boric, e do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou.

    A CNN ouviu especialistas para compreender a posição do governo brasileiro em relação à Venezuela e as implicações das recentes falas de Lula.

    Na avaliação de Fernanda Nanci Gonçalves, professora de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e Unilasalle-RJ, Lula errou ao afirmar que a Venezuela é vítima de narrativas, uma vez que diversas fontes internacionais comprovam as violações e abusos de direitos humanos no país vizinho.

    Os fatos não deixam dúvidas de que não é apenas uma narrativa, mas uma realidade. Tratar a crise doméstica como uma narrativa é fechar os olhos para a realidade da Venezuela.

    Fernanda Nanci Gonçalves, professora da UERJ e Unilasalle-RJ

    Apesar disso, a especialista enxerga com bons olhos a reaproximação entre os governos brasileiro e venezuelano depois da postura de isolamento com relação a Caracas adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

    “Acho importante aproximar-se da Venezuela, manter as relações em alto nível e ter um canal aberto para que o país seja reincorporado à região e para que diálogos sejam encaminhados em prol de soluções negociadas para a crise venezuelana”, aponta Fernanda.

    De acordo com Paulo Velasco, professor de política internacional da Uerj, as declarações do mandatário brasileiro são “um erro grosseiro”, visto que a situação humanitária na Venezuela é similar a países em guerra.

    Lula não pode fechar os olhos para tudo o que aconteceu em termos de perseguição a opositores e violação a direitos humanos na Venezuela.

    Paulo Velasco, professor de Política Internacional da UERJ

    Para o especialista, o apoio de Lula a Maduro é “um balde de água fria sobre a oposição que clama por alguém que possa atuar pela estabilidade e equilíbrio na Venezuela”.

    Ainda segundo ele, as afirmações do petista podem dificultar os objetivos do Brasil de garantir assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, além de mediar a guerra na Ucrânia.

    Para aliados, Lula “pisou em casca de banana” ao receber Maduro

    Conforme apuração da âncora da CNN Daniela Lima, aliados de Lula destacaram que o presidente “pisou em casca de banana” com a recepção oferecida a Maduro.

    O acolhimento concedido ao líder venezuelano teria, inclusive, piorado o clima no Congresso Nacional em uma semana que se mostrou decisiva para o governo Lula.

    Fernanda Gonçalves explica que a recepção de Maduro está dentro dos protocolos de presidentes que vêm ao país com honras de chefe de Estado.

    No entanto, a especialista pondera que “a polêmica sobre a visita é o fato de Maduro ser um líder considerado autoritário e ser recebido pelo presidente Lula dessa forma, o que mobilizou setores da oposição que se manifestaram em repúdio”.

    O professor de direito internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Lucas Carlos Lima corrobora em partes o parecer de Fernanda: “Podemos criticar o entusiasmo do diálogo, mas o diálogo me parece, neste caso, necessário”.

    “Do contrário, nós não conseguimos exercer o mínimo de pressão para tentar recuperar a posição da Venezuela em relação a direitos humanos. Só poderemos fazer pressão se houver um canal de diálogo”, completa.

    Segundo Paulo Velasco, o acolhimento a Maduro não surpreende, considerando como Hugo Chávez e Muammar Gaddafi, ex-líderes da Venezuela e da Líbia, eram recebidos em outros mandatos do petista na Presidência.

    “Lula é um personagem muito efusivo. É característica dele fazer isso com personalidades que ele compartilha afinidades”, acrescenta.

    Laços diplomáticos

    Assim que tomou posse para seu terceiro mandato à frente da presidência da República, Lula iniciou os processos para reatar os laços diplomáticos com Caracas, rompidos durante a gestão Bolsonaro.

    Em 2019, o ex-presidente chegou a publicar uma portaria que impedia a entrada de Maduro no Brasil. A medida foi revogada em dezembro de 2022, poucos dias antes do término do mandato de Bolsonaro.

    Na reunião de líderes sul-americanos, Lula reiterou a importância de Brasil e Venezuela retomarem suas parcerias econômicas. A jornalistas, Maduro afirmou que seu país está “de portas abertas” para a retomada das relações com empresários brasileiros.

    “A retomada das relações com a Venezuela é de extrema importância. Além de o país ser um vizinho com o qual o nosso país compartilha uma extensa fronteira, é rico em recursos energéticos, tem histórico de boas relações com o Brasil e compartilha desafios comuns”, pontua Fernanda Gonçalves.

    A especialista salienta que, ao ficar distante da Venezuela e da solução de crises regionais, o Brasil “abre brechas” para que outros países tenham maior ingerência em assuntos sul-americanos.

    Paulo Velasco converge com a análise apresentada pela professora. O especialista destaca que a estratégia adotada pelo governo Bolsonaro foi “um equívoco”, dado que “não ajudou em nada em uma transição democrática” na Venezuela.

    “O Brasil pode atuar em favor da realização de eleições limpas e legítima, além de buscar diálogo entre Maduro e a oposição que ajude atenuar o caos instalado há anos no país vizinho”, avalia.

    (Com informações de Ricardo Gouveia, da CNN, em São Paulo)